Duas matérias sobre trabalho escravo. A primeira, da ONG Repórter Brasil, especializada na cobertura de assuntos ligados à escravidão contemporânea, os repórteres apuraram junto a lideranças partidárias da Câmara dos Deputados as reais possibilidades de a Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº 438/2001 ser votada ainda este ano. Ela já passou pelo 1º turno de votação e, desde agosto de 2004 aguarda o 2º turno. As respostas foram pouco animadoras, por motivos variados. Confira.
Na segunda matéria, o jornal O Girassol, de Tocantins, relata que o Ministério Público do Trabalho no Estado, parceiro dos AFTs nos grupos de Fiscalização Móvel, apresentou denúncia à Justiça Federal contra fazendeiro que submeteu trabalhadores à condição de escravos e foi flagrado em 2009.
Leia as notícias:
22-3-2010 – ONG Repórter Brasil
PEC do Trabalho Escravo pode continuar "esquecida" na Câmara
À espera de votação no Plenário há quase 6 anos (após aprovação em 1º turno em 2004), a emenda que prevê o confisco de terras de escravagistas corre sério risco de "perecer" engavetada por mais uma legislatura
Por Rodrigo Rocha e Maurício Hashizume
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê a expropriação da terra em que ficar comprovada a exploração de trabalho escravo e tem apoio de um abaixo-assinado com mais de 168 mil adesões, se tornou quase um sinônimo do combate à escravidão contemporânea.
À espera de votação no Plenário da Câmara dos Deputados há quase seis anos (após aprovação em primeiro turno em agosto de 2004), a PEC do Trabalho Escravo corre sério risco de "perecer" engavetada por mais uma legislatura caso não seja "ressuscitada" pelas lideranças da Casa até 5 de abril, quando se encerra o prazo acordado até aqui para a escolha (ou descarte completo) de emendas que ainda poderão ser apreciadas em 2010.
Como a definição da agenda de votações está a cargo do Colégio de Líderes, a Repórter Brasil entrou em contato com as principais lideranças na Câmara Federal e com a presidência da Casa legislativa para aferir as chances reais de desbloqueio do andamento da PEC 438/2001.
No ano passado, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), chegou a anunciar planos para colocar a PEC do Trab alho Escravo em votação. Desta vez, porém, ele prefere a cautela absoluta. Por meio de sua assessoria de imprensa, declarou apenas que decidiu não se manifestar porque essa decisão deverá ser tomada pelo Colégio de Líderes e que, por esse motivo, não emitirá opinião sobre o mérito de PEC alguma antes que isso ocorra.
Outras 62 PECs também aguardam votação pelo pleno. A assessoria de imprensa da Presidência da Câmara reitera ainda que são votadas, em média, três PECs por ano. Estima-se que, se a opção pelas votações prevalecer, serão priorizadas no máximo quatro emendas para 2010.
Líder do governo, Cândido Vacarezza (PT-SP) vem se posicionando contra a votação de PECs em ano eleitoral. À imprensa, ressalvou, contudo, que o governo tende a apoiar a apreciação da PEC do Trabalho Escravo, vez que a mesma já foi votada em primeiro turno. Ocorre que, diante do alvoroço generalizado da Copa do Mundo de futebol em jun ho, as probabilidades de votação de emendas - que exigem ao menos 308 votos (3/5 do total de 513) favoráveis para aprovação - caem substancialmente.
Já o discurso de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), líder do bloco PMDB/PTC, dá a medida do real interesse pelo tema na maior bancada (91 deputados). A assessoria do parlamentar informou à reportagem que a PEC 438/2001 não está na pauta de discussão no momento. A matéria só fará parte do rol de pedidos do PMDB junto ao Colégio de Líderes, continua a assessoria, caso a maioria dos membros da bancada decida votar a favor da mesma. Essa súbita preferência, quando matérias mais "populares" - como a emenda dos donos de cartórios e a do aumento para policiais civis e militares - seguem pendentes, dificilmente deve se concretizar.
"A PEC do Trabalho Escravo é um compromisso da bancada do PT. Mas, pragmaticamente, acho bem difícil que a emensa seja votada ainda este ano", coloca Fernand o Ferro (PT-PE), atual líder da bancada petista (77 integrantes). De acordo com ele, a última vez que a possibilidade de votação da proposta em plenário foi aventada no Colégio de Líderes se deu em meados de 2009. "Mais recentemente, sequer foi discutida", complementa.
Fernando Ferro atribui a estagnação da PEC em questão diretamente à resistência "muito forte" da bancada ruralista, pautada pelos interesses dos proprietários rurais. Daniel Almeida (PCdoB-BA), que lidera o bloco PSB/PCdoB/PMN/PRB (50 deputados) no Congresso Nacional, também aponta a emenda que intensifica a punição contra quem explora trabalho escravo como prioridade, pois "mexer no patrimônio é sempre eficiente no Brasil". Para o congressista, os ruralistas "relutam em admitir que existem práticas incompatíveis com a legislação nas fazendas brasileiras".
A resposta mais surpreendente encaminhada à Repórter Brasil foi a de João Almeida (PSDB-BA), líder de 57 políticas e políticos tucanos. Perguntado sobre a PEC do Trabalho Escravo, o congressista admitiu que "desconhece" a proposta, até porque, conforme a sua assessoria, a emenda não foi colocada em debate nas reuniões de lideranças das quais participou.
Eleito pela quinta vez seguida como deputado federal, João Almeida é geólogo e ocupa uma das cadeiras da Casa desde 1991. O desconhecimento acerca da PEC surpreende por dois motivos. Nos últimos anos, fiscalizações têm recorrentemente libertado trabalhadores em fazendas na Bahia, que também assiste à migração e ao aliciamento de muita mão de obra para outras regiões. E em 2004, o líder do PSDB fez parte, como suplente, da comissão especial que tratou justamente da PEC 438/2001.
A assessoria de Paulo Bornhausen (DEM-SC), que lidera 55 deputados do partido, afirma que o tema ainda não foi ava liado, pois a PEC do Trabalho Escravo ainda não entrou em pauta de votação. Somente quando isso acontecer, a proposta deve passar por análise técnica da liderança do partido. Ainda segundo a assessoria, o DEM - que abriga contingente significativo de ruralistas - costuma priorizar as pautas de autoria de sua bancada.
Há na oposição, entretanto, quem veja pessoalmente a PEC com bons olhos. Gustavo Fruet (PSDB-PR), que assumiu a liderança da minoria na semana passada, declarou apoiar a matéria, como parlamentar. Na condição de líder, ele ainda averiguará o andamento das negociações acerca da escolha do que poderá ou não ser submetido à votação no Plenário, mas tem frisado que prefere as propostas direcionadas ao interesse geral da sociedade.
Gustavo Fruet, aliás, faz parte da Frente Parlamentar Mista pela Erradicação do Trabalho Escravo, que foi registrada oficialmente no último dia 10 de março e tem atualmente 195 membros da Câmara dos Deputados e 55 integrantes do Senado Federal. Um dos principais objetivos da articulação consiste na aprovação da PEC do Trabalho Escravo - classificada pelo senador José Nery (PSOL-PA), presidente da Frente Parlamentar, como "segunda Lei Áurea".
A PEC 438/2001 já foi aprovada pelo Senado em 2003. Se for aprovada em segundo turno pela Câmara, a emenda retornará ao Senado por causa das modificações promovidas pelos deputados. A primeira proposição de confisco de terras dos escravagistas é de autoria do deputado Paulo Rocha (PT-PA) e foi apresentada originalmente em 1995, há 15 anos. Ela foi apensada à PEC 438/2001, do senador Adem ir Andrade (PSB-PA).
18-3-2010 - O Girassol (TO)
Ministério Público Federal denúncia trabalho escravo no interior do Estado
Informações da Ascom/PR-TO
O Ministério Público Federal no Tocantins apresentou à Justiça Federal denúncia contra Valdeci dos Anjos Brito e Jaime Domingos da Rocha, acusados de reduzir oito trabalhadores a condição análoga à de escravo, submetendo-os a condições degradantes de trabalho na fazenda São Sebastião, no município de Colmeia. Valdeci Brito, proprietário da fazenda, também teria fraudado diversos direitos trabalhistas dos oito trabalhadores, pois omitiu as verdadeiras condições de trabalho, como falta de registro na CTPS, supressão da contribuição social e frustração de direitos trabalhistas, como participação no FGTS e seguro desemprego, conforme relatório de fiscalização.
Os oito homens foram contratados para trabalhar na limpeza e roçagem das pastagens para a criação de gado. De acordo com a denúncia, Valdeci Brito teria designado o vaqueiro da fazenda, Jaime Domingos, para buscar mão de obra para a execução do trabalho. Em ação que se estendeu de 4 de junho a 27 de julho de 2009 na região, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego apurou diversas irregularidades no tratamento dado aos trabalhadores.
O alojamento não possuía as mínimas condições de segurança e saúde, sem instalações sanitárias no local. Também não havia lugar adequado para preparo de alimentação, e a água fornecida era imprópria para o consumo humano, com mal cheiro e gosto de ferrugem, segundo os trabalhadores. Nas frentes de serviço, eles bebiam a mesma água que o gado. Também não recebiam equipamento de proteção individual nem ferramentas de trabalho, tendo que pagar até mesmo a lona pre ta que cobria o barraco.
Cada um trabalhava cerda de 12 horas diárias em atividades que exigiam grande esforço físico, a céu aberto, o que caracteriza jornada extenuantes. Tais condições, segundo a denúncia, perpassam o âmbito trabalhista para se juntar a condição degradante de trabalho, abordada no artigo 149 do Código Penal (redução de pessoa a condição análoga à de escravo).
Se condenado, o fazendeiro Valdeci dos Anjos Brito estará sujeito à pena de 2 a 10 anos de prisão, além do pagamento de multa. Jaime Domingos da Rocha poderá ficar preso por um prazo de 2 a 8 anos e também está sujeito ao pagamento de multa.