Dois grandes nomes da Música Popular Brasileira completariam cem anos de vida em 2010: Adoniran Barbosa e Noel Rosa. Os dois sambistas, um paulista e o outro carioca, deixaram um grande legado. Muita gente canta música dos dois compositores sem nem mesmo saber que são de autoria deles. Noel, morto na década de 1930, com apenas 26 anos, vítima da tuberculose, deixou mais de 200 composições que são extremamente atuais e constantemente são regravadas pelos mais diversos artistas. O mesmo acontece com Adoniran que, como ninguém, reproduziu em suas letras o quotidiano do paulistano, do trabalhador, das pessoas comuns.
A genialidade dos dois compositores foi lembrada ontem, 16, em sessão especial no Senado Federal. Na TV os dois artistas foram homenageados em programas especiais que contaram a trajetória das carreiras. Quem quiser conhecer melhor a vida e a obra de Adoniran e Noel tem à disposição vários livros: “Noel Rosa: para Ler e Ouvir”, de Eduardo Alcantara De Vasconcellos (Editora Barcarolla); "Noel Rosa - O Poeta do Samba e da Cidade", de André Diniz (Casa da Palavra); “Adoniran Barbosa”, de André Diniz e Juliana Lins (Editora Moderna); “Adoniran Barbosa – Se o senhor não tá lembrado”, de Flávio Moura (Boitempo Editorial), entre outros.
O SINAIT faz o registro do centenário dos artistas destacando duas letras de canções que falam do universo do trabalho:
Três Apitos
Quando o apito da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Mas você anda
Sem dúvida bem zangada
Ou está interessada
Em fingir que não me vê
Você que atende ao apito de uma chaminé de barro
Porque não atende ao grito
Tão aflito
Da buzina do meu carro
Você no inverno
Sem meias vai pro trabalho
Não faz fé no agasalho
Nem no frio você crê
Mas você é mesmo artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você
Nos meus olhos você lê
Que eu sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente
Impertinente
Que dá ordens a você
Sou do sereno poeta muito soturno
Vou virar guarda-noturno
E você sabe porque
Mas você não sabe
Que enquanto você faz pano
Faço junto ao piano
Estes versos pra você
Deus Te Abençoe
Vai meu filho
Deus te abençoe
Segue o teu trilho
É o que a minha mãe sempre diz
Todas as manhãs
Quando eu vou pra trabalhar
Eu saio de manhazinha
Volto à noitinha
No aconchego do meu lar
Eu trabalho de pedreiro
Ganho pouco dinheiro
Sou eu e a mulher
Faço todo o sacrifício
Mas minha mãe sempre diz
Tudo o que quiser
Falado
"benção filho,
Deus te abençoe filho
Não vai esquecer a marmita, viu!"
14-12-2010 – Agência Senado
Senado comemora centenários de Noel Rosa e Adoniran Barbosa
Helena Daltro Pontual
O Senado vai comemorar na sessão plenária desta quinta-feira (16), às 14h, o centenário de nascimento dos músicos Noel Rosa e de Adoniran Barbosa. Os requerimentos solicitando as homenagens são dos senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Eduardo Suplicy (PT-SP). Além de cantor e compositor, o carioca Noel Rosa foi bandolinista e violonista. Igualmente compositor e cantor, o paulista Adoniran Barbosa foi também humorista e ator. Ambos estão entre os mais importantes músicos do país.
Noel Rosa
Noel Rosa nasceu em 11 de dezembro de 1910 no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, que se tornou célebre graças a suas músicas. Em 1927, fundou o Bando dos Tangarás, com os compositores João de Barro (Braguinha), Almirante, Alvinho e Henrique Brito. Em 1929, Noel criou suas primeiras composições: Minha viola e Toada do céu. Posteriormente, trabalhou com dezenas de parceiros e integrou outros grupos musicais.
Em 1930, entrou para a Faculdade Nacional de Medicina atendendo a um desejo da mãe, que era filha de médico, mas abandonou o curso dois anos depois. No ano seguinte, compôs Com que Roupa?, sucesso no carnaval de 1931, e tornou-se um clássico do cancioneiro popular. A composição teria sido feita quando Noel descobriu que não poderia ir a uma festa com os amigos porque a mãe, preocupada com sua saúde frágil, escondeu as roupas do filho para ele não sair de casa.
Noel tornou-se um compositor criativo e protagonizou uma carreira de sucesso, com mais de 300 composições, entre sambas e marchinhas. Além de crônicas do cotidiano da vida carioca, muitas carregadas com seu senso de humor, as letras de Noel falaram sobre amor, briga e ciúme. Entre suas músicas de sucesso, destacam-se: Feitiço da Vila, Filosofia, Fita amarela, Gago apaixonado, O x do problema, Palpite infeliz, Pra que mentir, Mulher indigesta, Pierrô apaixonado, Conversa de botequim, Coração e Três apitos.
O compositor vendeu suas músicas para outros cantores e ficou conhecido no rádio pelas vozes de Araci de Almeida, Mário Reis e Francisco Alves. Participou ainda de programas de rádio e fez recitais e apresentações públicas.
Tuberculose
Em 1934, o poeta, que chegou a namorar várias mulheres ao mesmo tempo, apaixonou-se por Ceci, dançarina de profissão. No fim desse mesmo ano, no entanto, acabou casando-se com Lindaura. Nos anos seguintes, Noel contraiu tuberculose e passou uma temporada em Belo Horizonte em busca de tratamento. Apesar de travar uma luta contra a doença, continuou na vida boêmia no Rio, bebendo e fumando.
Em 1935, duas de suas composições estrearam no cinema, no filme Alô, Alô Carnaval, de Adhemar Gonzaga. Eram duas marchas de carnaval que constaram da trilha sonora do filme, feitas por Noel em parceria com Heitor dos Prazeres e Hervé Cordovil: Pierrô apaixonado e Não resta a menor dúvida.
Primeiro filho do comerciante Manoel e da professora Martha de Medeiros Rosa, Noel nasceu de um parto difícil com uso do fórceps, o que acabou causando um afundamento em sua mandíbula. Aos seis anos de idade foi operado, mas teve o queixo um pouco retraído por toda vida.
Com sua mãe, aprendeu a tocar bandolim, e depois passou a tocar violão, instrumento usado pelo pai. O único irmão, Hélio de Medeiros Rosa, era quatro anos mais novo que Noel. O compositor tinha apenas 26 anos quando faleceu em casa, no bairro de Vila Isabel, em 4 de maio de 1937, em consequência da tuberculose. Para Inácio Arruda, apesar da morte precoce, Noel "mostrou ao mundo por que veio, teve uma vida cultural e artística pródiga e foi um dos maiores ícones da música brasileira".
Adoniran Barbosa
Diz a certidão de nascimento que João Rubinato, conhecido como Adoniran Barbosa, teria nascido em Valinhos (SP) no dia 23 de novembro de 1910, filho dos imigrantes italianos Ferdinando e Emma Rubinato, de Veneza. A data real do parto, contudo, foi adulterada pelos pais para que o menino trabalhasse de forma legal no país como entregador de marmitas. Nessa época, a idade mínima dos trabalhadores era 12 anos.
Os Rubinato tinham oito filhos, contando com Adoniran, e viveram muitos problemas financeiros. Moraram em Valinhos, Jundiaí, Santo André e finalmente em São Paulo, na tentativa de melhorar de vida. Adoniran abandonou a escola cedo, pois precisou trabalhar para ajudar no sustento da família.
Sofreu muitos percalços antes de fazer sucesso. Sem instrução nem padrinhos que o ajudassem, foi rejeitado nos palcos como ator. Como compositor, vendeu várias de suas músicas para sobreviver. Posteriormente, sua vida profissional se desenvolveu a partir de interpretações de outros compositores. Sua primeira composição gravada foi Dona Boa, na voz de Raul Torres, e, em seguida, Agora pode chorar.
Depois desse período, começou a carreira de ator radiofônico. Criou e interpretou vários personagens com perfis populares em programas de rádio escritos por Oswaldo Moles, que lhe renderam relativo sucesso. A partir desses programas ele somou as várias experiências vividas para construir sua própria linguagem no samba, pontuada pela fala popular típica do paulistano e a vida de pessoas simples que buscavam inserção social.
Cotidiano
Nesse contexto, compôs músicas que retratavam a vida de pessoas despejadas das favelas, engraxates, mulheres submissas que se revoltavam e abandonavam o lar e homens solitários. Com o humor e a descrição criativa de cenas tragicômicas do cotidiano, o compositor revelou a realidade da exclusão social dessas pessoas e também de sambistas como ele. O primeiro sucesso que virou canção obrigatória em casas de show e rodas de samba foi Trem das onze, de 1964.
Adoniran casou-se duas vezes. O primeiro casamento não durou um ano, e o segundo, com Matilde, durou toda a vida do artista. Boêmio e assíduo frequentador de bares, o compositor bebeu demais certa noite e perdeu a chave de casa, tendo que acordar Matilde para abrir a porta. Aborrecida, ela discutiu no dia seguinte com o marido, o que inspirou a composição do samba Joga a chave, de 1952.
Além de Trem das onze e Joga a chave, as composições de maior sucesso de Adoniran foram, entre outras: Malvina e Saudosa maloca (1951); Samba do Arnesto (1953); As mariposas (1955); Iracema e Apaga o fogo Mané (1956); Bom dia tristeza (1958); Abrigo de vagabundo (1959); Prova de carinho e Tiro ao Alvaro (1960); Samba italiano (1965); O casamento do Moacir (1967); Mulher, patrão e cachaça (1968); Despejo na favela (1969); Fica mais um pouco amor (1975); e Acende o candeeiro (1972).
Devido a um enfisema, ficou sem poder sair de casa e frequentar a boemia nos últimos anos de vida. Dedicou-se, então, a gravar algumas de suas músicas, dar depoimentos e entrevistas. Começou também a criar objetos com pedaços velhos de lata e madeira, todos movidos à eletricidade, como rodas-gigantes, trens de ferro, carrosséis, enfeites, cigarreiras e bibelôs. Adoniran morreu em 1982, aos 72 anos de idade, em conseqüência do enfisema.