CUT disse que Auditores-Fiscais do Trabalho são heróis; OIT reconhece o trabalho dos Grupos Móveis como modelo para o mundo, e Centro de Defesa da Vida de Açailândia tem a fiscalização como parceira no combate ao trabalho escravo no Maranhão
A sétima reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI do Trabalho Escravo, na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira, dia 22, para investigar a exploração do trabalho escravo ou trabalho análogo ao de escravo, em atividades rurais e urbanas, de todo território nacional, teve a participação contundente da presidente do Sinait, Rosângela Rassy, que esclareceu aos parlamentares a situação da Auditoria-Fiscal do Trabalho no Brasil e as consequências do seu enfraquecimento na luta contra o trabalho escravo contemporâneo no Brasil (veja matéria em nosso site - http://www.sinait.org.br/noticias_ver.php?id=5488).
Além da presidente do Sinait, participaram a diretora do Escritório Brasileiro da Organização Internacional do Trabalho – OIT, Laís Wendel Abramo, o diretor da Executiva Nacional da Central Única dos Trabalhadores – CUT, Pedro Armengol, o coordenador do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia do Maranhão, Antônio José Ferreira Lima Filho, o presidente da CPI, deputado Cláudio Puty (PT/PA) e o relator o deputado Walter Feldman (PMDB/SP).
Para o diretor da CUT, Pedro Armengol, é estranho que depois de mais de um século da abolição da escravidão ainda haja no Congresso Nacional uma CPI para tratar do trabalho escravo. Segundo ele, é uma situação contraditória em função da revolução social que o Brasil viveu. “Nós gostaríamos de debater a partir do ponto de vista ideológico, porque existe uma falsa polêmica sobre se existe no Brasil trabalho escravo ou não”. Segundo ele, há vários setores da sociedade que colocam em dúvida a existência de trabalho escravo no Brasil. “Hoje contamos com a presença da presidente dos Auditores-Fiscais do Trabalho, Rosângela Rassuy, que irá colocar números e informações sobre o assunto de maneira mais consistente e tenho certeza que esses dados por si só falarão”.
De acordo com Armengol para analisar se há ou não trabalho escravo no Brasil “não se precisa ir muito longe, porque no próprio cotidiano do trabalhador que atua em instituições que trata do capital e do trabalho há registro de trabalho escravo”. Afirmou ainda que não se trata de um debate maniqueísta ao se dizer que todos os empresários e produtores praticam o trabalho escravo. Segundo ele, “em todas as áreas têm os bons e os maus empreendedores e nós temos nos maus empreendedores alguns que praticam, sim, o trabalho escravo, e é por isso que chamo a atenção para a importância da aprovação da PEC 438, que consta em seu texto, a expropriação de terras daqueles que a praticam”.
O sindicalista argumentou que, ideologicamente, os bons empreendedores não têm que ter nenhuma preocupação com a aprovação da PEC. “Afinal, quem tem que ter preocupação são os maus empreendedores”. Explicou que a aprovação foi importante porque a ausência do Estado nas relações sociais e nas relações de trabalho é algo muito perigoso para o Brasil. Segundo ele, a ausência do Estado na perspectiva da punição daqueles que praticam irregularidades, as multas não significam nada, porque “os valores cobrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE são insignificantes”.
Comissão Pastoral da Terra
Pedro Armengol apresentou dados da Comissão Pastoral da Terra - CPT de 2011, que registrou 230 ocorrências de trabalho escravo em 19 dos 27 Estados da Federação brasileira, envolvendo 3.929 trabalhadores, dentre eles, 66 crianças. Explicou ainda que “as áreas de ocorrências são: da pecuária 21%, corte de cana 19%, construção civil 18%, outras lavouras 14%, produção de carvão 11%, desmatamento e reflorestamento 9%, extração de minério 3%, indústria e confecção 3%”. Observou ainda que “a predominância de incidência do trabalho escravo é na área rural”. Os problemas de trabalho escravo nas áreas urbanas são principalmente no setor têxtil, com os imigrantes naturais da Bolívia, em São Paulo, registrados em alguns casos de trabalho escravo, inclusive mães trabalhando e amamentando.
Armengol concluiu sua apresentação dizendo que os Auditores-Fiscais são herois, porque “o trabalho que eles conseguem realizar sem estrutura em função do quantitativo com menos de três mil Auditores-Fiscais no país, com as dimensões territoriais, é algo impressionante”.
Trabalho escravo é antítese do trabalho decente
A diretora do Escritório Brasileiro da Organização Internacional do Trabalho – OIT, Laís Wendel Abramo, informou que o trabalho forçado é a antítese clara do trabalho decente e que constitui uma grave violação dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais no Trabalho. Esse crime está previsto na Norma Internacional desde 1930, quando foi adotada a Convenção 29 da OIT sobre o Trabalho Forçado, definido como “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido voluntariamente”.
Laís Abramo esclareceu que a Convenção 29, ratificada pelo Brasil em 1957, deveria impulsionar os Estados membros a reconhecer o trabalho forçado nos seus territórios, “um problema que em geral está oculto, na medida em que são raros os dados estatísticos oficiais sobre o problema e as sociedades apresentam um baixo grau de conscientização”.
Definição da OIT busca abrangência mundial
A definição ampla da Convenção n° 29 sobre o trabalho forçado, segundo Laís Abramo, busca a abrangência mundial do fenômeno, que não se restringe a determinadas regiões, “podendo ocorrer em países em desenvolvimento e industrializados, em diferentes espécies de economia, bem como podendo ser impostos por agentes estatais ou privados”.
Ela esclareceu que a definição está composta por elementos principais: ameaça de uma pena ou punição e a coação, além da ausência de consentimento. “Esse pontos reunidos tipificam as diferentes situações de trabalho forçado abrangidas pela convenção”. Em função dessa abrangência, continuou, cabe a cada país adotar uma legislação particular que tipifique a prática, a fim de que ela possa ser penalmente sancionada.
No Brasil o consentimento é característica especialmente constitutiva do trabalho forçado, uma vez que na maior parte das vezes o trabalhador escravizado segue voluntariamente para o trabalho. “O consentimento não o impede de acabar submetido à prática de trabalho forçado, mas isso se passa, porque o trabalhador foi enganado”.
12 milhões de escravos no mundo
As legislações nacionais que versam sobre as circunstâncias de prática de trabalho forçado presentes em cada território devem levar em conta as particularidades econômicas, sociais e culturais do contexto em que ela se insere, disse a diretora da OIT. “Isso a torna passível de sanções penais correspondendo ao que é estabelecido no artigo 25 da Convenção n° 29”.
Laís citou o relatório de 2005 da OIT, em que a instituição calculou que pelo menos 12,3 milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçado no mundo anualmente. Destes, 9,8 milhões são explorados por agentes privados, entre os quais 2,4 milhões são resultados do tráfico de seres humanos. Os 2,5 milhões restantes são trabalhadores forçados a trabalhar para o Estado ou por grupos militares rebeldes. “A América Latina e o Caribe contam com 1.320.000 vítimas do trabalho forçado, das quais 75% são resultado da exploração econômica de atores privados, 16% de trabalho forçado imposto pelo Estado e 9% de exploração sexual comercial”.
Esclareceu também que o relatório estima que os lucros obtidos pela prática de tal crime chegavam a US$ 32 bilhões por ano. “Ao apresentar o relatório, a OIT lançou o desafio à comunidade internacional, que é a construção de uma ampla parceria com o objetivo de erradicar o trabalho forçado o mais rápido possível, que acabou sendo chamado de Aliança Global Contra o Trabalho Forçado”.
Os Relatórios Globais da OIT enfatizam a importância da Inspeção do Trabalho nas ações contra o trabalho forçado, ao mesmo tempo em que chamam a atenção para as dificuldades que existem na maioria dos países para que a Inspeção do Trabalho cumpra com eficácia esse papel. “O Brasil é uma exceção e os relatórios apontam a ação do Grupo Móvel de Fiscalização como uma boa prática”, disse Abramo.
Citou que apesar das dificuldades e obstáculos encontrados, o Brasil é um exemplo a ser seguido na luta contra o trabalho escravo. “O Brasil é vanguarda mundial no combate ao trabalho forçado por ter reconhecido a existência do problema em seu território e pelo esforço nacional em desenvolver, em muitos âmbitos, o seu combate efetivo”, concluiu Laís Abramo.
Quinze anos de combate ao trabalho escravo no MA
O coordenador do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (MA), Antônio José Ferreira Lima Filho, representou em seu discurso, organizações sociais que atuam no Estado do Maranhão no combate ao trabalho escravo, e expôs de maneira firme e esclarecedora a situação de exploração à qual são submetidos os trabalhadores rurais maranhenses em muitas fazendas e carvoarias no Estado.
Na sua apresentação, afirmou a importância de erradicar o trabalho escravo e pontuou as ações efetuadas nos 15 anos de combate ao trabalho escravo no Maranhão. Destacou o lançamento de dois Planos Estaduais para Erradicação do Trabalho Escravo, “um em 2003 e outro em 2007, e atualmente há um terceiro programado para ser lançado em 31 de maio deste ano”.
As iniciativas implementadas foram: a criação da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo - Coetrae-MA, em 2007; a identificação de que os locais de aliciamento deveriam receber mais fiscalização e punição severa por parte dos órgãos de segurança pública; denúncia de que os funcionários e gestores das Secretarias Estaduais do Trabalho e Economia Solidária, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social reclamam da falta de estrutura para encaminhar os projetos; falta de políticas públicas no Estado para a inserção dos trabalhadores resgatados do trabalho escravo no mercado formal de trabalho.
Antônio Lima Filho relatou ainda que desde 1995, quando o Estado brasileiro assumiu o combate ao trabalho escravo, foram registradas no Maranhão quatro sentenças condenatórias até dezembro de 2010 e outras sete foram extintas por prescrição e morte. “O único que cumpriu a pena foi um ‘gato’, na cidade de Riachão-MA, de prestação de serviço”. Citou ainda que nos últimos dois anos a entidade Defesa da Vida recebeu 41 denúncias de trabalho escravo, sendo 18 fazendas em 2010 e 23 fazendas em 2011. “Essas denúncias envolveram 245 trabalhadores em 2010 e 226 em 2011”.
Segundo Antônio, o Centro de Defesa da Vida, no período de 2000 a 2011, encaminhou 231 denúncias de trabalho escravo, das quais 99 foram objeto de fiscalizações, com 6.325 trabalhadores envolvidos e 1.659 foram libertados. “Especificamente no município de Açailândia foram 2.454 trabalhadores envolvidos, com 42 fiscalizações e o resgate de 337 trabalhadores”.