Denúncia liga trabalho escravo a gigantes do café

Empresas foram denunciadas na Alemanha por supostamente comprarem produtos de fazendas brasileiras com violações de direitos humanos. Companhias negam.


Por: Lourdes Marinho
Edição: Andrea Bochi
07/11/2025



Com informações da revista Fórum e DW

Uma denúncia apresentada à autoridade reguladora alemã, em 29 de outubro, por organizações de defesa dos direitos humanos lideradas pela Coffee Watch, ONG que monitora as cadeias produtivas de café, revela que gigantes do café — Nestlé e Starbucks (via AmRest) — estariam adquirindo grãos de fazendas brasileiras onde haveria práticas de trabalho análogo à escravidão, trabalho infantil e tráfico de pessoas. A denúncia tem base na lei alemã de “devida diligência” (supply‐chain) de 2023, que responsabiliza grandes empresas por violações de direitos humanos em sua cadeia de suprimentos.

As empresas acusadas negam, mas “no Brasil, diversos relatos — incluindo um processo judicial em tribunais dos EUA — documentam o tráfico de pessoas e condições de trabalho análogas à escravidão em fazendas que abastecem a cooperativa Cooxupé, uma das principais fornecedoras da Starbucks, Nestlé e outras marcas de café renomadas”, diz a Coffee Watch.

De acordo com o relatório Behind Starbucks Coffee, produzido pelo trabalho investigativo da ONG Repórter Brasil, 17 trabalhadores foram resgatados de condições de escravidão moderna, em 2022, na Fazenda Mesas, que fica em Campos Altos, Minas Gerais — uma das propriedades que abastece as cooperativas fornecedoras do grão para essas empresas. Entre os resgatados estavam uma menina de 15 anos e dois garotos de 16 e 17 anos.

Lista suja

Apesar de a Lista Suja ter sido criada pela Inspeção do Trabalho como um instrumento de transparência e controle de inclusão de empregadores flagrados em situação análoga à escravidão, analistas apontam que sua divulgação intermitente, sujeita a liminares judiciais e políticas internas, enfraquecem sua efetividade. “Se a base documental de empresas que exploram trabalhadores é tratada de forma branda ou oculta, abre-se espaço para que redes de exploração continuem operando com impunidade, e a denúncia internacional envolvendo cafés de fazendas brasileiras torna-se ainda mais grave por ocorrer em um contexto de fragilidade institucional”, avalia o presidente do SINAIT Bob Machado.

A própria frequência de atualizações da Lista Suja (a nova versão divulgada em outubro passado inclui 159 empregadores, sendo 101 pessoas físicas e 58 pessoas jurídicas, um aumento de 20% em relação à atualização anterior), evidencia o problema persistente, e pesquisadores alertam que a exclusão prematura de empregadores da lista ou a ausência de sanções eficazes mina o poder de dissuasão da medida.

O SINAIT entende que sem uma divulgação regular da lista, transparente e com consequências concretas, o Estado acaba dando margem para que práticas de trabalho análogo à escravidão não apenas persistam, mas se insiram nas cadeias globais que abastecem grandes marcas, como as mencionadas na denúncia sobre café, e que dependem justamente da vigilância da cadeia para não serem cúmplices.

Devida diligência

As leis europeias da devida diligência nas cadeias de produção foram debatidas no 41º Encontro Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, realizado na semana passada em Belém, (PA), quando o Auditor-Fiscal do Trabalho Lucas Reis (AFT/SC) apresentou como a “lei do dever de vigilância” europeia pode servir de modelo para o Brasil, abrindo caminho para que a fiscalização nacional tenha instrumentos para atuar em cadeias globais. E como o Brasil pode oferecer lições à Europa, já que a Inspeção do Trabalho tem tradição, capilaridade e instrumentos para cumprir esse papel com mais efetividade. Com isso, ganha força o debate sobre quem é responsável quando trabalhadores são explorados em elos invisíveis da cadeia internacional de fornecimento — e como políticas de compliance, monitoramento e atuação estatal podem transformar o risco em controle.

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