Por Nilza Murari
A Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros e o Grupo de Estudos e Pesquisas para o Trabalho da Universidade de Brasília – UnB divulgaram notas condenando a edição da Portaria 1.129/2017, do Ministério do Trabalho.
Para a CNBB a Portaria “elimina proteções legais contra o trabalho escravo arduamente conquistadas, restringindo-o apenas ao trabalho forçado com o cerceamento da liberdade de ir e vir”. Classifica a Portaria como “desumana” e “retrocesso que, na prática, faz fechar os olhos dos órgãos competentes do Governo Federal que têm a função de coibir e fiscalizar esse crime contra a humanidade e insere-se na perversa lógica financista que tem determinado os rumos do nosso país”.
O Grupo de Estudos da UnB, do qual é integrante o professor Sadi Dal Rosso, um dos pesquisadores que desenvolveu o projeto da Escola Nacional de Inspeção do Trabalho, se solidariza com Auditores-Fiscais do Trabalho e outros atores “que se opõem a restrições dos conceitos de trabalho escravo, a inibição da autonomia das entidades responsáveis pela fiscalização das condições de trabalho, a obstaculização a processos de responsabilização pelo emprego de trabalho escravo e a facilitação aos empregadores de mãos sujas de escapar da divulgação pública de seus nomes”.
Estas importantes instituições somam-se a outras que já emitiram documentos públicos contrários à Portaria, ampliando, desta forma, a rede de apoio à revogação da absurda Portaria.
Leia as duas notas:
Nota da CNBB:
“O Espírito do Senhor me ungiu para dar liberdade aos oprimidos” (cf. Lc 4, 18-19)
Reunido em Brasília-DF, nos dias 24 a 26 de outubro de 2017, o Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB manifesta seu veemente repúdio à Portaria 1129 do Ministério do Trabalho, publicada no Diário Oficial da União de 16/10/2017. Tal iniciativa elimina proteções legais contra o trabalho escravo arduamente conquistadas, restringindo-o apenas ao trabalho forçado com o cerceamento da liberdade de ir e vir. Permite, além disso a jornada exaustiva e condições degradantes, prejudicando assim a fiscalização, autuação, penalização e erradicação da escravidão por parte do Estado brasileiro.
A desumana Portaria é um retrocesso que, na prática, faz fechar os olhos dos órgãos competentes do Governo Federal que têm a função de coibir e fiscalizar esse crime contra a humanidade e insere-se na perversa lógica financista que tem determinado os rumos do nosso país. Essa lógica desconsidera que “o dinheiro é para servir e não para governar” (Evangelii Gaudium, 58). O trabalho escravo é, hoje, uma moeda corrente que coloca o capital acima da pessoa humana, buscando o lucro sem limite (cf. Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, 2014).
Nosso País no qual, por séculos, vigorou a chaga da escravidão de modo legalizado, tem o dever de repudiar qualquer retrocesso ou ameaça à dignidade e liberdade da pessoa humana. Reconhecendo a importância da decisão liminar no Supremo Tribunal Federal que suspende essa Portaria da Escravidão e somando-nos a inúmeras reações nacionais e internacionais, conclamamos a sociedade a dizer mais uma vez um não ao trabalho escravo.
Confiamos a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, a proteção de seus filhos e filhas, particularmente os mais pobres.
Brasília, 26 de outubro de 2017
Cardeal Sergio da Rocha/ Presidente
Dom Murilo S. Krieger / Vice-Presidente
Dom Leonardo U. Steiner / Secretário-Geral
Nota do Grupo de Estudos e Pesquisas para o Trabalho/UnB.
TRABALHO ESCRAVO, NÃO!
Nós, os participantes do Grupo de Estudos e Pesquisas para o Trabalho (GEPT/UnB), nos solidarizamos com entidades e movimentos do país e do exterior que se opõem a restrições dos conceitos de trabalho escravo, a inibição da autonomia das entidades responsáveis pela fiscalização das condições de trabalho, a obstaculização a processos de responsabilização pelo emprego de trabalho escravo e a facilitação aos empregadores de mãos sujas de escapar da divulgação pública de seus nomes.
Tais retrocessos fazem parte da Portaria 1.129/2017 do Ministério do Trabalho e Emprego, que embora restrita a aquele ministério, ainda assim exerce forte impacto sobre as relações de trabalho no país.
Efeitos negativos da restrição de conceitos ficam patentes na averiguação da jornada exaustiva como "submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria". Se aplicado este conceito "restritivo', provavelmente metade dos casos incluídos na categoria 'jornada exaustiva' descritos no recente trabalho intitulado “Não somos escravos!”cairia fora da aplicação do conceito, conforme definido pela portaria. Ela afrouxa as regras para o emprego do trabalho escravo.
Ela inibe ainda a autonomia dos servidores públicos encarregados da averiguação da aplicação da lei. Assim se o processo não contiver todas as "fotos", ou a descrição "detalhada" do fato, ou ainda a "ausência de quaisquer documentos", entre outras exigências incabíveis, "implicará na devolução do processo" a sua origem, onde tudo recomeça.
O governo golpista pretende compactuar com os escravagistas e precarizar o trabalho no Brasil.
Assumimos posição pela imediata revogação da portaria, compartilhando com entidades que combatem o trabalho escravo, desde quando instituído no Brasil.
Aproveitamos para apoiar paralisação decretada pelos auditores fiscais do trabalho por causa deste retrocesso administrativo.
Brasília, 24 de outubro de 2017
Grupo de Estudos e Pesquisas para o Trabalho/UnB.