Por Nilza Murari
A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – Conatrae realizou reunião itinerante em Belo Horizonte (MG) nesta segunda-feira, 22 de outubro. O SINAIT foi representado pelo Delegado Sindical em Minas Gerais Marcelo Campos. A pauta contemplou apresentação de resultados do Projeto “Consolidando e Disseminando esforços no Combate ao Trabalho Escravo no Brasil e no Peru”, informações sobre o Radar do Ministério do Trabalho, localização dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, problemas na emissão do PIS para trabalhadores resgatados, entre outros informes.
A parte da manhã foi dedicada à apresentação das conclusões da Comissão de Avaliação do Projeto “Consolidando e Disseminando esforços no Combate ao Trabalho Escravo no Brasil e no Peru”. O projeto é da Organização Internacional do Trabalho – OIT, com financiamento do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos – USDOL, já em fase final de avaliação. Um dos destaques foi o fato de que as avaliadoras admitiram uma crítica de que a Conatrae não praticaria o tripartismo preconizado pela OIT, com participação de governo, trabalhadores e empregadores, com decisões por consenso.
A opinião da maioria, excetuando-se a do representante da Confederação Nacional da Agricultura – CNA, foi de que a avaliação está equivocada. Marcelo Campos se pronunciou no sentido de que a Conatrae não se insere no sistema de proteção do trabalho da legislação trabalhista, estando acima desse patamar, dentro de uma perspectiva da defesa dos direitos humanos fundamentais, razão pela qual funciona no âmbito da Secretaria de Direitos Humanos. “O trabalho escravo não é uma mera irregularidade trabalhista. É um crime contra os direitos fundamentais”, lembrou.
Para o Auditor-Fiscal do Trabalho, o conceito de tripartismo na contemporaneidade do mundo do trabalho precisa ser atualizado para agregar mais vozes, como entidades do terceiro setor. Além disso, Marcelo Campos disse que o setor patronal tem se valido do argumento do tripartismo para tentar impedir ações políticas e de governo no âmbito da Conatrae e em outras instâncias. “Se desde o começo dependêssemos do tripartismo na Conatrae nós jamais teríamos tomado nenhuma iniciativa, porque as entidades patronais nunca reconheceram um só caso de trabalho análogo ao de escravo. Qualquer avanço e discussão da política de combate ao trabalho escravo teria sido vetado”. Por essa razão, foi entendido que o tripartismo não deve ser usado como critério de avaliação do projeto.
No período da tarde, Frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra – CPT, apresentou uma consolidação de dados e variáveis sobre o trabalho escravo no Brasil desde 1995 até 2018. Explicou que os dados da CPT podem apresentar alguma divergência em relação aos do Ministério do Trabalho – MTb, pois são consideradas todas as ações, até mesmo aquelas que, eventualmente, são realizadas apenas por policiais, em casos de flagrantes em que não há tempo para aguardar os Auditores-Fiscais do Trabalho. O link para acessar os dados é https://www.dropbox.com/s/wq5u4vkeq9vrk4d/SINTESE%20ESTAT%C3%8DSTICA%20TE%20%26%20PERFIS%20UF%20%26%20MUNIC%C3%8DP.%202003-.2018%20-%20atual.%2004.10.18.xlsx?dl=0
PIS e Radar
Maurício Krepsky, chefe da Divisão para a Erradicação do Trabalho Escravo – Detrae, no âmbito da Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT/MTb, passou informes sobre as dificuldades encontradas para obter o número do PIS para trabalhadores resgatados indocumentados. A SIT desenvolveu um aplicativo que depende, agora, somente de uma certificação da Caixa Econômica Federal – CEF para resolver a questão. Há, atualmente, dez trabalhadores que aguardam a emissão do PIS. A Conatrae deverá ajudar a agilizar a questão junto à CEF.
Ele também deu informes sobre o Radar, aplicativo desenvolvido pela SIT e lançado em maio de 2018. Os dados são públicos, de livre acesso para cidadãos e imprensa, e visam dar maior transparência às informações e ações da Detrae no combate ao trabalho escravo. Para ele, o maior ganho é a eliminação da possibilidade de manipulação de dados, independente do governo, o que garante idoneidade às informações. O Radar foi desenvolvido pelo Auditor-Fiscal do Trabalho Jerônimo Coelho, especialista em BigData.
Fazenda Brasil Verde
Dos 128 trabalhadores indicados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA para receberem indenização no caso da Fazenda Brasil Verde, até agora, 80 foram localizados. Cerca de 70 já receberam os valores a que têm direito.
A localização dos trabalhadores que restam está se mostrando uma tarefa bem difícil. Faltam dados e vários bancos de dados já foram acessados em busca deles. Na reunião, o apelo foi para que as entidades e as Comissões Estaduais para a Erradicação do Trabalho Escravo – Coetraes se mobilizem de todas as formas possíveis para ajudar a encontrá-los. Segundo o secretário Herbert Borges Paes de Barros, a Corte Interamericana solicita informações sobre o andamento do cumprimento da sentença.
Outros informes
A Conatrae firmou um acordo de cooperação com o Conselho Nacional de Justiça – CNJ para fazer um levantamento de ações penais e Ações Civis Públicas relativas a casos de trabalho escravo. A intenção é fazer o levantamento e identificar eventuais falhas nos processos com o objetivo de aperfeiçoar as práticas de todas as instituições envolvidas no combate à escravidão contemporânea.
As entidades que integram a Comissão devem apresentar até a próxima reunião, em 11 de dezembro, sugestões de atividades para a Semana de Combate ao Trabalho Escravo, a última semana de janeiro de 2019. As atividades poderão ser nacionais e nos Estados. A mudança de governo é um fator que preocupa e será avaliado na próxima reunião.
Maurício Krepsky anunciou a intenção do secretário de Inspeção do Trabalho Cláudio Secchin de construir um Museu do Trabalho Escravo para preservar a memória do combate a esse crime. Estudos já estão sendo feitos e há possibilidades de várias parcerias. Herbert Borges sugeriu que seja organizado imediatamente um museu virtual.
A SIT também sugere a criação de um fundo no âmbito da Conatrae com o objetivo de suprir eventuais dificuldades de orçamento no combate ao trabalho escravo como os ocorridos em meados de 2017 com o corte de orçamento e no início de 2018, quando houve problemas com a compra de passagens aéreas para o Grupo Móvel.
O Brasil receberá, de 3 a 14 de novembro, uma missão da CIDH. Todos os comissionados virão, à exceção de Flávia Piovesan, que é brasileira. Serão percorridos 14 Estados. A Conatrae vai solicitar audiência com o objetivo específico de abordar a necessidade de continuidade da política de combate ao trabalho escravo no País. Um instrumento que poderia ser invocado é a “Obrigação de não Retrocesso”.