Ponto Eletrônico: um comprovante de cidadania para o trabalhador


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
06/08/2010



Visando a proteção social que deve decorrer do trabalho, a legislação trabalhista brasileira estabelece um rol de direitos para os trabalhadores empregados. Quando se fala da jornada de trabalho, no entanto, é interessante lembrar que esse direito não se esgota apenas na limitação diária de 8 horas e semanal de 44 horas. Ao contrário, tão importante quanto as limitações da jornada é o seu controle por meios confiáveis. Isso porque desse controle dependem uma série de direitos que a lei assegura, a exemplo do próprio salário, que por sua vez é composto de uma série de parcelas ligadas à jornada, a exemplo dos adicionais de horas-extras, noturno, de insalubridade e de periculosidade. Não é só isso, há parcelas como o FGTS, por exemplo, cujo depósito mensal de 8% se dá em cima da remuneração mensal do empregado; como o décimo-terceiro e as férias, que são calculadas sobre o salário; entre outros direitos que sofrem reflexos negativos toda vez que, por acidente ou má-fé, uma jornada de trabalho é indicada em tempo inferior ao efetivamente trabalhado. Os direitos citados — é bom que se diga — não são direitos quaisquer, e sim direitos que a Constituição Federal assegura aos trabalhadores. Assim, não é errado afirmar enfaticamente que o controle da jornada por meios confiáveis é condição de eficácia dos direitos sociais previstos na Constituição.



                        E não é só isso, ao se admitir sistemas de controle de jornada não confiáveis, há uma perda também para o setor público, já que as contribuições previdenciárias deixam de ser apuradas sobre uma base de cálculo correta, ou seja, são recolhidas em valor inferior ao previsto. Se adicionarmos a esse fato o de que muitas doenças e acidentes de trabalho são causados por excesso de jornada, chegaremos à conclusão de que aqueles que fraudam o registro das jornadas não apenas exploram sem pagar os trabalhadores, mas também transferem o risco dessa exploração para todos os demais que agem corretamente e custeiam a seguridade social em nosso país. Também atinge o setor público a perda na arrecadação do FGTS, haja vista que, embora os depósitos sejam atrelados a uma conta individual do trabalhador, o montante do fundo é utilizado para finalidades públicas, a exemplo do financiamento de moradias populares e do saneamento básico de nossas cidades.



                        Para que se tenha uma idéia do montante do que é fraudado, o não pagamento de horas-extras em virtude de registros de ponto eletrônico não confiáveis acarreta aos trabalhadores brasileiros prejuízos anuais de aproximadamente 20,3 bilhões de reais. As sonegações de contribuições à Previdência Social e depósitos ao FGTS somam algo próximo de 5,7 bilhões anuais.



                        Interessa observar que a previsão legal de controle da jornada está na CLT e, para as empresas com mais de 10 empregados, nos termos do art. 74, §2º, é obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Foi a partir dessa competência que a lei lhe atribui que o Ministro do Trabalho e Emprego editou a Portaria n.º 1.510/2009 com o objetivo de disciplinar o registro eletrônico de ponto e a utilização do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto.



                        A decisão de editar essa portaria nasceu das inúmeras fraudes que eram praticadas a partir dos sistemas de registro anteriores, causando enormes prejuízos aos trabalhadores. Registre-se que a possibilidade de fraude (adulteração de horários) era tão ostensiva que alguns fabricantes de aparelhos e softwares chegavam a insinuá-la nas propagandas de seus produtos como uma “vantagem” para seus possíveis clientes.



Em termos práticos, esses sistemas fraudulentos de controle de jornada podiam ser agrupados em quatro grandes grupos, sem que uma possibilidade de fraude excluísse as outras:



·         Grupo I - os programas que possibilitavam ao empregador, através de senhas no sistema, acesso posterior às marcações efetuadas pelos empregados, permitindo-lhe “alterar” os horários de entrada, intervalo para repouso e alimentação e de saída, inclusive podendo “excluir” as horas extras efetivamente trabalhadas e registradas pelo trabalhador no sistema;



·         Grupo II - os programas que possibilitavam ao empregador configurar o sistema de forma a permitir a marcação de ponto somente em horários predeterminados, bloqueando a marcação em horários diversos daqueles previamente determinados por ele;



·         Grupo III - os programas que permitiam a parametrização ou configuração de maneira a gerar batidas automaticamente, conforme horário contratual do empregado, mesmo que este não batesse o ponto (muitos, inclusive, de forma randômica, para não gerar o “ponto britânico” que é aquele no qual os horários são sempre os mesmos e que a Justiça do Trabalho costuma considerar com indício de fraude);



·         Grupo IV - os programas que permitiam a criação no sistema de diversos bancos de horas, cujas horas extras são automaticamente transferidas para estes (a falta de ferramentas que possibilitassem o controle dos saldos pelos empregados propiciava a fraude de “sumir” com as horas extras dentro do banco de horas, pois o empregado perdia totalmente o controle devido ao grande período para compensação e ao fato de o sistema estar sob total administração do empregador).



Do ponto de vista tecnológico, a nova regulação dos sistemas de registro eletrônico do ponto é muito mais segura, quer por oferecer maiores garantias de inviolabilidade e integralidade das marcações, inviabilizando as fraudes que corriqueiramente eram praticadas; quer por oferecer ao trabalhador um comprovante para cada batida. Esse aspecto, aliás, representa uma conquista importantíssima para o trabalhador que, até então, via-se na condição de refém dos registros feitos pelo empregador, sem qualquer documento que pudesse guardar consigo para comprovar o tempo efetivamente trabalhado. Trata-se de uma autêntica nota de cidadania, pois qualquer pessoa que realiza uma transação tem direito a um comprovante daquilo que prestou ou pagou; nesse sentido, era absurdo negar essa comprovação justamente ao trabalhador, que transaciona com sua força de trabalho, algo que, uma vez prestado, jamais poderá ser recuperado.



Os argumentos de riscos ao meio-ambiente trazidos por alguns empregadores, preocupados com o consumo de papel para entrega dos recibos aos trabalhadores, são dignos de referência, seja por espelharem uma inédita preocupação ambiental por parte de alguns, seja pela sua total improcedência, haja vista o fato não apenas de que o papel gasto nesses casos é totalmente oriundo de reflorestamento, mas também considerando que, se de fato a preocupação for legítima, há uma enorme gama de outras iniciativas que podem ser patrocinadas pelos empregadores brasileiros no sentido de promover políticas sérias de meio-ambiente, a começar pelo próprio meio-ambiente de trabalho, ainda prolífero em doenças e acidentes.



Esclareça-se, sob o prisma econômico, que os dois metros de papel mensais necessários para a impressão de recibos apresentam custo médio de 13 centavos por trabalhador, valor substancialmente mais barato do que os 20 centavos mensais que eram desembolsados nos cartões de ponto utilizáveis nos sistemas de controle anteriores à Portaria n.º 1.510/2009.



Finalmente, do ponto de vista das demandas judiciais, há também um enorme ganho no sentido de reduzi-las ou evitá-las, haja vista que muitas delas são motivadas exclusivamente ou possuem como principal pedido justamente as horas-extras trabalhadas e não pagas pelo empregador em função de divergências sobre a comprovação da jornada. Doravante, com os novos sistemas de registro eletrônico do ponto, acredita-se que ficará muito mais fácil para que empregado e empregador resolvam suas questões sem levá-las à Justiça, pois ambos terão as mesmas comprovações sobre o tempo trabalhado.



A nova regulação do registro eletrônico de ponto representa uma vitória da dignidade associada ao trabalho, evitando-se que haja apropriação indevida da energia dos trabalhadores sem que seja paga a contraprestação devida. Do ponto de vista do Estado, há uma evidente minimização de perdas de valores sonegadas, bem como uma provável redução de demandas judiciais. Sob a ótica dos empregadores, aqueles que sempre agiram de boa-fé não possuem razões para preocupações, pois a nova sistemática é mais segura, econômica e evita a concorrência desleal proporcionada por aqueles que tinham no descumprimento da lei um plus de competitividade.

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