Meu nome é Carlos Alberto de Oliveira, chamado carinhosamente pelos colegas por Caó, o que muito me orgulha porque faz referência ao advogado, jornalista e político brasileiro, cuja carreira se destacou pela luta contra o racismo. Trabalhou na inclusão na Constituição do racismo como crime hediondo e imprescritível e teve aprovada a Lei 7.716, que ficou conhecida como Lei Caó, em sua homenagem.
Ao longo dos anos não pude fechar os olhos para a questão do racismo, quer sentindo na pele (negra) quer percebendo como as estruturas ainda excluem o negro e assinam o pacto silencioso, como bem salienta a escritora e psicóloga Cida Bento em sua obra “O Pacto da Branquitude”.
Aliás, a leitura de Cida direciona o foco para um tema pouco discutido no seio social e nas várias rodas de conversas porque no fundo traz certo constrangimento pelo reconhecimento de que o Brasil é um país racista, apesar de tantos discursos em contrário.
Enquanto AFT passei por alguns intempéries por ser negro, mas nada que me impedisse de manter a cabeça erguida e desempenhar com responsabilidade o cargo com todas as atribuições legais.
Pelo menos dois fatos trarei à baila para evidenciar o racismo estrutural existente entre nós.
O primeiro caso ocorreu quando atendia empresas na sede da Gerência Regional de Cabo Frio. Um empregador de origem estrangeira compareceu ao Ministério querendo informações. Como o plantão ocorreria no dia seguinte, foi orientado a agendar. Inconformado, fazia maior algazarra e atrapalhava o atendimento dos demais serviços prestados.
Um colega administrativo pediu encarecidamente para que eu atendesse o empregador para trazer paz ao ambiente. Prontamente atendi. Descontrolado dizia que queria falar com um fiscal e não comigo. Apresentei-me como fiscal. Quanto mais eu tentava falar, ele insistia que queria ser atendido por um fiscal. Então não me coube outra alternativa senão deixá-lo esbravejar e solicitar que marcasse o atendimento para o plantão.
No dia seguinte, quando ele entrou na sala do plantão e me viu, olhou-me de cima a baixo e perguntou se eu era o fiscal. Disse que ele estava exatamente no plantão fiscal e sendo atendido por um fiscal. Obteve a informação, pediu mil desculpas e saiu satisfeito com a informação que podia ter conseguido no dia anterior se não fosse preconceituoso.
O segundo caso foi bem recente. Ocorreu no município de Armação de Búzios, por ocasião do Festival Gastronômico que ocorre anualmente naquela cidade e atrai muitos turistas.
Resumindo, tive a ação fiscal embargada pela Guarda Municipal por suposta denúncia de falso servidor achacando os empresários.
A Carteira de Identidade Fiscal - CIF foi retida, cercearam minha liberdade de ir e vir e queriam a todo custo me levar para a delegacia. Após várias ameaças, ligações, pedi que consultassem a relação emitida pelo Governo Federal com os nomes dos AFTs ativos do Brasil. Diante das provas incontestáveis houve a “liberação”, mas continuaram prejudicando a ação, indo atrás de mim em cada estabelecimento que eu entrava. A ação foi encerrada e as comunicações feitas.
Posteriormente, o chefe da Guarda informou que a ausência do colete levou os guardas a confundirem o agente público com um criminoso. Na verdade não foi a ausência do colete, mas a cor da pele, pois no mesmo dia colega branco fez a mesma ação em outro ponto sem nenhum inconveniente.
Lembro de ter participado de vários ENAFITs e constatado o número reduzido de colegas negros. Essa ausência é percebida no Judiciário, no Legislativo, nos altos escalões com poder de decisão.
Grandes passos já foram dados para promoção da reparação à comunidade negra com ações afirmativas que contemplam maior presença negra em todas as esferas sociais, mas há longo caminho a percorrer para a tão sonhada liberdade e igualdade.
Eu vejo a data do dia 20 de novembro como oportunidade de conscientizar os negros de que é possível conquistar os ideais, apesar das dificuldades. Porém, para isso é preciso que a sociedade reconheça e trabalhe para que a falta de oportunidades, a baixa remuneração, o apagamento cultural e a violência contra o negro sejam colocados em pauta, discutidos e encontrada solução digna para que o raio da liberdade ilumine todos os cantos e recantos do nosso amado Brasil.
Encerro externando decepção com relação ao segundo fato narrado. A agressão contra um AFT é um ataque contra o Estado brasileiro, daí medidas mais enérgicas serem necessárias. Falta à SIT um posicionamento para que agressores identificados com nome e sobrenome sejam responsabilizados, afinal, racismo é crime hediondo e inafiançável. Essa é a minha consciência (negra).