O Dia do Índio foi instituído por Decreto em 1943, pelo presidente Getúlio Vargas, depois de três anos do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México, ocasião em que foi criado o Instituto Indigenista Interamericano, para cuidar dos direitos dos povos indígenas de toda a América Latina, colonizada por europeus que praticamente dizimaram as populações locais.
Séculos depois de tanta exploração, a realidade dos povos indígenas no Brasil – e não é muito diferente nos demais países latinoamericanos –, é de miséria, fome, doenças e perda da identidade cultural. Tribos lutam pela sobrevivência e pela recuperação de suas tradições em todo o Brasil. Uma interessante reportagem do jornal Hoje em Dia (MG) foi publicada hoje e mostra bem como é a vida de tribos instaladas no Estado. O repórter percorreu alguns municípios e foi a quatro tribos – Machacalis, Pataxós, Krenaks e Xacriabás – para saber como vivem.
No Brasil e em toda a América Latina hoje é dia para reforçar reivindicações protestos por políticas especificas que permitam a preservação das áreas indígenas e da cultura, com saúde, educação e atividades sustentáveis.
O ponto de interseção entre os indígenas e a Fiscalização do Trabalho, infelizmente, tem registros de exploração. Em propriedades das Regiões Centro-Oeste e Norte já foram encontrados índios sendo explorados em regime análogo ao de escravidão, vítimas das faltas de condições de vida e sobrevivência nas aldeias, situação que os empurra para a marginalidade nas periferias das cidades, onde são arregimentados para o trabalho escravo ao lado dos demais trabalhadores resgatados por Auditores Fiscais do Trabalho em ações do Grupo Móvel.
O SINAIT manifesta seu respeito à população indígena sobrevivente no Brasil e na América Latina, que deixou um legado cultural inestimável, presente em costumes, palavras, culinária, agricultura, remédios, lendas e histórias repetidas ao longo de séculos. “Esperamos que os índios consigam resolver as questões territoriais, de sustentabilidade e de cultura que muitas vezes impedem o resgate de tradições ancestrais e a retomada de um protagonismo perdido com o tempo”, diz a presidente Rosângela Rassy.
Leia matérias relacionadas.
A matéria do jornal Hoje em Dia é longa, mas não deixe de ler e conhecer as dificuldades dos povos que, um dia, foram os donos desta Terra Brasilis.
19-4-2011 – EcoAgência / Adital
Indígenas - Diversas atividades culturais e reivindicatórias marcam o Dia do Índio
Uma carta com as reivindicações dos indígenas brasileiros foi entregue à presidenta Dilma Rousseff e ao ministro da Justiça na última reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).
Por Camila Queiroz - Adital
Na América Latina, o Dia do Índio (19 de abril), comemorado desde 1940 por decisão do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, será marcado por muitas mobilizações. Os indígenas aproveitarão a data para destacar a riqueza de suas culturas e denunciar os problemas que enfrentam. No Brasil, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) realiza, desde o dia 17 até o dia 20, o Fórum Nacional de Lideranças Indígenas (FNLI), reunindo organizações de todo o país. A ideia é voltar o olhar sobre o movimento indígena, debatendo as principais demandas, perspectivas e estratégias.
Uma carta com as reivindicações dos indígenas brasileiros foi entregue à presidenta Dilma Rousseff e ao ministro da Justiça na última reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). Eles exigem demarcação e desintrusão de terras e criticam a criminalização de lideranças indígenas. Na Bolívia, organizações originárias indígenas e campesinas organizam as Jornadas Audiovisuais e Fóruns Públicos com a temática “Afirmando a Diversidade Construímos uma nova Bolívia com Participação e Equidade”, entre os dias 18 e 20. Os eventos ocorrerão na cidade de Santa Cruz.
A intenção é sensibilizar moradores urbanos sobre a realidade dos povos indígenas. Nas Jornadas Audiovisuais, diversos gêneros serão apresentados, como documentário, reportagem e ficção, tendo como foco a cultura indígena. Os Fóruns Públicos pretendem ampliar o diálogo entre povos e sociedade em geral.
Na Argentina, as atividades seguem bem animadas e valorizando a cultura dos povos. Durante o XXXV Abril Cultural Salteño, as bandas Sumaimaná, Huayra Callpa e Sikuris La Tintínica vão apresentar Arpay (um espetáculo musical bem elaborado) amanhã, na sala Maior do Teatro Provincial de Salta. A entrada é gratuita é o endereço é Avenida Zuviría, número 70. Ainda na província de Salta, na cidade de Tartagal, terá início amanhã a Semana dos Povos Originários, com várias atividades, estendendo-se até o dia 23. O objetivo é discutir os direitos sociais dos povos. Haverá mostra artesanal, artística e cultural, no Centro Cultural América. Amanhã, os indígenas realizarão um ato na Praça 9 de Julho, em frente ao Cabildo Histórico.
Na província de Mendoza, na cidade de Madre Tierra, haverá uma oficina sobre costumes das comunidades indígenas e outra de percussão, no dia 21, promovidas pela Associação do Encontro Indígena. As artistas María Isabel Tolosa e Delia Chávez farão uma apresentação musical. A participação é gratuita. Também em Mendoza, haverá, amanhã, a apresentação do projeto educativo Huarpes em sua própria voz, que busca dar a conhecer a cultura desta etnia. Serão lançadas três cartilhas educativas destinadas a crianças das escolas da província, além de um material audiovisual. O evento ocorrerá a partir das dez horas, no Salão Patrícias Mendocinas, no Corpo Central da Casa de Governo.
19-4-2011 – Agência Câmara
Câmara realiza sessão solene em comemoração do Dia do Índio
A Câmara realiza hoje sessão solene em comemoração do Dia do Índio. A sessão foi proposta pelos deputados Roberto de Lucena (PV-SP) e Sarney Filho (PV-MA).
Os autores lembram que a data já é celebrada em todo o País, com apresentações em escolas, exposições e festas. Para os deputados, além das comemorações, a data também exige uma reflexão sobre a importância de se preservar a cultura indígena e manter os índios em suas terras.
Eles lembram que os indígenas foram submetidos a cinco séculos de desrespeito e ações que diminuíram suas populações. Hoje, um dos principais problemas, segundo os parlamentares, é a exploração predatória de recursos naturais em terras dessas comunidades.
A sessão será realizada às 10 horas, no plenário Ulysses Guimarães.
19-4-2011 – Hoje em Dia (MG)
Passado de sofrimento, futuro de esperança
O índio brasileiro não foi integrado e muito menos transformado. Sofreu um processo de transfiguração étnica
Augusto Franco – Repórter
Depois de mais de três séculos de perseguições, chacinas, escravidão e fugas, os índios em Minas Gerais começam a ver à frente um futuro de esperança. Reconhecidos como povo a ser protegido pela constituição de 1988, quatro das cinco etnias que ainda vivem em Minas Gerais – Xacriabás, Krenaks, Pataxós e Maxacalis - contam com territórios legalizados e protegidos, benefícios previdenciários, atenção à saúde e saneamento. Já os Kaxixós ainda lutam pelo reconhecimento.
O resultado é que o Censo 2010 deve demonstrar pela primeira vez desde o início das bandeiras, no século XVI, que a população indígena em Minas cresceu. Os números oficiais ainda não foram divulgados, mas só na Terra Indígena Xacriabá, no município de São João das Missões, Norte do Estado, a população passou de 4.500 em 1987 para 9 mil neste ano. Nas últimas semanas o Jornal Hoje em Dia pegou a estrada e percorreu mais de 6 mil quilômetros para registrar como vivem, quais são os desafios e esperanças dos quatro principais povos que insistem em viver nas tribos.
Constatou que, apesar dos avanços, os índios de Minas ainda estão longe de poder comemorar suas condições de existência. Em algumas aldeias, como a Cachoeirinha, no município de Topázio, Vale do Mucuri, os Maxacalis estão em situação pior do que a que se encontravam cinco séculos atrás. Privados da caça, sua atividade característica, os índios dependem de doações do governo para comer, e gastam praticamente tudo que têm com cachaça. Dormem em casas de palha, e as crianças dividem suas refeições com os cães.
Entre os xacriabás e krenaks, a luta atual é para recuperar suas origens. Miscigenados e retirados de seus territórios ancentrais, as etnias perderam a língua, o artesanato e outros bens simbólicos. Mas voltaram a se reunir, negando a cultura do não-índio, e, agora, tentam salvar do esquecimento a própria história.
O índio brasileiro não foi integrado e muito menos transformado. Sofreu um processo de transfiguração étnica, como chamou o sociólogo e antropólogo Darcy Ribeiro. O conceito foi publicado em seu livro “Os índios e a civilização – A integração das populações indígenas no Brasil”, publicado originalmente em 1970.
Em linhas gerais, a teoria diz que algumas tribos do Brasil, arrancadas de seu habitat, nunca se integraram totalmente à cultura do não-indío. Submetidos a atos de violência, escravidão e serviços forçados, voltaram para as aldeias e reuniram o pouco que se manteve com outras atitudes de negação da experiência pela qual passaram para fazer uma recriação de seu patrimônio simbólico. Hoje, mais de 2 mil índios xacriabás, inclusive o cacique, professam religiões evangélicas, mas seguem cumprindo, por exemplo, rituais funerários semelhantes aos de seus antepassados.
Pataxós se adaptam à terra que têm e se firmam a cada dia como artesãos reconhecidos em grande parte do país. Os maxacalis que ainda resistem ao alcoolismo conservam a língua, que começa a ganhar seus primeiros textos escritos e professores para perpetuar seu uso.
Sancionado em 1973, o Estatuto do Índio, feito para orientar as políticas públicas para os indígenas brasileiros se tornou quase que totalmente inconstitucional. A avaliação é do procurador do Ministério Público Federal e coordenador da Tutela Indígena em Minas Gerais, Edilson Vitorelli Diniz Lima, que publicou neste mês o livro “Estado do Índio”, integrante da série “Leis Comentadas”.
Segundo ele, a legislação é quase toda falha por um motivo relativamente simples. Enquanto o Estatuto foi todo escrito dentro de uma lógica integralizadora, ou seja, de absorver os índios na chamada sociedade branca, com suas leis, língua oficial e costumes. Já a Constituição Federal de 1988 é preservacionista, ou seja, prevê que as etnias indígenas devam manter seu repertório simbólico. Segundo as diretrizes da Carta, quanto menor a influência de não-índios nas comunidades indígenas, melhor.
“Com isso há um vazio jurídico, uma situação realmente complicada. Nem as autoridades nem ninguém sabem ao certo como proceder, e quem sofre, no fim das contas, são os índios, que ficam à mercê da própria sorte”, afirma o procurador.
Vitorelli prevê mais problemas nos próximos dias com a transferência da competência sobre a saúde indígena. Há uma década, o então presidente Fernando Henrique Cardoso transferir essa atribuição da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a Fundação Nacional da Saúde (Funasa), órgão criado para levar saneamento básico a municípios de pequeno porte no país.
Em setembro do ano passado, no final do governo Lula, uma portaria passou todas as atribuições da saúde indígena para o Ministério da Saúde, criando uma Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). O prazo para a mudança é 20 de abril, amanhã. “Estive com o ministro da saúde este mês e ficou claro que faltam diretrizes, eles não sabem bem o que fazer. Ao Ministério Público cabe fiscalizar para que não haja descontinuidade na prestação de serviços. Se houver, as consequências para os responsáveis serão proporcionais”, assegura o procurador.
Daniel Antunes – Repórter
Xakriabá
“Eu prefiro ser adubo, mas sair daqui não vou”
Na madrugada de 12 de fevereiro de 1987 um grupo de seis pistoleiros armados invadiu a casa de tijolos de barro cru do então cacique Rosalino Nunes de Oliveira. A residência ficava na aldeia Itapecuruna, uma das 32 que hoje compõem a Terra Indígena Xakriabá, no município de São João das Missões, no Norte de Minas.
No local estavam, além do cacique, sua esposa, grávida, os cinco filhos e o primo José Teixeira, que morava com eles. Rosalino, o primo e o irmão, dono da casa ao lado, foram assassinados com tiros a queima-roupa. A esposa também foi atingida no braço, mas sobreviveu. “Eles falaram: puxa prá ver se ele está vivo e ficaram rindo”, conta José Nunes, então com 11 anos. Hoje, ele é prefeito de São João das Missões, e tem 35 anos. O irmão, Domingos Nunes de Oliveira, com 12 anos no dia da chacina, é o cacique dos xakriabá.
O assassinato do cacique Rosalino foi o estopim de uma série de protestos indígenas que culminaram na criação da Terra Indígena Xakriabá. Antes de morrer, era Rosalino que negociava com o Governo a criação da reserva. Em todas as manifestações, faixas diziam “Eu prefiro ser adubo, mas sair daqui não vou”. O chavão foi criado pelo cacique durante as reuniões com fazendeiros e autoridades antes da demarcação das terras. Hoje, é uma espécie de grito de guerra dos moradores locais.
Atualmente vivem na reserva cerca de 9 mil índios, mais da metade de toda a população indígena de Minas Gerais, estimada em 13 mil. Em 1987, eram 4.500 indivíduos da etnia. O território, todo ele legalizado, conta com 54 mil hectares, área equivalente a cinco vezes e meia a área interna da Avenida do Contorno, em Belo Horizonte. É nessa área que estão instaladas as 32 pequenas aldeias, onde se planta mandioca, feijão, batata, abóbora e milho. Quase todas as roças são de subsistência.
Apesar de ser a maior de Minas, a área cultivável está quase toda ocupada pelas pequenas plantações familiares. Ou seja, começa a faltar terra. Técnicos da Fundação Nacional do Índio (Funai), concluíram no ano passado estudos que apontam para ampliações. De um lado, os índios receberiam uma parte hoje ocupada pelo Parque Estadual Cavernas do Peruaçú, que faz fronteira com o território indígena. De outro, a região do Morro Vermelho, que já ocupam, mesmo sem a posse legal da terra.
Além das lavouras, os índios contam com auxílio do Governo federal. Dos 9 mil índios, 2.075 contam com benefícios previdenciários – aposentadoria por idade, por invalidez ou por deficiência mental. Outras 1.500 bolsas famílias são pagas às mães com filhos na escola. A aldeia conta com uma escola dividida em oito unidades, por onde passam todos os dias 1.800 alunos, de seis a sessenta anos. Somados, os benefícios correspondem a mais de R$ 1,1 milhão por mês, e são o principal motor da economia do município.
Atendimento à Saúde tem equipes completas e laboratório
O atendimento à saúde dos Xakriabás também causaria inveja a muitos municípios do Estado, e até a alguns bairros da capital. Dentro da reserva atuam de segunda a sexta-feira cinco equipes de saúde da família. São cinco médicos, cinco enfermeiros, um farmacêutico, uma assistente social, um psicólogo e um fisioterapeuta. Um laboratório dentro de um dos três postos de saúde da tribo faz análises clínicas, exames de sangue e diagnóstico de doenças.
Além deles, uma equipe fixa de 50 agentes de saúde indígena – a maioria moradores da própria tribo – circulam de casa em casa, para saber como vai a saúde dos idosos e crianças, conferir vacinas e marcar consultas. E 35 agentes de Saneamento trabalham há oito anos instalando sistemas de fornecimento de água, fossas sépticas e módulos de banheiros, do lado de fora das casas que ainda não contam com a facilidade.
Primeiro relato
Dizimados entre o início do século XVII e os anos 1980 por expedições de captura de escravos, perseguições políticas e doenças, o povo Xakriabá não sabe mais falar a língua nativa, e perdeu a maior parte dos rituais próprios.
Desde muito antes da chegada dos portugueses, em meados do século XVIII, que a etnia habita a região. Carta do então dono de sesmarias e representante da corte portuguesa em terras brasileiras Januário Cardoso datada de 1728, concede pela primeira vez na história terra aos Xakriabá. “Na verdade, foi uma forma de confinar os índios a uma circunscrição de terra, era uma forma de tomar todo o resto”, relativiza o prefeito José Nunes de Oliveira.
Na carta, fica definido como posse dos índios o trecho compreendido entre os rios São Francisco, Peruaçu, Itacarambi e área pantanosa Cabeceira da Lagoinha, que atualmente demarca a divisa entre a Terra Indígena Xakriabá e o Parque Estadual do Peruaçu. Ao todo, são 130 mil hectares de terra, quase três vezes mais do que os índios ocupam hoje. A área compreendia também a região do Jaíba, às margens do Rio São Francisco, onde hoje funciona o maior projeto de fruticultura irrigada de Minas, modelo para o país.
Área ainda é terra sem lei, com aldeias no século XIX
Circular pelas estradas de terra – a maioria delas em péssimo estado – do território indígena dos Xakriabá é transitar em terra sem lei. Em vários pontos, a população vive exatamente como se vivia dois séculos atrás. Até o início deste mês, metade dos índios – cerca de 4.500 – não tinha energia elétrica, e pelo menos 30% deles – coisa de 3 mil – ainda usa o mato em torno das próprias casas para as necessidades fisiológicas.
Somado ao alcoolismo, que de acordo com estimativas da Fundação Nacional do Índio (Funai) local atinge pelo menos 2 mil índios, estes são fatores que contribuem para o aumento das taxas de mortalidade e redução da expectativa de vida na tribo. De acordo com o médico Milton Rocha de Andrade, um dos cinco que atuam nas aldeias, doenças consideradas erradicadas ou controladas no Brasil nas últimas décadas também continuam fazendo vítimas.
Segundo ele, algumas das aldeias têm todos os meses novos casos de leishmaniose e leptospirose. “Graças ao grande número de casas de pau-a-pique com paredes de barro, ainda temos muitos casos de doença de chagas. A maioria dos casos é antiga, mas diria que temos aqui pelo menos mais um novo caso a cada ano”, avalia o médico.
Outro fator de desentendimentos dentro da reserva é a ausência do Estado. Desde 2003, com a melhoria dos benefícios recebidos pelos índios, motos e carros têm subistituído cavalos e bicicletas nos deslocamentos entre uma aldeia e outra, bem como a ligação entre tribo e a cidade.
Atualmente, circulam pelos mais de 300 quilômetros de estradas de terra dentro da Terra Indígena 1.800 motos. Os motoristas raramente usam calçados ou capacete. A todo momento passam pelas estradas famílias de até quatro pessoas em uma mesma moto. Na última quarta-feira a reportagem conversou com um menino de 12 anos que dirigia uma caminhonete na estrada, entre a cidade e a aldeia.
Sem cinto de segurança, o pequeno índio precisava ficar agarrado ao volante, praticamente em pé, para enxergar o caminho à sua frente. Com toda a tranquilidade, o jovem afirmou que dirigia a caminhonete, o caminhão e as duas motos que pertencem ao pai. “Meus irmãos também dirigem. Eu já saio com o carro há muito tempo, mais de um ano”, assegurou o garoto.
Etnia luta para recuperar cultura
Outra obsessão para parte dos xakriabás é recuperar a própria cultura. A língua se perdeu, e raros índios lembram como era o artesanato de seus antepassados. A única identidade visual que segue nítida é o padrão de linhas utilizado dentro da terra indígena, uma série de linhas em “X” entrelaçadas, com os encontros pintados em azul ou vermelho. Para mudar a situação, três projetos arquitetados pelas lideranças indígenas e defendidos pelo cacique Domingos Nunes Oliveira começam a tomar corpo.
O primeiro e mais audacioso deles é a casa de cultura. Trata-se de um prédio circular feito de tijolos cozidos na própria tribo, troncos de eucalipto e telhado de palha de buritis. Em formato de oca, o prédio terá três largas entradas, estrutura para encontros e festas, cozinha, banheiros. O edifício será ocupado por salas para cursos e para que os moradores da tribo façam artesanato. “Vamos pegar quem lembra como fazer as saias, cestarias e enfeites, e fazer com que estas pessoas treinem as outras. A ideia é vender estes produtos e dividir o lucro, tipo cooperativa”, aponta o cacique.
Outro plano de Domingos que já está em curso é recuperar a língua. Para isso, uma família se mudou no passado para a Terra Indígena Xerente, no Tocantins. Os xerente são uma subdivisão do povo xavante, e mantêm a própria língua, do tronco macro-jê. “É uma língua muito semelhante à que os xakriabá falavam. Nossa intenção é que esta família aprenda, volte, ensine, e que famílias de lá venham para cá. Com o tempo, vamos estimular casamentos, reforçar os laços e recuperar a língua”, aposta o cacique.
Entre as palavras que já foram recuperadas está o termo Nchatary, que significa farmácia. E batizou a farmácia de ervas medicinais, outra aposta da etnia para complementar a saúde indígena. O responsável por catar as plantas na mata e indicar seu uso é Valdemar Xavier dos Santos. “Aprendi com meu pai e minha avó, e agora estamos passando para as próximas gerações”, conta.
Pataxó
CARMÉSIA - O grande desafio dos índios pataxós, quatro décadas depois da fixação nesse município do Vale do Rio Doce, a pouco mais de 200 quilômetros de Belo Horizonte, é recuperar o patrimônio cultural mais caro a um povo: a própria língua. Estudiosos afirmam que o pataxó, parecido com o idioma dos maxacalis, do Nordeste de Minas, praticamente desapareceu há mais de 150 anos.“Fazemos trabalho de formiguinha. Estamos reinventando a língua. Esperamos que, em breve, os índios consigam formar frases”, diz Valmores Pataxó.
O líder indígena de Carmésia integra um grupo de aproximadamente 150 Pataxós de Minas Gerais e da Bahia que, em 1995, constituíram uma espécie de força-tarefa para recuperar a língua da etnia. Pataxós mais antigos foram entrevistados para a produção de material didático para as escolas das aldeias, composto por uma espécie de dicionário e CDs com canções tradicionais. Apesar do esforço, nenhum pataxó sabe atualmente falar o idioma fluentemente, nem mesmo os que trabalham como voluntários nas escolas indígenas, construídas com tijolos, mas com formato de oca.
Fugidos em 1951 de Barra Velha, no interior da Bahia, depois de um massacre comandado por policiais militares, os pataxós que se fixaram em Carmésia viveram um processo ainda mais brutal de aculturação do que os parentes que ficaram na aldeia original. Muitos desses fugitivos optaram por esconder a identidade, com medo de serem caçados pelos algozes. Depois de perambular pelo interior da Bahia, começaram a migrar para Minas Gerais na década de 1970.
Licenciado em Língua Indígena pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) , Valmores, que também é secretário de Esporte, Cultura e Lazer de Carmésia, avalia que o êxodo e o decorrente contato forçado com não índios aprofundaram a decadência do uso da língua ancestral.
O dicionário pataxó contém mais de 5 mil palavras traduzidas do português. Na escola estadual da reserva de Carmésia, 96 índios estão matriculados no Ensino Fundamental e 7 na Educação de Jovens e Adultos (EJA). A carga horária e a grade curricular são as mesmas das demais escolas estaduais de Carmésia. Exceto pela aula semanal de língua pataxó. O professor desenha no quadro animais, plantas e objetos e as crianças falam em pataxó o nome das figuras.
Andressa Pataxó, de 11 anos é uma das alunas. O pai é índio e a mãe não. Gosta da cultura dos brancos, como prefere dizer. porque passou parte da infância na zona urbana de Carmésia, onde fez amigas. Ainda assim prefere morar na aldeia e sonha aprender a falar o pataxó. “Gosto de assistir novelas, mas também de ficar conversando com as amigas à noite na cabana”, conta, dividida.
Descaso
Os Pataxós iniciaram os preparativos para o Dia do Índio sem ter muito o que comemorar. Estacionada na garagem do posto de saúde da reserva há oito meses, por falta de motorista, a ambulância destinada ao atendimento dos 232 índios que vivem no território de 3,2 mil hectares é o retrato do descaso das autoridades. Os índios também estão a contar um mês sem médico. O ultimo se desligou da função por divergência com os líderes pataxós . “O sentimento é de abandono”, desabafa o vice-cacique da aldeia Sede, Alexandre Pataxó, de 27 anos.
Os índios de Carmésia estão divididos em três aldeias: Imbiruçu, Retirinho e Sede. Nas casas não há água tratada. As caixas dágua são abastecidas por poços artesianos e minas. Também não existe rede de esgoto. Por isso, os pataxós vivem com medo de um surto de diarreia, como o que matou crianças da etnia maxacali no início do ano passado. Até porque o hospital mais próximo fica em Guanhães, a 80 quilômetros das aldeias.
“Recentemente, um senhor de 78 anos teve diarreia e ficou acamado por mais de 10 dias. Foi para Guanhães e por falta de estrutura no hospital acabou sendo transferido para Itabira. Na mesma época uma mulher perdeu o bebê porque houve atraso no atendimento”, denuncia o cacique Mesaque Pataxó, de 27 anos.
A ambulância comprada pelo Estado chegou à aldeia no início do ano passado. A aquisição foi recebida com alegria. Os pataxós acharam que não seria mais necessário usar veículos particulares inadequados para levar doentes para o pronto atendimento em Carmésia ou para internação em Guanhães. Menos de um ano depois, sem motorista e verba para a manutenção, o veículo foi encostado. “Quando precisa muito, tem que ficar ligando para a prefeitura para pedir um motorista emprestado”, reclama Mesaque.
Nas dependências do posto de saúde da reserva pataxó, caixas com medicamentos são estocadas na mesma sala onde trabalha Rejane Pimenta Silva, de 36 anos, enfermeira encarregada da atenção básica. Os computadores são antigos. Apesar das dificuldades, do ano passado para cá não houve morte por doença na aldeia. Apenas um natimorto, segundo Rejane. “A maior demanda de atendimentos é de nebulizações, testes de glicemia e verificação da pressão arterial”, conta. É claro que os casos mais graves, como fraturas ou picadas de animais peçonhentos são atendidos em Guanhães ou em Governador Valadares.
O secretário de Saúde de Carmésia, José Andrade Campos, minimizou os problemas apontados pelos índios. Segundo ele, dois médicos já foram sondados pelo município para ocupar a vaga no posto de saúde da reserva, com proposta de vencimento mensal R$ 3,5 mil por oito horas semanais de trabalho. Já no caso do motorista para a ambulância, o impasse está não só no salário disponível disponível no quadro, de R$ 870, mas na compensação pedida pelo profissional por ter de morar dentro da reserva, uma exigência dos próprios. “Estamos buscando esse acréscimo salarial junto à Funasa”, justifica o secretário.
A Funasa informa que o encargo e as respectivas verbas da atenção à saúde dos povos Indígenas são repassados ao município, que tem, portanto, a responsabilidade pela contratação dos profissionais das equipes de saúde. A instituição acrescentou que não há risco de doenças decorrentes do consumo de água, pois as análises realizadas constaram que ela é de boa qualidade, sendo necessário apenas filtragem e posterior desinfecção. Em nota, a assessoria de imprensa da Funasa, disse que há na reserva pataxó um reservatório metálico de 10.000 litros metálico apoiado. Acrescenta que uma parte da aldeia é abastecida por um poço tubular profundo e que os demais problemas relacionados à água serão solucionados conforme planejamento 2011.
Alimentação
A base alimentar dos pataxós foi fortemente alterada ao longo das últimas décadas. Com a crescente escassez de caça e pesca, os tradicionais cozidos de peixe, tatu, capivara e a paca praticamente desaparecem do dia a dia. Os ingredientes do cardápio rotineiro dos índios, com exceção da farinha de mandioca, produzida na reserva, vêm de supermercados e mercearias da cidade. A comida praticamente não difere da que os pobres da região têm à mesa.
Os cozidos típicos dos pataxós só reaparecem em batizados, casamentos e na Festa das Águas, realizada na primeira semana de outubro para os deuses da água e da fartura. Nessas ocasiões também se prepara o cauym, bebida diurética feita à base de mandioca. “Aí cada família leva um prato para todos comerem nas cabanas, onde fazemos as reuniões, cantamos e dançamos”, conta Cijanete Pataxó, de 50 anos, cacique da aldeia Retirinho.
Cijanete acha que, apesar da pressão da cultura dos não índios, a identidade está preservada no artesanato e nas festas. O artesanato, por sinal, ainda é uma fonte de renda para a etnia, apesar de secundária. A cacique estima que a venda de lanças, colares, brincos e anéis tenha rendido mais de R$30 mil no ano passado.
Curiosamente, a produção das peças nas aldeias se assemelha a uma linha de montagem industrial. Uns tingem as penas, outros preparam as sementes para os colares, um grupo faz as amarrações e outro a colagem.
Além da renda proporcionada pelo artesanato, a economia pataxó depende do Programa Bolsa Família e das aposentadorias. Trinta famílias recebem com a bolsa e há 11 pessoas aposentados.
“Ainda há índios contratados pelo estado para lecionar no ensino fundamental e para trabalhar no posto de saúde”, comentou a cacique.
Tradição
A proximidade da reserva pataxó do Centro de Carmésia (cinco quilômetros) e o fácil acesso por rodovia a Guanhães e a Governador Valadares contribuíram para os casamentos fora da etnia. principalmente na aldeia Sede, onde moram 82 famílias. Um exemplo é o de Miriam, de 22 anos, que largou o emprego na Funasa, em Governador Valadares, pra viver na reserva de Carmésia com um índio. A resistência inicial à presença de Miriam foi superada. Depois de quatro anos, ela pensa em ter o primeiro filho. “Ele vai crescer na aldeia e adquirir os costumes do pai”, conta a jovem, que deixou pai, mãe e dois irmãos na cidade.
Os casamentos ainda seguem as tradições do povo Pataxó. A cerimônia é realizada na cabana comunitária. Antes do casamento, o noivo precisa carregar por cerca de 300 metros uma pedra que pesa de 30 a 50 quilos. “Essa parte do ritual significa o peso da responsabilidade de assumir uma mulher e uma casa”, explica a cacique Cijanete. A noiva é pintada dentro de uma pequena cabana e assim, como na tradição ocidental, depois de preparada, só pode ser vista pelo futuro marido na cerimônia.
Nos casamentos, as camisetas e shorts usados diariamente pelos índios dão lugar a saias de fibras de coco, brincos com penas coloridas, cocares. Os índios pintam o rosto e acendem os cachimbos com ervas. As danças e as canções sobre a natureza e os costumes remetem a imaginação para um passado que, naquele momento, parece redivivo para os Pataxós.
Krenaks
RESPLENDOR - “Não é que deixamos de ser krenaks. Quando retornamos para nossa reserva, encontramos o terreno devastado pelos fazendeiros que destruíram as matas para fazer pastagem. Por causa disso, não temos mais espécies em abundância para a caça. Nos rios não há tanto peixe como antigamente”, reclama a líder Dejanira Krenak, de 60 anos. Ela era criança na época da expulsão da etnia das terras que ocupavam. Recentemente, a líder foi contratada pelo projeto “Língua Mãe”, da Ong Rede Vidas. Dejanira é uma das quatro professoras de itho krenak, a língua ancestral da etnia.
A expulsão provocou uma espécie de diáspora. Os krenaks seguiram para três destinos diferentes. Parte viajou 350 quilômetros, para a fazenda Guarani, no município de Carmésia, onde atualmente moram os Pataxós. Outros seguiram para Tupã, no interior paulista, onde tiveram que dividir a terra com a etnia kaigang. O terceiro grupo krenak se instalou em terras dos Maxacallis, no Nordeste de Minas.
Dessa convivência forçada surgiram casamentos e nascimentos interétnicos.
Atorã, Krenak, Nakreré, Naknenuk e Watu são as cinco aldeias da atual Terra Indígena (TI) Krenak. No ano passado, o IBGE contou 276 índios nesse território de 3,7 mil hectares, encravado no município de Resplendor, no Leste de Minas Gerais, banhado pelo Rio Doce, a 445 quilômetros de Belo Horizonte.
Os dados do Censo de 2010 são o retrato de uma quase extinção. No início do Século XX, os krenaks eram 5 mil. Já na década de 1920, restavam apenas 600. Além da drástica redução populacional, a etnia sofreu uma forte aculturação, com perda de referências simbólicas.
Valdemir Jorge, de 33 anos, é exemplo da miscigenação e do aculturamento. O avô era kaigang e a avó, uma krenak que fugiu do Vale do Rio Doce, temendo ataque dos fazendeiros. Valdemir nasceu na Aldeia Vanuíre, em Tupã (SP) e recentemente se mudou para a T.I. Krenak com a esposa Aparecida, de 37 anos.
“Conheci minha mulher quando ela foi visitar um tio que foi obrigado a se mudar de Minas Gerais para a reserva de Tupã”, conta.
Diferentemente da época da expulsão, a maior parte dos krenaks jovens fala apenas o português. Praticamente só os mais velhos, como a líder Dejanira, são bilíngues. Vivem todos em casas de alvenaria, têm luz elétrica, televisão, geladeira, telefones celulares e até computador.
Além dessas facilidades, muitos krenaks têm carro. É o caso da família formada por Valdemir, Aparecida e os dois filhos. Guardam na garagem um Gol, ano 2005. O carro é usado, principalmente, para as constantes viagens ao Centro de Resplendor, a 18 quilômetros da aldeia. Na cidade, o casal faz compras e vende os adornos que produz na aldeia. “Os enfeites ajudam a compor a renda”, diz Valdemir.
A caça e a pesca há muito deixaram de ser a base alimentar. Arroz e carne de açougue, quando há dinheiro, comprados no núcleo urbano de Resplendor são a base da alimentação.
O clima quente da região e o solo desgastado pelas pastagens dos fazendeiros que por décadas ocuparam a área, além da escassez de água, tornaram as culturas de arroz e feijão praticamente inviáveis. Restou o cultivo de banana e, principalmente, de mandioca.
As roupas feitas com casca de árvore no início do Século XX desapareceram. Os índios usam, no dia a dia, as roupas modestas disponíveis no comércio de Resplendor. Pinturas no rosto, brincos com penas coloridas, cocares, e cachimbo com ervas, são usados apenas em apresentações comemorativas nas cidades ou em festas nas aldeias.
ESFORÇO DE PRESERVAÇÃO
A fogueira acesa no fim da tarde é sinal de reunião na Aldeia Atorã. Apesar de jovem, o cacique Leomir Krenak demonstra apego à tradição. O líder de 25 anos de idade conta que Atorã significa campo novo e que os encontros de fim de tarde, marcados por danças rituais, são a forma que o povo krenak encontrou para preservar os seus costumes. É claro que com algumas modificações decorrentes do processo de aculturação. As reuniões são regadas a café e a música, entoada pelos índios com instrumentos de sopro feitos de pedaços de bambu.
“Contamos casos dos antepassados, lembramos das músicas e crenças. Fazemos isso principalmente para que os mais novos não deixem morrer as tradições”.
As chamas da fogueira significam para os índios a vida e a renovação. Por isso, o encontro só termina quando o fogo se extingue. Homens sentam de um lado e as mulheres do outro. As letras das músicas contam a luta dos krenacks pelas terras do Vale do Rio Doce, veneram a natureza e os deuses. Geralmente, os índios não usam roupas rituais nesses encontros. “ Alguns pintam o rosto, mas não é nada obrigatório, vai do desejo de cada um”, diz Douglas.
As brasas da fogueira são usadas para assar batatas. Quando há caça, tatus e capivaras são as iguarias preferidas. Junto com a dança, há também espaço para os gêneros de música tocados nas cidades, como o forró. “As culturas se renovam e os índios precisam acompanhar essa evolução”, explica o cacique.
Douglas explica melhor o diálogo cultural dos krenaks com sociedade não índia. Nas escolas estaduais implantadas dentro das aldeias, onde estão matriculados 34 alunos, a grade curricular convencional do ensino médio é enriquecida com lições de geografia, história e matemática indígena. “O índio tem que saber as duas culturas. Por exemplo: usamos remédio dos brancos que tem unidades de medida diferentes da matemática indígena. Então como um krenak vai diferenciar os miligramas dos brancos do punhado que nossa ancestrais usavam como medida?”, argumenta o cacique.
Além do ensino regular, cinco moradores da reserva estão matriculados no ensino médio , na Escola Estadual Comendador Nascimento Nunes Leal, no núcleo urbano de. Não há krenaks matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Território indígena
RESPLENDOR- Expulsos por fazendeiros e arrendatários entre as décadas de 1920 e 1950, o krenaks só retomaram seu território em 1997, depois que o Superior Tribunal Federal (STF) reconheceu que a área escondia em meio às matas e montanhas, resquícios das tradições da etnia. A decisão foi baseada em um estudo de 114 páginas assinado pela antropóloga Maria Hilda Baqueiro.
Além da renda da comercialização de adornos, os Krenaks recebem recursos de empresa privadas e do governo.
A título de compensação ambiental pela formação do lago da Usina Hidrelétrica de Aimorés (UHE-Aimorés), controlado pelo consórcio Vale-Cemig, cada família krenak recebe por mês cerca de R$ 790. O pagamento é fruto de acordo firmado entre o consórcio, o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio, em troca da retirada de ação ajuizada em abril de 2005. Por conta desse acordo, os krenak também recebem mensalmente cestas básicas.
As bolsas em dinheiro e as cestas básicas deveriam durar até o consórcio Vale-Cemig conseguir implantar projetos de geração de renda que garantam a sustentabilidade econômica dos krenaks. Os empreendedores também assumiram o compromisso e realizar uma ação específica para proteger as 54 nascentes de água do território indígena.
Um dos projetos em implantação é de pecuária leiteira, com orçamento de R$ 3 milhões. Cada família recebeu seis vacas e dois latões de leite, além de estojos de vacinação. O leite é vendido a R$ 0,60 o litro para um laticínio de Resplendor. Além desses recursos, este ano, 41 das 82 famílias do território krenak recebem bolsa família.
Os índios também, esperam ter a renda aumentada nos próximos anos por meio de um projeto de fortalecimento da apicultura no território Krenak, orçado em R$ 1,5 milhão, custeado pela Petrobrás. Cinco famílias de cada uma das aldeias foram selecionadas para participar da primeira etapa do projeto. A estimativa é de que já em 2012, sejam produzidas 18 toneladas por mês, o que resultaria em R$ 117 mil de receita.
Maxacali
Bayí. A palavra que pode significar olá, adeus, tudo bem, bonito ou legal em língua Maxacali é também um motivo de orgulho para os cerca de 2 mil indivíduos da etnia que ainda vivem em Minas, todos eles em pequenas aldeias no Vale do Jequitinhonha. Os Maxacali são o único povo indígena no Estado a conservar a língua – mais da metade deles não fala uma palavra sequer em português -, e mantêm costumes e rituais religiosos bastante parecidos aos de cinco séculos atrás.
Apesar de se encontrarem na pior situação econômica entre todas as tribos indígenas do Estado, os Maxacalis se acham melhores. Na verdade, o povo de baixa estatura e expectativa de vida em torno dos 40 anos – a mesma do Brasil em 1950 – se considera o único povo genuinamente indígena das Minas Gerais.
“Nós tem língua, nós tem religião, nós tem dança, nós tem brincadeira. Os outros, que tem? Nada. Nós é que somos índios” afirma sempre o cacique Manoel Kelé Maxakali, cacique da tribo Água Boa, no município de Santa Helena de Minas. A tribo é a mais numerosa entre as quatro da etnia. Conta com 1.200 indivíduos.
Destes, menos de 10% tem banheiro ou fossa ou fornecimento de água. As necessidades são feitas no mato, ao redor das casas e próximas ao córrego que corta a reserva. A energia elétrica chegou às casas da aldeia há pouco mais de um ano.
O resultado da soma destes fatores é quem em janeiro de 2010 houve um surto de diarreia que matou 23 bebês e crianças de até dois anos. Mas de 50 foram hospitalizadas. O diagnóstico das causas de todas as mortes foi a bactéria escherichia coli, um micróbio relativamente comum, que pode ser combatido com água, sabão e o uso de banheiro.
Outro problema grave entre a etnia é o alcoolismo. Neste caso, a pior situação é da aldeia Cachoeirinha, no município de Topázio. São 163 índios, 100 deles homens e mulheres adultos. De acordo com informações da Funai, entre todos, apenas dois não bebem. Os demais são capazes de caminhar até duas semanas praticamente sem descanso em busca de um lugar que venda bebidas aos integrantes da aldeia. A venda de álcool para índios é crime, exatamente igual à venda bebida para menores de 18 anos.
A pequena aldeia conta com uma dúzia de casas feitas de madeira, sem alicerces e coberta com lona preta e palha de buriti, todas em meio a um matagal que alcança os dois metros de altura. Em cada uma delas se aglomeram famílias inteiras. Homens e mulheres compartilham camas improvisadas de madeira, cobertas com trapos. As crianças, quase todas nuas, dormem no chão de terra batida, ao lado das fogueiras e dos cães.
De segunda a sexta-feira, uma enfermeira, um motorista e uma servente contratados pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) levam na hora do almoço uma sopa fria ou arroz com legumes e carne. As refeições são servidas para as crianças em pratos de plástico, que depois são recolhidos e reaproveitados várias vezes. Os pequenos comem no chão, embaixo de uma árvore. As crianças comem com as mãos sujas de terra ou colheres plásticas quebradas, compartilham os pratos entre si, e com os cães que circulam pelo local.
Futebol, carro e novela
Mas nem todas as tribos estão em estado tão lamentável. Na Aldeia Verde, no município de Ladainha, a situação é bem diferente. As casas também são feitas de madeira e cobertas com palha de buriti sobre lonas pretas, mas quase todas contam com módulos sanitários instalados no ano passado pela Funasa.
Os módulos são parecidos com os banheiros químicos de festas e eventos públicos. Tratam-se de estruturas plásticas brancas, dotadas de uma pequena caixa de água, privada e chuveiro, instalados sobre fossas sépticas, para onde vão os dejetos.
As residências, cada uma delas divididas por duas ou três famílias, estão dispostas ao redor de um campo de futebol, onde os homens praticam o esporte bretão todas as tardes. Quando o calor permite, a pelada começa por volta das 16 horas, e vai até que a escuridão chegue. Desde dezembro do ano passado, a tribo também conta com energia elétrica, e metade das casas instalaram, desde então, antenas parabólicas, a única forma de acompanhar as novelas da noite.
A Aldeia Verde também conta com três automóveis, comprados a prestação pela cacique Naomí Machacali, seu filho e um genro. Os carros servem como alternativa de carona para quem não quer percorrer os 3o quilômetros de estrada de terra – e subidas íngremes – que separa a aldeia do centro da cidade. “Quem quer ir fazer compra na cidade, a gente leva. E cobra R$ 40”, conta a Naomí.
De voz aguda e olhar desconfiado, a cacique é um amontoado de excessões entre os maxacalis. Conseguiu superar o machismo, e é a única mulher cacique entre as quatro aldeias. Além disso, trata com rigor os índios que chegam bêbados ao local, e chegou a cobrar do procurador federal Edílson Vitorelli, que visitou a aldeia na semana passada, que os índios encontrados bêbados pelas cidades do entorno sejam presos. “Tem que aprender a lição. Aqui sou sou forte. Mas quem bebe tem que saber que está fazendo coisa errada, e pagar por isso”, afirmou.
A líder da tribo aproveitou a visita para cobrar que as famílias sejam incluídas nos programas de habitação da Cohab. Ou seja, pretende trocar as casas de madeira e palha por outras, de tijolo e telhas. No lugar dos módulos sanitários, banheiros. “Queremos melhorar, sem perder a cultura”. A aldeia já conta com posto de saúde e duas escolas, onde atual três professores indígenas. As aulas são ministradas em língua maxacali, com uma disciplina de português.
Índios mantêm hábitos nômades
O principal desafio para melhorar a infraestrutura de saúde das aldeias dos maxacalis é uma parte essencial de sua própria cultura. A etnia mantêm hábitos nômades, ou seja, tem dificuldade em permanecer no mesmo lugar por muito tempo. Originalmente, os maxacalis eram coletores, caçadores e mudavam o local de suas aldeias sempre que o entorno se exauria.
Até hoje os membros da aldeia Cachoerinha, em Topázio, matêm o costume de queimar uma casa sempre que uma pessoa mora nela. Em oito meses, os índios ocupam a terceira área dentro de uma mesma fazenda. A propriedade foi adquirida pela Funai para o grupo em 2005.
Originalmente, os moradores da aldeia ocuparam a sede da fazenda, e dividiam um teto, tinham banheiro e energia elétrica. Mas, depois de uma morte, em agosto do ano passado, os habitantes da tribo queimaram parcialemente a casa centenária, venderam portas, janelas e telhas. “Quase todo o dinheiro foi gasto com cachaça” lamenta Selda Duarte Pereira, funcionária da Funasa responsável pela alimentação das crianças.
Em quase um ano de convivência, Selda reclama das dificuldades em lidar com a etnia. As barreiras da língua, a escolha do local e o machismo são apontados como os principais. “Com eles é o seguinte: ou ama ou odeia. Mas se um índio gosta de você, ele defende. Eles são parecidos com crianças”, compara.
Língua Viva
Pequeno Dicionário Maxacali
Palavra – pronúncia - significado
Bayí – baí - Olá, adeus, bom, interessante, legal, tudo bem
Terex – terrei – homem
ûhûn – anrrân – mulher
Txeká – tchê cá – grande, alto
kokex – co quêi – cachorro
Moh monká – mor moncá - gavião
kayambá – caiambá – dinheiro
Kuya – cuia – mentira, mentiroso
kayboca – cai bôca – cachaça
Mykai – mi caei - facão