“Como se dá a interferência do Poder Econômico na Fiscalização”. Foi com este tema que a Auditora-Fiscal do Trabalho Gladys Nunes Vasconcelos, Delegada Sindical do Sinait no Estado do Pará, e representantes de outras Auditorias federal, estadual e municipal, denunciaram as investidas externas contra agentes do Estado que fazem a fiscalização trabalhista e tributária e das tentativas de enfraquecimento da área de fiscalização no país. Eles trataram do problema durante o Seminário “Fiscalização Tributária e do Trabalho: Autonomia e Independência a Serviço da Cidadania” promovido em Belém na sexta-feira, 7 de junho.
De acordo com Gladys, na área trabalhista a interferência se dá primeiro de forma direta, por meio de ameaças e intimidações do empregador. Ela citou como exemplo a Chacina de Unaí, na qual morreram três Auditores-Fiscais do Trabalho e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE e uma agressão recente sofrida por um Auditor-Fiscal do Trabalho no Rio Grande do Sul, quando fiscalizava obras do programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal.
A segunda forma é quando ocorre a ingerência/intervenção da autoridade Regional do MTE, em favor do empregador. A Auditora-fiscal citou o exemplo do caso ocorrido em 2007, no Pará, quando o Grupo Móvel de Fiscalização resgatou 1.100 empregados em condições degradantes em uma fazenda de cultivo de cana de açúcar. Na ocasião, chegaram o delegado Regional, o presidente da Federação das Indústrias, a presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará - OAB e outras autoridades, entre estas um senador. Eles queriam forçar os Auditores-Fiscais a rever a fiscalização para amenizar a situação para os empregadores.
No mesmo caso, depois de determinar a interdição da caldeira de uma indústria na fazenda, uma Auditora-Fiscal do Trabalho foi questionada pelo Delegado Regional do Trabalho, na presença de advogados de um notório escritório de advocacia trabalhista local, contratado pela empresa.
Para mudar esta situação “trabalhamos para que esses cargos sejam ocupados por Auditores-Fiscais e não por indicações políticas”, disse Gladys.
A terceira maneira de interferência na atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho se dá pelo desmonte da fiscalização. Segundo Gladys, as formas de desmonte são variadas e vão desde unidades em condições precárias de trabalho à falta de licitação para compra de material administrativo, de equipamentos e mobiliários. Estes, muitas vezes são adquiridos por meio de recursos oriundos de Termo de Ajustamento de Conduta - TAC firmados pelo Ministério Público do Trabalho – MPT, revertidos para a Auditoria-Fiscal do Trabalho.
A inviabilidade de viagens para o interior, por falta de contrato com agências de viagens, falta de contratos para a manutenção de veículos e de servidores, provocada pela não realização de concursos, também estão entre as tentativas de desmonte da fiscalização trabalhista.
Situação crítica
O resultado aparece na redução do quadro de Auditores-Fiscais do Trabalho, que tem sido uma constante. Em 1996, o quadro chegou ao ápice com 3.777 Auditores-Fiscais em todo o país. Em 2013, a situação é bem crítica, com apenas 2.839 Auditores-Fiscais compondo o quadro da fiscalização.
O Estado do Pará, em 1996, contava com 147 Auditores-Fiscais do Trabalho. Já em 2013, são 89, sendo apenas 76 na ativa.
Gladys denunciou a situação de Altamira/PA, onde a usina de Belo Monte, a maior construção civil do mundo, com 18 mil contratações, mas com previsão de um canteiro de obra para 30 mil trabalhadores, está sem fiscalização trabalhista. “Apesar de o Ministério do Trabalho, em agosto de 2011, ter anunciado a criação da Gerência Regional e a nomeação de novos Auditores-Fiscais do Trabalho, até o momento a Gerência continua apenas com dois servidores e sem condições de trabalho”, desabafou a Auditora-Fiscal. Os novos Auditores-Fiscais do Trabalho aprovados no último concurso não quiseram tomar posse por causa das péssimas condições de trabalho em Altamira.
“Enquanto o MTE está omisso, o MPT está vigilante, pois na quinta-feira, 5 de junho, moveu uma Ação Civil Pública contra o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) em Altamira”, informou. O MPT, segundo Gladys, acusa o Consórcio de Belo Monte de estar contratando irregularmente empregados de empresas subcontratadas, prestadoras de serviços terceirizados.
De acordo com o MPT, a ação está em andamento na Vara do Trabalho de Altamira e, se for julgada procedente, pode custar ao CCBM condenação de até R$ 200 mil por reparação por dano moral coletivo.
Para Gladys, os preceitos da Auditoria-Fiscal do Trabalho estão sendo descumpridos. “Tanto a Constituição Federal como a Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, da qual o Brasil é signatário, asseguram à fiscalização trabalhista a independência e autonomia da carreira, com número suficiente de agentes para atuar sem interferência no exercício da Inspeção do Trabalho, e o que estamos assistindo é o desmonte da fiscalização. Fica aqui a reflexão: a quem interessa o desmonte da fiscalização trabalhista?”, indagou.
Receita Federal
O Auditor-Fiscal da Receita Federal Sérgio Luiz destacou a função do Auditor-Fiscal da RFB regulamentada pela Lei 10.593/2002, bem como os aspectos relevantes da função que envolve o aspecto econômico. Segundo ele, é nesta área que se dá o conflito, pois ao intervir no setor econômico, fazendo a fiscalização, tanto a administração tributária como seus agentes são alvo de contra-ofensiva do poder econômico.
Situações extremas, como agressões físicas, intimidações e coações, também fazem parte da rotina desses servidores.
Cumprir a Constituição
Ana Lídia Azevedo Correa, presidente da Associação dos Auditores Fiscais de Belém defendeu o cumprimento da Constituição Federal para reverter esta situação. “O que estamos percebendo é que a CF não está sendo cumprida, e não podemos aceitar que os governantes fiquem com a Constituição fechada sobre suas mesas sem agir. Não estamos a serviço de nós mesmos e sim da cidadania, pois ao desempenhar nossas funções estamos garantindo a cidadania”.
De acordo com a sindicalista, se o contribuinte sentir que o recolhimento de seus tributos não está sendo fiscalizado, ele não vem pagar espontaneamente. Na opinião dela, o contribuinte quer proteção.