Presidente da CPI denuncia tentativas de ruralistas de alterar o conceito de trabalho escravo e retirar competências dos Auditores-Fiscais do Trabalho
Diante da ameaça de retrocesso nas legislações trabalhista e penal, que protegem os trabalhadores vítimas do trabalho escravo e pune os empregadores flagrados nessa prática, o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo, deputado Cláudio Puty (PT/PA), encerrou os trabalhos da Comissão sem a votação de um Relatório Final. Segundo ele, os ruralistas articulavam a aprovação de um parecer paralelo ao do relator, deputado Walter Feldman (PSDB-SP), no intuito de flexibilizar as leis trabalhistas, dificultando a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho.
No final da tarde de sexta-feira, 22 de março, o presidente da CPI concedeu uma entrevista coletiva no Salão Verde da Câmara dos Deputados, para esclarecer os motivos do fim da CPI e da ausência de um relatório final. A assessoria de comunicação do Sinait participou da coletiva.
Puty informou que será produzido um relatório, em nome dos parlamentares que concordam com o princípio de que o dever do Estado é de proteger os trabalhadores, fortalecendo a Auditoria-Fiscal do Trabalho, propondo a necessidade de realização de mais concursos públicos, para aumentar o número de Auditores-Fiscais do Trabalho. “Além disso, o relatório também deverá prever o fortalecimento da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo – Conatrae, e a consolidação da jurisprudência que finalmente está colocando empregadores que praticaram trabalho escravo na cadeia”, acrescentou Puty.
Esse relatório, de acordo com o presidente, será divulgado por todo o país e deverá propor medidas que considera importantes para contribuir com o combate ao trabalho escravo. “Para haver um acordo no âmbito da CPI, deve haver, por parte da bancada ruralista, vontade de ver os fatos. Nós mostramos por diversas vezes que comer com os animais é degradante, comer alimento estragado é degradante, não poder sair das fazendas é degradante. Discutir o conceito de degradante é acadêmico e não resolve o problema do trabalhador”, esclareceu Puty.
“Eles deram diversas declarações públicas dizendo que se valeriam da condição de serem maioria na CPI para apresentar medidas que, segundo eles, iriam flexibilizar as leis trabalhistas e que consideramos um retrocesso. Eles pretendiam alterar o arcabouço de fiscalização que os últimos governos montaram. Por isso, não seremos coniventes com esse retrocesso nas garantias mínimas que os trabalhadores têm nesse país”, indignou-se Puty.
De acordo com o presidente, os ruralistas queriam retirar do Código Penal as principais infrações praticadas contra os trabalhadores do campo pelos proprietários: os crimes por trabalho degradante e por jornada exaustiva. “Para mim e para o relator é impossível apresentar um relatório que retire direitos dos trabalhadores ou desmonte a fiscalização, por isso, não chegamos a um acordo de um relatório aceitável. Sem acordo, não há relatório. A agenda era divergente. De um lado a flexibilização de direitos trabalhistas e de outro a consolidação de jurisprudência que pune os escravocratas, maior rigor na fiscalização, mais concursos”, ponderou o presidente.
Além disso, os ruralistas queriam mudar o que consideram "fiscalização excessiva" da Auditoria-Fiscal do Trabalho, mas Puty afirmou que as investigações da Comissão não evidenciaram, em momento algum, a ocorrência de excesso por parte da fiscalização. “Não há interesse nenhum, para parlamentares de bom senso que somos, de penalizar produtores rurais honestos, até porque a Lista Suja é composta por cerca de 200 empregadores e ir contra ela me parece no mínimo suspeito”, acrescentou.
Estrategicamente, deputados da Frente Parlamentar do Agronegócio ocupavam dois terços das vagas do colegiado - 20 dos 28 titulares. Com esse número, os ruralistas conseguiram barrar requerimentos de investigação e de convocação de proprietários rurais apontados de manter trabalho escravo nas propriedades. Com essa maioria, eles poderiam também rejeitar o parecer do relator e aprovar um outro paralelo com projetos para alterar a legislação sobre o trabalho escravo.
O deputado Cláudio Puty concluiu a coletiva dizendo que o objetivo da CPI foi distorcido: "Não pretendíamos discutir se há ou não trabalho escravo no Brasil, mas investigar as causas do trabalho escravo no país".
Depoimentos de Auditores-Fiscais do Trabalho na CPI
Durante o ano de funcionamento da CPI, o prazo da Comissão foi prorrogado por duas vezes. Foram realizadas audiências públicas e diligências. A presidente do Sinait, Rosângela Rassy participou de audiência pública da CPI defendendo as competências e atribuições dos Auditores-Fiscais do Trabalho de autuar empregadores quando constatada a prática do trabalho escravo, mas deixando claro que o direito ao contraditório é assegurado sempre, e ressaltando que cabe à Justiça do Trabalho apreciar as ações civis públicas que são baseadas nos relatórios das ações fiscais.
O diretor do Detrae/SIT/MTE, Auditor-Fiscal Alexandre Lyra, também participou de outra audiência pública e apresentou a rotina de atuação da Fiscalização e reforçou seu depoimento com a leitura de trechos de relatórios de ações fiscais que caracterizam a prática do trabalho escravo em nosso país.
Lilian Carlota (AFT/SC), coordenadora do Grupo Móvel de Fiscalização Rural de Santa Catarina, também fez um depoimento na CPI da Câmara e trouxe provas documentais, inclusive fotografias de situações em que os trabalhadores são encontrados em condição análoga à de escravo. O depoimento de Lilian foi muito contundente e recebeu ataques frontais de muitos ruralistas membros da CPI.
PEC 438/01
Um dos grandes méritos alcançados pela CPI do Trabalho Escravo foi impulsionar a votação da PEC 438/01, que finalmente foi aprovada em 2º turno na Câmara. A PEC prevê a expropriação de terras de empregadores onde seja encontrada a prática do trabalho escravo e que se utilizam da mão de obra escrava para obter cada vez mais lucros. O trabalho das entidades que apoiam a PEC, como o Sinait, é obter, agora, a aprovação dessa proposição no Senado.
Sinait participará de Audiência Pública, hoje, 25, em Belém (PA)
Nesta segunda-feira, 25, a presidente do Sinait Rosângela Rassy participará de Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Pará, em Belém, para debater a questão do trabalho escravo e a atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho.
Os deputados Cláudio Puty e Walter Feldman, presidente e relator da CPI do Trabalho Escravo da Câmara estarão presentes e terão a oportunidade de apresentar resultados de investigações, diligências e depoimentos que foram realizados durante a CPI.
A audiência vai acontecer às 14 horas, no plenário da ALEP.