CPI do Tráfico de Pessoas amplia a tipificação do crime incluindo o trabalho escravo


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
26/05/2014



O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI do Tráfico de Pessoas no Brasil aprovado na semana passada amplia a tipificação do crime de tráfico humano, hoje restrito à exploração sexual. O relatório propõe leis mais rigorosas para punir este tipo de crime, e com esta finalidade apresenta o Projeto de Lei 6934/13, que altera vários aspectos da legislação brasileira. A proposta tramita apensada ao texto do Senado, 7370/14, que amplia a previsão no Código Penal (Decreto-lei 2848/40) para o crime de tráfico de pessoas. 


Atualmente, as únicas tipificações adequadas na legislação nacional sobre o assunto são o crime de tráfico internacional de pessoas para fins de prostituição e o tráfico de crianças e adolescentes. Condutas criminosas como tráfico para trabalhos forçados ou análogos à escravidão e transplante de órgãos não contam ainda com tipo penal correto. 


Pelo relatório comete o crime quem agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir ou comprar para remoção de órgãos, trabalho análogo a escravo, servidão, adoção ilegal e exploração sexual. As penas para os crimes mencionados também passam a ser mais rígidas. 


Na semana passada também foi instalada a Comissão Especial que vai analisar as matérias. O deputado Luiz Couto (PT-PB) é o presidente da Comissão e a relatoria ficou com o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA). 


Auditores-Fiscais do Trabalho participaram de várias audiências públicas promovidas pela CPI, quando relataram a grande quantidade de tráfico de pessoas para fins de exploração de mão de obra, ou seja, para o trabalho escravo (veja matéria). 


Indiciamento


A CPI também indiciou quatro pessoas por tráfico humano em três investigações diferentes. Durante as investigações, a Comissão pretendia indiciar mais três pessoas, porém a prescrição dos crimes impediu a ação. A pena será de 5 a 8 anos de reclusão para quem transportar, recrutar ou acolher pessoas nessas situações. Entre os indiciados há pessoas que participaram de adoções clandestinas e exploração e abuso sexual de jogadores de futebol. 


Mudanças propostas pela CPI


A CPI propõe alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/90), no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), no Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3689/41), na Lei de Crimes Hediondos (8.072/90), na Lei dos Transplantes (9.434/97), na Lei Pelé (9.615/98) e na Lei de Artistas e Técnicos de Espetáculo de Diversões (6.533/78), além de adequar a legislação nacional às Convenções Internacionais de Palermo e de Haia que tratam do tráfico de pessoas. 


Confira a integra das propostas:



Com informações da Agência Câmara  


Leia, também, reportagem publicada no jornal Correio Braziliense desta segunda-feira, 26 de maio, sobre o tráfico de pessoas no futebol. Assunto bem atual em tempos de Copa do Mundo. 


26-5-2014 – Correio Braziliense


DIREITOS HUMANOS - O futebol na rota do tráfico de pessoas 


Garotos que sonham em virar astros do gramado são alvos fáceis de criminosos.


Desconhecimento da população e legislação falha tornam o país da Copa um campo fértil para traficantes


ANA POMPEU


O tráfico internacional de pessoas normalmente é associado à exploração sexual ou a trabalhos forçados. No entanto, esse tipo de crime está se diversificando. Entre as novas modalidades, o esporte tem ganhado adeptos. A profissionalização do futebol trouxe a negociação de jogadores por cifras altas. Com interesse em ganhar com a transação de atletas, pessoas se passam por treinadores e trazem crianças e adolescentes de outros países para o Brasil com a promessa de formação e colocação em um clube. Mas esses jovens encontram campos improvisados, equipe sem qualificação, alojamentos precários, tem os documentos retidos e são submetidos a situações degradantes.


A falta de informação facilita que famílias se tornem vítimas ou mesmo que colaborem com o esquema de aliciamento. A legislação tem lacunas e ainda não tipifica todos os casos como tráfico. Esses fatores dificultam a identificação e o combate à ação criminosa. Há episódios em que, mesmo depois que o Ministério Público do Trabalho comprovou as irregularidades, nenhum indiciamento foi feito pelo entendimento da Polícia Federal de que não se tratava de tráfico de pessoas.


Entre apuração e encaminhamento à PF, o fato ocorreu no Paraná no ano passado. Um site divulgava fotos de um suposto centro de treinamento que não pertencia aos anunciantes. O time teria o nome de Esporte Clube Piraquara, mas não há registro dele na Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Quando os estrangeiros chegavam, os passaportes eram recolhidos pelo representante da agremiação com a desculpa de que estariam mais bem guardados. O dinheiro mandado pelos pais era sacado pelos treinadores, que não repassavam aos atletas.


Procuradora do Ministério Público do Trabalho, Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes investigou o caso. “Aqui, esses meninos não estudavam. Estavam integralmente à disposição para treinamentos desportivos, pelos quais jogavam com os times de bairro”, conta. De acordo com ela, eram todos sul-coreanos entre 14 e 17 anos e não falavam português nem inglês.


“A partir de 2005, o modelo de formação desportiva envolvendo negociações de atletas ganhou força no futebol. Crianças que têm um ideal marcado pelo sonho do futebol acabam acreditando que no país do futebol vão ter um bom futuro”, analisa a procuradora. Os asiáticos são as vítimas mais frequentes. Na opinião de Cristiane, a explicação está na origem dos aliciadores, também do continente asiático, e na distância tanto física quanto no idioma. Mesmo sem indiciamento por tráfico de pessoas, o grupo recebeu uma multa de R$ 40 mil e os atletas foram notificados para voltar para os países de origem.


“A PF não entendeu que havia tráfico. Por sorte, isso foi dito a mim, e não ao grupo, que foi embora e liberou os jovens”, explicou a procuradora. Casos como o do clube de Piraquara se repetem no interior de São Paulo. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas da Câmara dos Deputados acusou um homem que, além de aliciar adolescentes, os dopava e abusava sexualmente deles.


Resultados
O relatório final da CPI foi aprovado por unanimidade na semana passada e deve ser divulgado na quarta-feira. O documento resultou no Projeto de Lei 6934/13, que pede a alteração de vários aspectos da legislação brasileira para combater com maior rigor o crime no Brasil. Coordenador do programa de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Conselho Nacional de Justiça, o conselheiro Guilherme Calmon acredita que o crime deve ser combatido em três frentes. “O primeiro eixo é o da prevenção. As pessoas precisam estar mais bem informadas de que isso acontece para não serem facilmente ludibriadas. A repressão deve ser mais eficaz, com trabalho conjunto dos países com maior incidência. Por fim, é preciso ter uma rede de proteção às vítimas”, resumiu. 


Ele defendeu também uma reforma legislativa. “Pelo nosso sistema de direito penal, para considerar alguém como tendo praticado um crime, é preciso que se pratique a conduta exatamente como descrito na lei, e não temos essa descrição que não para fins de exploração sexual e trabalho escravo.” Outra questão importante seria a mudança na emissão de vistos. Muitos desses atletas entram no país como estudantes ou turistas. Não há como monitorá-los. Nesse caso, de acordo com Calmon, o Ministério das Relações Exteriores pode aperfeiçoar ferramentas para solucionar o problema.


O que diz a lei
A Lei 9.615, de 24 de março de 1998, mais conhecida como Lei Pelé ou Lei do Passe Livre, instituiu normas gerais sobre o desporto brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição, revogando a chamada Lei Zico (Lei 8.672, de 6 de julho de 1993). Ela foi criada com o intuito de dar mais transparência e profissionalismo ao esporte nacional. Foi da Lei Pelé que surgiram o fim do passe nos clubes de futebol do Brasil. Além disso, instituiu o direito do consumidor nos esportes, disciplinou a prestação de contas por dirigentes de clubes e a criação de ligas. Também determinou a profissionalização, com a obrigatoriedade da transformação dos clubes em empresas. Criou verbas para o esporte olímpico e paralímpico. A lei também definiu os órgãos responsáveis pela fiscalização do seu cumprimento e determinou a independência dos Tribunais de Justiça Desportiva. (AP)


Simpósio
Os resultados da CPI serão apresentados no IV Simpósio Internacional para o Enfrentamento do Tráfico de Pessoas, que o Conselho Nacional de Justiça promove nos próximos dias 29 e 30, no Rio de Janeiro, em parceria com o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. A ideia é analisar toda a apuração dos parlamentares para investir em soluções ligadas à Justiça, sensibilizando magistrados para o tema do tráfico de pessoas em contextos diferenciados dos habituais, como o esporte, por exemplo. Também deve entrar na pauta do encontro o texto do projeto de lei apresentado pelo colegiado que se dedicou ao tema.


Três perguntas para Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, procuradora do Ministério Público do Trabalho do Paraná 


Como acontece o tráfico desportivo?
A Lei Pelé, de 1998 (Veja O que diz a lei), passou por sucessivas reformas que construíram um modelo de formação desportiva. A partir de 2005, começou a tomar muita força o modelo que a própria lei referencia, na forma de gerir o esporte na perspectiva de venda de atletas. O tráfico tem tudo a ver com esse impulso da mercantilização do futebol. Pessoas de boa ou má-fé podem achar que podem trabalhar com formação e abusam de crianças que têm um sonho no futebol. Elas são atraídas para programas de formação que são ilusórios. Em alguns casos, em clubes não são sequer federados. E os ditos treinadores, que nem formação em educação física têm, ficam com o dinheiro enviado pelos pais enquanto tentam vender os jogadores para algum clube de verdade.


Por que é difícil classificar o tráfico quando se trata de esporte?
Se formos ler a definição de tráfico de pessoas que consta do Art. 3º do Protocolo de Palermo, não teria dúvidas em afirmar: é tráfico. No entanto, é preciso mais para que essa situação seja identificada como tal. Concretamente, no caso de Piraquara, não houve interesse da Polícia Federal em instaurar qualquer inquérito criminal. Outro caso emblemático ocorreu na região de Campinas, onde não houve possibilidade de inserir os adolescentes resgatados em qualquer programa de resgate a vítimas de tráfico de pessoas. Eles haviam, inclusive, sofrido violência física por não desempenharem direito os treinamentos, e mesmo assim, após o resgate, acabaram ficando hospedados num hotel, ao alcance dos treinadores. 


Os grandes eventos esportivos sediados pelo Brasil podem provocar o crescimento do crime no país?
Esse é sim um efeito bem previsível da realização da Copa do Mundo no país. Estar na mídia por período tão longo como estará certamente motivará novas vocações dos jovens. Não é difícil pensar que haja um interesse de aliciadores para aproveitar. Eles vão se definir como empresários, treinadores e aproveitarão a fama de país do futebol do Brasil. (AP)


 

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