Auditores-Fiscais do Trabalho fizeram parte da equipe de técnicos que vistoriou o curtume de um frigorífico em Bataguassu, no Mato Grosso do Sul, onde ocorreu um vazamento de gás tóxico e a morte de quatro trabalhadores na última terça-feira, 31 de janeiro, além da intoxicação de mais 28. Também participaram da vistoria o Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) e Corpo de Bombeiros. O curtume está interditado por tempo indeterminado e a empresa foi multada em R$ 1 milhão por danos ambientais.
O nível de toxidade do gás ainda está alto no local, por isso, durante a vistoria, a equipe precisou usar roupas especiais e passar por uma lavagem química ao fim do trabalho. Além dos quatro empregados que morreram, três ainda estão internados em estado grave.
Os Auditores-Fiscais da Gerência Regional do Trabalho e Emprego – GRTE de Dourados estão apurando com empregados e responsáveis pelo curtume se as condições de trabalho obedecem as regras de saúde e segurança previstas na legislação. O relatório da Fiscalização do Trabalho deverá ser concluído em duas semanas, segundo reportagem da TV Morena, veiculada nesta quinta-feira, 2 de fevereiro. A Polícia Civil também instaurou um inquérito sobre o caso.
Um dos questionamentos da investigação é se os trabalhadores intoxicados pelo gás estavam usando Equipamentos de Proteção Individual – EPI. Para o manuseio de gases voláteis e de alta periculosidade é obrigatório o uso de máscaras e cilindros, como explicou, na mesma reportagem, o médico do trabalho Ronaldo Costa.
O Auditor-Fiscal Hélio Baís, entrevistado pela TV Morena, aponta que há menos de 30 Auditores-Fiscais do Trabalho em atividade no Estado, número abaixo do estabelecido pela Organização Internacional do Trabalho – OIT. Porém, de acordo com ele, mesmo com as dificuldades enfrentadas pela Fiscalização do Trabalho, as empresas precisam, por si só, estabelecer uma política interna de Saúde e Segurança e cumprir a lei, pois os Auditores-Fiscais não podem ficar dentro da empresa todo o tempo. Uma fiscalização no local do acidente foi feita em março de 2011 e as irregularidades foram corrigidas.
O Sinait vem denunciando a necessidade de realização de concursos públicos para Auditor-Fiscal do Trabalho, bem como a necessidade de exigência de especialização para os Auditores responsáveis por fiscalizações que exigem profundidade de conhecimentos. O efetivo de Auditores-Fiscais no Brasil é baixo diante do crescimento econômico dos setores que empregam. O aumento do contingente de Auditores é imprescindível para a prevenção de acidentes e garantia de segurança para os trabalhadores.
Perigos na indústria frigorífica
Em sua análise sobre o acidente em Bataguassu, o jornalista Leonardo Sakamato, da ONG Repórter Brasil, enumera em seu blog alguns acidentes fatais ocorridos na indústria frigorífica no Brasil. Ele deu exemplos como a queda de equipamentos pesados em cima de um trabalhador e uma morte por queda ocasionada por choque elétrico. Também destacou a ocorrência de vazamento de gás tóxico em outras situações.
Para o jornalista, enquanto grande parte dos trabalhadores são tratados quase como os animais que são abatidos, a indústria frigorífica ostenta indicadores econômicos favoráveis em produção e exportação.
Sakamoto destaca que durante as inspeções da Fiscalização do Trabalho em um dos frigoríficos, os Auditores-Fiscais constataram que os empregados não usavam os Equipamentos de Proteção Individual – EPI. A empresa alegou que não os adquiriu por contenção de gastos.
Além da falta de segurança, Sakamoto lembra que determinadas funções que os empregados exercem nos frigoríficos estão causando aposentadorias por invalidez por causa dos movimentos repetitivos que causam lesões graves e doenças. Unido a isso, os trabalhadores sofrem muitas pressões psicológicas. Ele finaliza o texto com trechos de depoimentos do documentário “Carne, Osso” sobre a situação trabalhista nos frigoríficos.
Clique aqui para assistir a reportagem da TV Morena sobre a atuação da Fiscalização do Trabalho no caso.
Clique aqui para mais informações sobre a vistoria realizada no curtume.
Clique aqui para ver o documentário “Carne, Osso”,produzido pela Repórter Brasil e ganhador de vários prêmios no Brasil e no exterior.
Leia abaixo o texto de Leonardo Sakamoto.
1º-2-2012 – Blog do Sakamoto
Quatro pessoas morreram devido à liberação de um gás tóxico em um curtume da indústria de alimentos Marfrig em Bataguassu (MS). Dos 16 que foram hospitalizados com intoxição, três permaneciam internados até a manhã desta quarta (1). O Corpo de Bombeiros informou que o acidente ocorreu durante o descarregamento de um composto à base de sulfidrato de sódio, usado para despelar o couro.
Quem trabalha em um frigorífico se depara com uma série de riscos que a maior parte das pessoas sequer imagina. Procuradores do Trabalho ouvidos por este blog consideram o trabalho em indústrias de processamento de carne e derivados uma das atividades mais insalubres hoje no país. Em contraste com isso, o setor de exportação de carnes vai de vento em popa. De acordo com o ranking de maiores empresas exportadoras da Análise Editorial, Brasil Foods, JBS e Marfrig/Seara estão entre os 20 maiores exportadores brasileiros. Dados de 2010 mostram que país exporta US$ 6,4 bilhões em aves, US$ 4,8 bi em carne bovina, US$ 1,8 bi em couro, US$ 1,3 bi em carne suína e US$ 659 milhões em bovinos vivos.
As quatro mortes são novas, mas não foram as primeiras. Vamos a um breve histórico.
Em outra unidade do Marfrig no Mato Grosso do Sul, em Porto Murtinho, o faqueiro Valdecir Elias da Cruz foi atingido por 20 barras de ferro de 6,5 metros de comprimento e 35 quilos cada. Ele ajudava na manutenção das instalações do frigorífico. De acordo com o Ministério Público do Trabalho, naquele momento, só havia um ginecologista à sua disposição.
Os pesados canos atingiram Valdecir, que estava numa pequena carreta junto com o material, após o desequilíbrio provocado pelo afundamento dos pneus do trator que puxava a carga em solo arenoso. Para o MPT, o acidente era “previsível”. Para completar, quando o poder público foi verificar a ficha do trabalhador, descobriu que a Marfrig estava exigindo atestado de antecedentes criminais para contratação, o que é ilegal. O procurador do Trabalho Heiler Natali afirmou que empregados do frigorífico também vinham sendo induzidos a assinar advertências em branco para utilização em casos de faltas, atitude que pode ser caracterizada como assédio moral.
Em fevereiro de 2008, o mecânico Cláudio Freitas Cruz, casado e pai de uma menina de dois anos, trabalhava na solda de um corrimão na então unidade de Alta Floresta (MT), do frigorífico Quatro Marcos. Recebeu um choque elétrico enquanto manuseava o equipamento e sofreu uma queda fatal. Ele estava sem luvas, capacete e cinto de segurança, equipamentos de proteção individual que devem ser fornecidos obrigatoriamente pela empresa. A necropsia apontou que o choque não foi a causa da morte e sim a queda do local onde estava. Se tivesse o equipamento não teria caído e quebrado o pescoço. Segundo testemunhas ouvidas na época, Cláudio reclamava sempre que a empresa não disponibilizava equipamentos de proteção sob a justificativa de contingenciamento de gastos.
O procurador do Trabalho Rafael Gomes participou de uma inspeção, juntamente com auditores fiscais do trabalho, dias depois do ocorrido e flagrou a falta de EPIs, ausência de proteção para os níveis excessivos de ruído e mau cheiro no setor de graxaria – em que os resíduos de bovinos são processados. Foram registrados casos em que trabalhadores cumpriram 10 horas extras num só dia. Ironicamente, Cláudio havia sido eleito representante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e morreu um dia antes de tomar posse.
Em 2007, o juiz do Trabalho João Humberto Cesário chegou a interditar a unidade de Vila Rica (MT) do Quatro Marcos por causa de um vazamento de gás, em que pelo menos 14 pessoas foram intoxicadas. Segundo o Ministério Público do Trabalho, esse já tinha sido o quarto acidente com gás ocorrido somente naquele ano. As pessoas que inalaram o produto apresentaram sintomas como vômito, desmaios, dormência em várias partes do corpo, dificuldade de respiração e fraqueza, mas não tiveram sequelas.
Já naquela época, em sua decisão, o juiz João Humberto classificou como “estarrecedora” a notícia de que os mesmos acidentes vinham se repetindo: “nenhuma pessoa de bom senso poderá defender que bens sublimes como a saúde, a integridade física e a vida dos trabalhadores continuem a ser sistematicamente desprezados pelo requerido, como se os seus empregados se equiparassem aos bovinos diariamente sacrificados no frigorífico em que trabalham”.
Por fim, há também um dano silencioso, mas que se faz presente com muita dor. Pois, por mais que a exposição a instrumentos cortantes, gases e a um ambiente de trabalho inseguro sejam a parte gritante do problema, a realização de movimentos repetitivos – que podem gerar graves lesões e doenças – e a pressão psicológica para dar conta do intenso ritmo de produção é o que vêm inutilizando mais trabalhadores e gerando mais dor. Os depoimentos, abaixo foram tirados do documentário “Carne, Osso”sobre a situação trabalhista nos frigoríficos, que ajudei a produzir:
“Cerca de 80% do público atendido aqui na região é de frigoríficos. O trabalhador adoece e vem pro INSS. Ele não consegue retornar, fica aqui. E as empresas vão contratando outras pessoas. Então já se criou um círculo que, agora, para desfazer, não é tão rápido e fácil” – Juliana Varandas, terapeuta ocupacional do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) de Chapecó (SC).
“A gente começou desossando três coxas e meia. Depois, nos 11 anos que eu fique lá, cada vez eles exigiam mais. Quando saí, eu já desossava sete coxas por minuto” – Valdirene Gonçalves da Silva, ex-funcionária de frigorífico.
“Tu não tem liberdade pra tu ir no banheiro. Tu não pode ir sem pedir ordem pro supervisor teu, pro encarregado teu. Isso aí é cruel lá dentro. Tanto que tem gente que até louco fica” – Adelar Putton, ex-funcionário de frigorífico.
“O trabalho é o local em que o empregado vai encontrar a vida, não é o local para encontrar a morte, doenças e mutilações. E isso no Brasil, infelizmente, continua sendo uma questão séria” – Sebastião Geraldo de Oliveira, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ªRegião.
“Esse é um problema de interesse do conjunto da sociedade, não é só de um setor. O Estado tem que se posicionar. Não se pode fazer de forma tão impune ações que levam ao adoecimento e à incapacidade tantos trabalhadores” – Maria das Graças Hoefel, médica e pesquisadora.
“Basicamente, é conscientizar essas empresas para reprojetar essas tarefas. Introduzir pausas, para que exista uma recomposição dos tecidos dos membros superiores, da coluna. Em algumas vai ter que ter diminuição de ritmo de produção. Nós estamos hoje chegando só no diagnóstico do setor. Mas as empresas ainda refratárias a esse diagnóstico” –Paulo Cervo, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego.
A Brasil Foods foi multada em R$ 4,7 milhões por descumprir decisão judicial que a obrigava a conceder pausas para recuperação de seus empregados em Capinzal (SC). O procurador do Trabalho Sandro Sardá afirmou que a empresa investiu cerca de R$ 50 milhões em automação de seus processos industriais na unidade mas “os empregados continuam submetidos a um ritmo de trabalho intenso e incompatível com a saúde física e mental, com a realização de 70 a 120 movimentos por minuto, quando estudos apontam que o limite de 30 a 35 movimentos por minuto não deve ser excedido”.
De acordo com o MPT, estudos realizados pelo Programa de Reabilitação Ampliado da própria BRF Brasil Foods, em outra unidade, a de Videira, mostram que 68,1% dos empregados do setor de aves e 65,31% do setor de suínos sentem dores causados pelo trabalho; 70,89% dos postos precisam de intervenção ergonômicas no setor de aves e 95,5% no de suínos; 30,24% dos empregados manifestaram dormir mal no setor de aves e 33,18% no setor de suínos. E, o mais alarmante: 12,26% dos empregados informaram que, alguma vez, pensaram em acabar com a sua vida no setor de aves e 13,46% no setor de suínos.
A Marfrig, dona da Seara, e palco de onde ocorreu a intoxicação de gás desta terça disputa com a JBS Friboi o posto de maior empresa processadora de proteína animal do planeta. Ela foi multada em R$ 1 milhão pela Polícia Militar Ambiental pelo ocorrido, que ainda será investigado.
A única certeza que já se tira do episódio é de que o Brasil tornou-se referência global na produção de carne, mas não está conseguindo garantir segurança e qualidade de vida a quem torna isso possível, lá na base.
As quatro mortes são novas, mas não foram as primeiras. E, pelo visto, nem serão as últimas.
Com informações da Repórter Brasil.
2-2-2012 - G1-MS / TV Morena
Com roupas especiais, técnicos de MS vistoriam curtume após acidente
Gás tóxico deixou quatro pessoas mortas e 28 intoxicadas em Bataguassu.
Curtume permanecerá interditado por tempo indeterminado, diz Marfrig.
Técnicos do Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), Ministério do Trabalhoe Corpo de Bombeiros concluíram no fim da tarde de quarta-feira (1º) as vistorias no curtume do complexo frigorífico da Marfrig Alimentos, em Bataguassu, a 335 km de Campo Grande. Os laudos devem auxiliar na investigação das causas do acidente que deixou quatro mortos e 28 intoxicados.
Imagens exclusivas cedidas pelo Corpo de Bombeiros mostram o trabalho dos técnicos no local. Com aparelhos especializados, eles mediram a contaminação dentro da área atingida pelo gás tóxico. (Assista o vídeo)
Para entrar no curtume, os técnicos utilizaram roupas especiais, como um macacão lacrado, botas, luvas, máscara e cilindro de oxigênio. Durante o trabalho a equipe colheu amostras de substâncias suspeitas.
Por causa do forte calor um dos peritos passa mal e é amparado pelos colegas.
Após quatro horas de inspeção, os técnicos saíram do local e passaram por uma lavagem química. Com esfregões os soldados do corpo de bombeiros retiram resíduos tóxicos da roupa dos colegas. Somente depois desse processo é que os peritos puderam retirar todo o equipamento.
Acidente
Em nota pública divulgada nesta quarta-feira (1º), a Marfrig informou que o acidente, ocorrido na terça-feira (31), foi provocado pelo descarregamento de um produto químico em um tanque inapropriado, mas não deu mais detalhes sobre a utilização desse produto. De acordo com a assessoria de imprensa da companhia, a substância foi despejada por uma empresa fornecedora.
Ainda segundo a assessoria de imprensa, o curtume permanecerá interditado por tempo indeterminado.
O delegado responsável pelo caso, Pedro Arlei Caravina, deve ouvir nesta quinta-feira (2) dois funcionários que teriam indicado qual tanque o produto químico devia ser descarregado. Ele também deve interrogar o responsável técnico pelo empreendimento e o engenheiro químico do curtume.