Negligência com crianças gera ação civil pública contra a Prefeitura do Recife


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
07/11/2013



Auditores-Fiscais do Trabalho participam de reuniões na próxima semana com integrantes da prefeitura e dos ministérios Público Estadual e do Trabalho para tratar dos problemas no lixão do Canal do Arruda.


Nos últimos três anos a fiscalização atuou em 105 municípios pernambucanos e constatou 3.179 crianças e adolescentes em situação de trabalho proibido.


O caso dos três meninos fotografados pelo Jornal do Commercio (PE) catando latas de alumínio em meio ao lixo no Canal do Arruda (Recife) e a vulnerabilidade a que estão submetidas todas as crianças e adolescentes da localidade, levaram o Ministério Púbico do Trabalho – MPT a anunciar que vai entrar com uma ação civil pública contra a Prefeitura do Recife. De acordo com a Procuradoria Regional do Trabalho da 6ª Região – PRT 6, o município vem falhando na política de combate ao trabalho infantil.


Na próxima semana, Auditores-Fiscais do Trabalho participam de reuniões com integrantes da Prefeitura, com a Secretária de Ação Social e procuradores do Ministério Público Estadual e do Trabalho para tratar dos problemas no lixão do canal, que fica na zona Norte da capital pernambucana. O resultado das discussões será levado para a Audiência Pública que vai discutir o trabalho infantil no dia 2 de dezembro, na Câmara de Vereadores de Recife.


A reportagem do Jornal do Commercio mostrou Paulo Henrique Félix da Silveira, 9 anos, e os primos Tauã Manoel da Silva Alves, 10, e Geivson Félix de Oliveira, 12, ignorando os perigos e a imundície do fosso para recolher latinhas e ajudar no sustento de suas famílias. O material é trocado num galpão de reciclagem próximo. Em dia bom, tiram R$ 5, mas há dias em que o esforço desumano rende apenas R$ 1. É o suficiente para aliviar a fome. Paulinho foi flagrado dentro do Canal do Arruda, só com o pescoço do lado de fora, catando lixo reciclável. É uma cena chocante, que ganhou as redes sociais nos últimos dias e está provocando a indignação de muita gente.


Na terça-feira, 5, uma equipe da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos foi ao local para verificar a situação das duas famílias. Mas Paulinho, Tauã e Geivson não estão sozinhos. De acordo com o perfil dos catadores brasileiros elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, baseado no Censo 2010, 3,6% dos 20.166 pernambucanos que trabalham com reciclagem têm entre 10 e 17 anos. São, oficialmente, só 726 crianças e adolescentes no Estado que tiram seu sustento do lixo.


Nas cifras do trabalho infantil em geral, o número sobe para 1.329.229. Na faixa etária dos pequenos catadores de Saramandaia, até 13 anos de idade, há 665.500 pernambucanos trabalhando, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


Combate


A fiscalização dos lixões e aterros sanitários integra o rol de ações prioritárias do Projeto de Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho de Pernambuco – SRTE/PE.


De 2011 a 2013, os Auditores-Fiscais do Trabalho realizaram fiscalizações de combate ao trabalho infantil em 105 municípios pernambucanos, onde foram verificados 1.367 focos de trabalho infantil e identificadas 3.179 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho proibido.


Somente no ano de 2013 foram inspecionados 551 focos e encontrados, até o mês de outubro, 1.146 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no Estado de Pernambuco. Desse total, 910 crianças e adolescentes com idades entre 5 e 15 anos, estavam trabalhando, sozinhos ou acompanhados de parentes, em praias, feiras livres e outros logradouros públicos, espaços onde a regulamentação do uso e fiscalização competem ao Poder Público Municipal.


Na capital pernambucana, entre 2011 e 2013, os Auditores-fiscais do Trabalho encontraram 184 focos de trabalho infantil e identificaram 206 crianças e adolescentes em situação de trabalho proibido. A Praia de Boa Viagem se destaca como um dos principais locais de trabalho das crianças e adolescentes recifenses: em uma ação, em menos de duas horas os Auditores-Fiscais do Trabalho identificaram sessenta crianças e adolescentes trabalhando.


“Embora a Prefeitura Municipal e outros órgãos da rede de proteção tenham sido comunicados há mais de um ano acerca da gravidade da situação de trabalho infantil em Boa Viagem, até agora não foram adotadas medidas para solucionar o problema”, diz a Auditora-Fiscal do Trabalho Paula Neves.


De acordo com a Auditora, o trabalho em logradouros públicos ou ao ar livre está na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, devido à exposição à violência, drogas, assédio sexual e tráfico de pessoas;  radiação solar, chuva e frio; aos acidentes de trânsito e atropelamento, entre outros riscos e repercussões à saúde.


Outros setores em que são frequentemente encontradas crianças e adolescentes em situação de trabalho proibido são nas oficinas, borracharias, lava-jatos, casas de farinha, confecções, entre outros.


Os empregadores que utilizam trabalho infantil são autuados pela fiscalização, e ainda pagam os direitos trabalhistas das crianças e adolescentes afastadas do trabalho”, explica a Auditora-Fiscal. Além disso, a fiscalização comunica os casos de trabalho infantil e pede providências aos órgãos e entidades competentes, a exemplo da prefeitura, do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Estadual, entre outros, para que cada um exerça as atribuições que lhes compete na proteção à infância e à adolescência. 


Nos anos de 2012 e 2013, sessenta adolescentes retirados do trabalho infantil em praias, feiras, lava-jatos, borracharias e oficinas em Recife e região metropolitana foram contratados como aprendizes.


Paula Neves informa que os adolescentes que antes trabalhavam em atividades extremamente prejudiciais à sua saúde e ao seu desenvolvimento físico e psicológico, atualmente estão executando trabalhos supervisionados e compatíveis com sua faixa etária, como aprendizes em escolas e faculdades, bancos, companhias aéreas, livrarias, entre outras empresas.


Fiscalização no interior


Recentemente, no Município de Araripina, interior de Pernambuco, Auditores-Fiscais do Trabalho identificaram 175 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. As unidades do Sesi e do Senai em Araripina se prontificaram a contribuir no encaminhamento desses jovens. Após reuniões e audiência públicas realizadas pela SRTE/PE e pela PRT 6, a unidade do Senai em Araripina confirmou o oferecimento de 100 vagas de aprendizes para adolescentes retirados do trabalho infantil. Os cursos para as primeiras turmas têm previsão de início em dezembro deste ano. Dezessete empresas da região de Araripina firmaram Termo de Ajuste de Conduta para a regularização das cotas de aprendizagem, sendo cientificadas da possibilidade de contratar como aprendizes jovens retirados do trabalho infantil, a partir de cadastro mantido pela Secretaria Municipal de Assistência Social.


No início deste ano, 120 crianças e adolescentes afastadas do trabalho foram incluídas no Programa Atleta do Futuro, oferecido pelo Sesi em Araripina. Além disso, muitos adolescentes foram incluídos no Projovem e no Pronatec, através da articulação da SRTE/PE com as Secretarias municipais de Ação Social e de Desenvolvimento Econômico.


Mas a fiscalização trabalhista alerta que para evitar o ingresso ou o retorno das crianças e adolescentes ao trabalho proibido não basta punir os responsáveis por empregar mão de obra infantil.


“É necessário que as crianças e adolescentes afastadas do trabalho sejam incluídas, com a máxima brevidade, em escolas com educação integral, cursos ou programas no contra-turno escolar, atividades lúdicas e desportivas nos fins de semana, e, ainda, a conscientização das famílias, professores e de toda a sociedade acerca dos riscos e da proibição legal do trabalho infantil”, destaca Paula Neves.


Outras ações


Além das fiscalizações e articulações, a Coordenação da Fiscalização do Combate ao Trabalho Infantil da SRTE/PE tem realizado, juntamente com o Ministério Público do Trabalho, inspeções nos núcleos dos Programas de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI de alguns municípios pernambucanos.


Os relatórios de inspeção dos núcleos do PETI em Recife, juntamente com os relatórios de fiscalizações realizadas em feiras livres e praias do município, foram utilizados no ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho. O desinteresse da Prefeitura Municipal do Recife no enfrentamento ao trabalho infantil evidencia-se nas fotos dos núcleos do PETI, com banheiros e bebedouros sujos ou quebrados, carência de monitores ou oficineiros, falta de equipamentos lúdicos e educativos, alimentação precária, entre outras deficiências.


A SRTE/PE também está na coordenação do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em Pernambuco - FEPETIPE, já tendo organizado audiências públicas, campanhas, panfletagens, exposição, palestras e, mais recentemente, a “I Marcha Pernambucana contra o Trabalho Infantil”, realizada em Recife com a participação de mais de mil pessoas, entre crianças, adolescentes, familiares e integrantes de organizações governamentais e não governamentais que atuam na defesa dos direitos de crianças e adolescentes.


A fiscalização dos lixões e aterros sanitários integra o rol de ações prioritárias do Projeto de Combate ao Trabalho Infantil da SRTE/PE. Por isso, os Auditores-Fiscais do Trabalho continuarão inspecionando os lixões dos municípios onde forem realizadas fiscalizações de combate ao trabalho infantil e adotando as medidas que lhes competem no enfrentamento ao problema e de comunicação aos demais órgãos responsáveis.


Clique aqui para ver a matéria completa sobre o caso dos três meninos do lixão do Canal do Arruda, denunciado pelo Jornal do Commercio. A página na internet tem galeria de fotos e dois vídeos em que as crianças comentam como é o “trabalho” que realizam no canal e os sonhos para o futuro.

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