Eles confeccionavam roupas para grifes brasileiras e estrangeiras
Auditores-Fiscais do Trabalho encontraram 45 bolivianos, cinco brasileiros e um chileno trabalhando em condições análogas à escravidão em oficinas de confecção de roupas na cidade de Americana, interior de São Paulo. Roupas com etiquetas das grifes Ecko, Gregory, Billabong, Brooksfield, Cobra d Água, Tyrol, e Zara estavam no local.
A espanhola Zara, já foi autuada em uma fiscalização iniciada em maio, na capital paulista, quando os Auditores-Fiscais do Trabalho encontraram bolivianos trabalhando como escravos na produção de roupas da marca, o que resultou no fechamento e interdição das duas oficinas que produziam as peças para serem comercializadas pela empresa. Na ocasião, os Auditores-Fiscais do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo - SRTE/SP aplicaram autos de infração trabalhistas à empresa que, somados, podem atingir R$ 1 milhão. Esta semana o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE denunciou a marca por utilização de mão-de-obra escrava em oficinas de costura "quarteirizadas” e a empresa corre o risco de entrar para a “lista suja” do MTE.
Em Americana/SP as condições de higiene e segurança detectadas pela fiscalização trabalhista eram mínimas, com risco de incêndio e intoxicação, já que havia botijões de gás nos quartos.
Segundo o Auditor-Fiscal do Trabalho Luiz Alexandre Faria, muitos dos trabalhadores são transportados para o Brasil por traficantes de pessoas e eles não podem deixar as oficinas enquanto pagam a dívida referente à viagem. Alguns chegam a apreender os documentos dos estrangeiros. Por isso, os trabalhadores temem as autoridades, por estarem em situação migratória irregular. Quando os fiscais chegam às oficinas, os bolivianos têm mais medo das autoridades do que de seus empregadores - apesar de um acordo bilateral entre os dois países permitir que os bolivianos trabalhem no Brasil.
A situação é grave para estas empresas que passam a ter a sua imagem ligada ao trabalho degradante. O Ministério Público do Trabalho - MPT vai chamar todas para prestar esclarecimentos. A comprovação do uso de mão de obra de forma irregular – mesmo que por meio de terceirizadas, como ocorreu com a Zara -, acarreta multas para as empresas, além de intimação para assinar um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC para acabar com a prática.
Desde a década de 1980, muitos bolivianos chegam a São Paulo. São, geralmente, de etnia indígena e vivem na pobreza. No Brasil, muitos acabam entrando no setor de vestuário, confeccionando roupas para um mercado brasileiro cujo consumo só cresce.
Para mudar este quadro o MTE criou um Grupo de Enfrentamento da Escravidão Urbana que tem como finalidade encontrar esse tipo de oficinas, fechá-las e forçar as empresas a pagar os direitos trabalhistas dos empregados.
Em entrevista à BBC Brasil, a secretária de Inspeção do Trabalho do MTE, Vera Albuquerque, disse que situações como as identificadas em São Paulo são um problema - "que não é pequeno" - no país. Segundo ela não há estatísticas que estimem o número de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
As autoridades, porém, admitem que fechar oficinas irregulares e punir as empresas não vão resolver definitivamente o problema. "Estamos tomando medidas duras contra este problema, mas sabemos que a educação é a única maneira de nos livrar disso para sempre. Trabalhadores bem educados não aceitarão trabalhar sob essas condições", disse Vera, que também convoca a sociedade a participar desta luta.
Mais detalhes sobre esta ação e o Caso Zara nas matérias abaixo.
Clique aqui para assistir ao vídeo da BBC News.
18-8-2011 – BBC News SP
Voltar para a Bolívia não é uma opção, diz vítima de exploração em SP
Paulo Cabral
A sala é claustrofóbica, cheia de pessoas e máquinas de costura para todos os lados.
A combinação de instalações elétricas improvisadas com pilhas de tecido por todas as partes cria um risco de incêndio grave, mas não há extintores no local.
Trata-se de uma das centenas de oficinas que empregam em São Paulo milhares de trabalhadores imigrantes - a grande maioria da Bolívia – na confecção de roupas para o crescente mercado brasileiro.
Imigrantes bolivianos vêm a São Paulo em grande número desde o início dos anos 1980 e hoje estão entre as comunidades com mais visibilidade na cidade.
Em geral, são de etnias indígenas, vivem na pobreza e tentam fugir das dificuldades do seu país trabalhando para a indústria de vestuário no Brasil.
"Os bolivianos como eu que vêm ao Brasil só querem ganhar algum dinheiro e voltar para casa com nossas famílias, mas acabamos presos nesses lugares pequenos, sem qualquer dignidade", disse um trabalhador que aceitou falar sob condição de anonimato.
"Eu já estou aqui há seis anos e não tenho nada. E voltar para a Bolívia não é uma boa opção porque as coisas são ainda piores lá."
Grupo de enfrentamento
Ministério do Trabalho criou grupo para encontrar oficinas onde haja situação análoga à escravidão
O problema tem pelo menos 20 anos, mas, recentemente, o Ministério do Trabalho criou um “Grupo de Enfrentamento da Escravidão Urbana”.
Sua missão é encontrar as oficinas, fechá-las até que a situação seja regularizada e forçar as empresas a pagar os direitos trabalhistas dos empregados.
"Você não vai encontrar o tipo de escravidão do século 19, com as pessoas acorrentadas, mas a escravidão moderna pode ser ainda pior, porque o trabalhador não tem qualquer valor monetário para o empregador e pode ser facilmente substituído", diz a Secretária Nacional de Inspeção do Trabalho no Ministério do Trabalho, Vera Albuquerque.
Ela admite que o problema existe no Brasil e que não é pequeno, mas observa que é impossível ter qualquer estimativa quanto ao número de pessoas que trabalham nessas condições.
"Esses trabalhadores são invisíveis. Sabemos do problema quando recebemos denúncias e aí enviamos nossas equipes para libertá-los."
O Código Penal estabelece parâmetros objetivos para definir o que chama de "trabalho em condições análogas à escravidão". Os parâmetros incluem jornadas exaustivas, ambiente de trabalho inadequado e restrições ao direito de ir e vir.
"Muitos dos trabalhadores são transportados para o Brasil por “gatos” (traficantes de pessoas) e eles não podem deixar as oficinas enquanto pagam sua dívida pela viagem. Alguns empregadores chegam a apreender os documentos dos trabalhadores", diz o auditor do trabalho Luiz Alexandre Faria.
"Normalmente, quando chegamos às oficinas, os imigrantes dizem que não estão escravizados, que trabalham muito porque eles querem dar uma vida melhor para sua família e que a situação em seu país de origem é ainda pior."
Mas Faria afirma que a escravidão não tem a ver com a percepção da vítima, mas com condições objetivas previstas na lei. "Se a situação não é compatível com a dignidade humana, é possível haver trabalho escravo. A sociedade brasileira não pode aceitar isso", diz ele.
Medo
Quando os fiscais chegam às oficinas, os trabalhadores bolivianos costumam ter mais medo das autoridades do que de seus empregadores, pois muitos deles são imigrantes ilegais no país – apesar de um acordo bilateral entre os dois países permitir que os bolivianos trabalhem no Brasil.
O governo brasileiro reconheceu oficialmente em 1995 a existência de trabalho análogo à escravidão no Brasil e lançou medidas para combatê-lo, mas as autoridades admitem que fechar oficinas irregulares e punir as empresas não vão resolver definitivamente o problema.
Alguns imigrantes vivem nas próprias oficinas, em condições consideradas precárias
"Estamos tomando medidas duras contra este problema, mas sabemos que a educação é a única maneira de nos livrar disso para sempre. Trabalhadores bem educados não irão aceitar trabalhar sob essas condições", diz a secretária Vera Albuquerque. "Precisamos que toda a sociedade participe desta luta."
Crescimento econômico
Especialistas temem que o crescimento econômico do Brasil possa estar piorando a situação, já que empresas estão sob pressão para produzir mais, em um ritmo mais rápido e a menor custo.
"Para cortar custos, as empresas começam a cortar direitos do trabalhador e a pagar menos, até o ponto em que você tira a dignidade do trabalhador. É nesse momento que você pode cruzar a linha da escravidão", diz Leonardo Sakamoto, fundador da ONG Repórter Brasil, que investiga o tema há mais de uma década.
"Você não vai encontrar o tipo de escravidão do século 19, com as pessoas acorrentadas, mas a escravidão moderna pode ser ainda pior, porque o trabalhador não tem qualquer valor monetário para o empregador e pode ser facilmente substituído "
Sakamoto explica que, até recentemente, o governo brasileiro estava se concentrando na luta contra o trabalho análogo à escravidão na agricultura, mas agora a situação urbana tem recebido mais atenção.
"O trabalho escravo no Brasil é como uma sala escura, onde as autoridades estão entrando com uma lanterna. Para qualquer lugar onde se aponta a lanterna aparece alguma coisa", diz ele.
Como a economia do Brasil cresce, é provável que novas fábricas sejam abertas para substituir as que são fechadas pelas autoridades. Ainda parece fácil atrair trabalhadores migrantes pobres para as grandes cidades com promessas de uma vida mais digna e um futuro melhor.
19-8-2011 – O Globo
Trabalhador prefere viver em situação de escravidão a retornar a seu país
SÃO PAULO. As oficinas de costura vistoriadas pelo Ministério do Trabalho e onde foram encontradas situações degradantes de trabalho e moradia - análogas à escravidão - têm nos imigrantes bolivianos uma das principais fontes de mão de obra. Apesar disso, segundo reportagem publicada ontem no site BBC Brasil, esses trabalhadores preferem viver assim a voltar a seu país de origem.
"Os bolivianos como eu, que vêm ao Brasil, só querem ganhar algum dinheiro e voltar para casa com nossas famílias, mas acabamos presos nesses lugares pequenos, sem qualquer dignidade", afirmou, à BBC Brasil, um trabalhador que preferiu não ser identificado. "Eu já estou aqui há seis anos e não tenho nada. E voltar para a Bolívia não é uma boa opção porque as coisas são ainda piores lá."
De acordo com a reportagem, desde a década de 1980, muitos bolivianos chegam a São Paulo. São, geralmente, de etnia indígena e vivem na pobreza. Ao chegar no Brasil, muitos acabam entrando no setor de vestuário, confeccionando roupas para um mercado brasileiro cujo consumo só cresce.
Grupo de Enfrentamento da Escravidão Urbana
Para lidar com o problema, acrescenta a BBC Brasil, o Ministério do Trabalho criou um Grupo de Enfrentamento da Escravidão Urbana para encontrar as oficinas, fechá-las e forçar as empresas a pagar os direitos trabalhistas.
"Você não vai encontrar o tipo de escravidão do século XIX, com as pessoas acorrentadas, mas a escravidão moderna pode ser ainda pior, porque o trabalhador não tem qualquer valor monetário para o empregador e pode ser facilmente substituído", explicou, à BBC Brasil , Vera Albuquerque, secretária Nacional de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho.
À edição brasileira do site britânico, Vera reconheceu que situações como as identificadas em São Paulo são um problema - "que não é pequeno" - no país. E acrescentou que é impossível estimar o número de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
Segundo o auditor do Trabalho Luiz Alexandre Faria, muitos dos trabalhadores são transportados para o Brasil por traficantes de pessoas e eles não podem deixar as oficinas enquanto pagam a dívida referente à viagem. Alguns chegam a apreender os documentos dos estrangeiros. Por isso, os trabalhadores temem as autoridades, por estarem em situação migratória irregular. Quando os fiscais chegam às oficinas, os bolivianos têm mais medo das autoridades do que de seus empregadores - apesar de um acordo bilateral entre os dois países permitir que os bolivianos trabalhem no Brasil.
"Normalmente, quando chegamos às oficinas, os imigrantes dizem que não estão escravizados, que trabalham muito porque querem dar uma vida melhor para sua família e que a situação em seu país de origem é ainda pior", disse Faria à BBC Brasil.
Em 1995, o Brasil reconheceu oficialmente a existência de trabalho análogo à escravidão no país e anunciou medidas para combatê-lo, diz a BBC Brasil. As autoridades, porém, admitem que fechar oficinas irregulares e punir as empresas não vão resolver definitivamente o problema.
"Estamos tomando medidas duras contra este problema, mas sabemos que a educação é a única maneira de nos livrar disso para sempre. Trabalhadores bem educados não aceitarão trabalhar sob essas condições", disse Vera à BBC Brasil. "Precisamos que toda a sociedade participe desta luta."
18-8-2011 - UOL Notícias
Mais 6 marcas serão investigadas por trabalho irregular
DE SÃO PAULO
Mais seis marcas de roupas serão investigadas pelo Ministério Público do Trabalho por uso de mão de obra em condições análogas à escravidão em confecções paulistas.
De acordo com a procuradora Fabíola Zani, responsável pelo caso, durante a fiscalização que encontrou três oficinas com bolivianos em condições degradantes fazendo roupas para a marca Zara também foram encontradas etiquetas das grifes Ecko, Gregory, Billabong, Brooksfield, Cobra d Água e Tyrol.
A Gregory informou desconhecer o fato e que irá apurar como as etiquetas foram parar no local e que "tomará as devidas providências".
A reportagem não conseguiu contato com as demais marcas.
De acordo com a procuradora, as empresas serão chamadas para prestar esclarecimentos. Se for comprovado o uso da mão de obra de forma irregular --mesmo que por meio de terceirizadas, como ocorreu com a Zara--, as empresas poderão ser multadas, além de intimadas a assinar um termo de conduta para acabar com a prática.
A SRTE/SP (Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo) aplicou autos de infração trabalhistas à Zara que, somados, podem atingir R$ 1 milhão.
O CASO
Três confecções que prestam serviço à rede foram flagradas por fiscais do Ministério do Trabalho com trabalhadores bolivianos expostos a condições degradantes.
Duas das confecções ficam em São Paulo; a terceira, em Americana (127 km de SP). A fiscalização chegou a encontrar uma adolescente de 14 anos entre os trabalhadores. Ela só podia sair da confecção --que também servia de moradia-- com autorização da chefia.
A Zara reconheceu o trabalho irregular, mas, de acordo com a SRTE, se recusou a fazer a anotação na carteira de trabalho de 16 trabalhadores encontrados em oficinas "quarteirizadas" da rede --ou seja, subcontratadas por uma empresa que presta serviços à Zara -e de pagar diretamente a multa de R$ 140 mil referente à rescisão dos contratos.
A SRTE aceitou o pedido da empresa para que a AHA, que foi a terceirizada responsável pela contratação das oficinas clandestinas, quitasse essas multas.
O grupo espanhol Inditex, proprietário da marca Zara, disse nesta quinta-feira que vai revisar, em colaboração com o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), o sistema de produção de seus fornecedores no Brasil para garantir que não haja exploração dos funcionários.
"Esse caso representa uma grave infração ao Código de Conduta para Fabricantes e oficinas externas da Inditex, que esse fabricante havia assumido contratualmente", afirmou a multinacional têxtil, que lembrou que o código estipula a máxima proteção aos direitos dos trabalhadores.