Em atividades como a Fiscalização do Trabalho, cujos Auditores-Fiscais do Trabalho realizam suas tarefas externamente, o controle de ponto eletrônico não é a modalidade mais indicada, pois não afere a qualidade do serviço ou a produtividade
O Sindicato dos Auditores-Fiscais da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal publicou uma matéria no jornal da entidade - “O Tributo” - sobre o controle de ponto para a categoria. No texto, o Sindicato destaca que a natureza da função auditorial exige que os servidores realizem algumas funções in loco e nem sempre trabalhem em tempo integral no prédio do órgão.
Para a entidade, a rigidez no controle do ponto não significa resultados operacionais e sim uma conduta que representa um instrumento burocrático para que o serviço público “cumpra seu papel”. A matéria aponta também que o foco na avaliação de produtividade não deve ser o controle de ponto e sim uma análise aprofundada da gestão estratégica do órgão como as metodologias adotadas, definição de diretrizes, projetos, metas e ações.
O jornal também veiculou o artigo doprofessor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Mário César Ferreira, especialista em ergonomia. De acordo com ele, o controle de ponto é uma medida eficaz para contabilizar presença e as horas trabalhadas. Porém, não tem a capacidade de mensurar a produtividade, a qualidade no trabalho e a motivação do empregado. Márcio afirma que o ponto também pode ser ineficaz como avaliador do serviço público.
OSinait concorda com o posicionamento doSindicato dos Auditores-Fiscais da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal quando defendem a impropriedade de se estabelecer a exigência de ponto para uma atividade de fiscalização, principalmente pela necessidade dos Auditores-Fiscais estarem, quase prioritariamente, exercendo atividades externas.
Os Auditores-Fiscais do Trabalho enfrentam problema semelhante. Por essa razão, o Sinait enviou uma carta ao ministro do Trabalho e Emprego, Brizola Neto, com os mesmos argumentos usados pelos Auditores-Fiscais da Fazenda do DF, até agora sem resposta. Na carta, a entidade reforça o pleito de alteração da Portaria MTE nº 1.160/2011 que dispõe sobre a jornada de trabalho dos servidores no âmbito do Ministério.
Leia o artigo e a matéria publicados no jornal “O Tributo”, abaixo.
Agosto de 2012 – Jornal O Tributo – Sindicato dos Auditores-Fiscais do DF
O mito do relógio de ponto
Mário César Ferreira - Professor do instituto de Psicologia da universidade de Brasília (unB), doutor em ergonomia (ephe, Paris) mcesar@unb.br
No cardápio de instrumentos de gestão, o relógio de ponto sempre ocupou lugar de destaque. Ele é fruto da Revolução Industrial e se consolidou com enfoque taylorista de tempos e movimentos da chamada administração científica. O controle de ponto de funcionários, com o uso do relógio, se transformou em remédio milagroso para o controle de comportamento indesejado dos assalariados. Dois séculos de capitalismo industrial — ancorados no pressuposto de que time is money — deram origem a uma métrica da produção: cada produto representa x horas de trabalho.
Todavia, mesmo no contexto industrial, o uso do relógio de ponto já começa a respirar os ares da flexibilidade e, paulatinamente, o novo padrão de competitividade globalizada vem recomendando aos empresários virar o disco. O relógio de ponto pode ser instrumento eficaz de controle de horários (chegada, saída, intervalo, turnos) e gerenciamento de segurança e banco de horas, fornecendo relatórios sobre o comportamento dos trabalhadores que são verdadeiras pedras preciosas nas mãos de dirigentes e gestores. Com a revolução microeletrônica, o modelo top de linha desses relógios combina informática e biometria, possibilitando identificar com segurança por meio do corpo humano (olhos, mãos, dedos) o usuário. Os relógios biométricos produziram euforia em certos gestores: “Agora quero ver funcionário emprestar seu cartão magnético para o colega!”
O mito do relógio de ponto começa quando outros setores econômicos do mundo do trabalho — com destaque para as esferas do comércio, serviços e governamental — importam de modo acrítico esse instrumento de gestão como forma de controlar as horas trabalhadas de empregados.
Leitor, você acha, sinceramente, que relógio de ponto é uma garantia de horas trabalhadas? Se não acha, saiba que há uma série de estudos e pesquisas indicando que o controle rígido de horário — típico de modelos de gestão do trabalho baseados exclusivamente em desempenho & resultado — estão na origem de uma série de indicadores críticos nas organizações (doenças, acidentes, estresse, retrabalho, perda de qualidade, panes, rotatividade).
No caso do setor público, com destaque para o Legislativo, imaginar que a adoção do relógio de ponto é panaceia que leva os servidores a trabalharem é como prescrever analgésico para dor de dente: alivia, mas não resolve o problema. Será que a postura gerencial de alguns dirigentes e gestores não é a principal avalista da ausência contumaz de parcela dos servidores? A adoção do relógio pode fazer que eles passem a estar de corpo presente na repartição pública, mas isso não necessariamente significa trabalhar, na acepção saudável do verbete.
Trabalho também requer alma. Tem muita gente querendo entrar no serviço público, mas experimente perguntar para um concursado antigo onde há relógio de ponto como anda a sua motivação para o trabalho, se as tarefas, o local, as pessoas e, principalmente, os estilos gerenciais são fontes de felicidade. A insatisfação grassa. Eles logo descobrem que só estabilidade e salário razoável não garantem a tão valiosa motivação.
Na área governamental, garantir trabalho efetivo, acompanhado de prazer e saúde, requer, pelo menos, duas macromedidas. A primeira é operar uma mudança de cultura organizacional revendo valores, crenças, ritos e mitos. Implica operacionalizar o paradigma do exercício da função pública como espaço também da cidadania organizacional, transparência nas formas de gestão e, sobretudo, controle coletivo interno do planejamento de atividades e controle social pelos cidadãos contribuintes. A segunda é adotar um modelo de gestão participativa do trabalho que viabilize, por exemplo, a autonomia responsável na execução de tarefas, a criatividade, o desenvolvimento pessoal, o reconhecimento institucional de quem trabalha e as condições ambientais e instrumentais adequadas de trabalho.
Infelizmente, muitos gestores públicos Brasil afora, sob a batuta de governantes despreparados, querem transformar a repartição pública em unidade industrial e importam modelos de gestão voltados para a produtividade exacerbada. Eles ainda não compreenderam que as atividades do setor público não visam ao mercado, mas à sociedade e à promoção da cidadania.
Agosto de 2012 – Jornal O Tributo
Controle de ponto no ambiente do serviço público
A obrigatoriedade do controle de ponto no ambiente do serviço público mediante registro eletrônico gera uma discussão inevitável: produção versus presença. Alguns acreditam que o vínculo presencial diário é necessário e que confirma à sociedade que o agente público está cumprindo com seu papel, mas existem os que acreditam que o controle propala a ineficiência e auxilia a tão paralisante burocracia que atrofia o serviço público.
Opiniões à parte, temos que nos ater à solução de problemas gerados por essa ineficiência. Será que estabelecer controles rígidos garantirá melhores resultados operacionais? Acreditamos que o ambiente de laboração não está condicionado exclusivamente à mera presença, mas ao efetivo desenvolvimento do trabalho, independentemente do vínculo presencial-burocrático ao órgão de origem.
Por outro lado, trabalhos como os de Auditoria e Monitoramento Tributários requerem perspicácia e iniciativa, que se aprimoram à medida que o Auditor tem uma visão mais nítida da rotina operacional do contribuinte sob auditoria ou monitoramento. Esta visão, por sua vez, demanda, inexoravelmente, acompanhamento próximo das atividades desenvolvidas pelas empresas, muitas vezes presencial sem olvidar da necessária constatação “in loco”, que não se coaduna com a fixação do servidor em sua estrutura física de trabalho. À título de exemplo, podemos citar os casos de impostos como ICMS, ISS e IPTU, que inevitavelmente necessitam de trabalhos externos.
Por isso, diríamos até, sem ser piegas sendo apenas realistas, que o Auditor não pode perder o “cheiro de rua”, que é fator preponderante para o desenvolvimento de suas ações auditoriais. Além disso, o controle dos servidores por meio de ponto “a ferro e fogo” é forma inadequada de administração dos recursos humanos, é empregar a solução mais simplória na busca de melhor eficácia e/ou eficiência do servidor e é, sobretudo, tangenciar em relação ao foco principal de uma gestão estratégica, que é conhecer a fundo cada um dos processos de trabalho desenvolvidos na organização, as metodologias adotadas, os recursos empregados, as necessidades prementes e, consubstanciado neste conhecimento, definir as diretrizes, ações, projetos e metas a serem alcançadas. Assim, numa administração gerencial o controle meio é substituído pelo controle de resultados ou operacional.
Adotar o caminho mais simples na conduta de controlar o serviço público com foco principal em horário, no sentido que a Secretaria de Fazenda do DF ora propõe, além de tolher iniciativas relevantes e implícitas ao trabalho auditorial, certamente não resultará em maior eficiência e/ou eficácia do fisco distrital. Além destas, questões muito mais complexas não estão sendo avaliadas com o devido mérito pelo governo, representado por este órgão, e que geram diariamente custos milionários aos cofres públicos.
Em suma, obrigar o agente público a ficar estabelecido em determinado local de trabalho não é sinônimo de produção e eficiência/eficácia. O registro do ponto é apenas a via mais simples e ineficaz de se tentar fazer com que a administração pública cumpra seu papel.