Trabalho escravo contemporâneo EXISTE


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
24/06/2016



Sobre a matéria “O mito do trabalho análogo à escravidão” publicada pela coluna O Caçador de Mitos, do jornalista Leandro Narloch, na Veja.com,  o Sinait tem a esclarecer: 


Que a escravidão contemporânea se dá na área urbana, em atividades terciárias como construção civil e indústria têxtil - a exemplo do caso ocorrido em oficinas de costuras de São Paulo (SP), relatado na matéria -, como também na área rural, na pecuária, agricultura, carvoarias e madeireiras, e em locais que jamais se imaginaria a exploração de mão de obra, a exemplo de luxuosos cruzeiros marítimos. 


Em geral, nas oficinas de costura, construção civil, e na área rural, as vítimas são trabalhadores analfabetos ou com baixa educação formal, têm pouca noção de direitos humanos e trabalhistas, além de perspectivas sociais limitadas. Muitas vezes, são imigrantes em situação irregular. Mas nos cruzeiros marítimos são pessoas com nível superior que falam mais de uma língua e mesmo instruídas são alvo deste tipo de crime por meio de jornadas exaustivas e condições degradantes. 


Segundo o Código Penal Brasileiro, é considerado trabalho escravo qualquer atividade cujas condições do trabalhador atentem contra a dignidade humana. De acordo com o artigo 149 do Código, é crime submeter o trabalhador a condições degradantes, jornada exaustiva, servidão por dívida ou qualquer tipo de trabalho forçado. 


“Art 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador”. 


O texto da lei ampara bem os trabalhadores brasileiros: não é um conceito frágil ou abrangente demais. Além disso, a Organização Internacional do Trabalho e o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas consideram boa a definição usada pelo Brasil. 


Reforça o aparato legal relativo ao tema o fato de que a Declaração Universal de Direitos Humanos e a Constituição Federal contêm artigos que repudiam o trabalho em condições análogas à escravidão, direta ou indiretamente. Na Constituição Federal Brasileira, o artigo 1º garante a dignidade da pessoa humana e no artigo 5º diz que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. 


No caso relatado pela Veja, a fiscalização encontrou, além das irregularidades trabalhistas, condições insalubres, jornada exaustiva e trabalho infantil. O lugar e a forma de escravizar podem mudar de um local para outro, mas a essência é a mesma, reduzir o ser humano a condições degradantes/desumanas. 


Apesar de o Brasil ter políticas públicas de combate ao trabalho escravo reconhecidas internacionalmente, muito ainda precisa ser feito. A erradicação do trabalho escravo demanda políticas públicas sociais que garantam educação formal e cidadã, qualificação profissional e habitação, por exemplo. Se o trabalhador libertado voltar para a mesma situação de miséria em que se encontrava antes, tem altas chances de entrar de novo no ciclo do trabalho escravo. 


Ao contrário do que afirma a Veja, os Auditores-Fiscais do Trabalho se preocupam com esta situação e atuam para preencher esta lacuna deixada pelo Estado por meio do Movimento Ação Integrada (MAI). A iniciativa insere trabalhadores egressos da escravidão como os vulneráveis em programas de alfabetização e qualificação. O projeto piloto foi implantado em Mato Grosso, em 2012, pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego local e está se espalhando pelo país. 


O Sinait integra o MAI, assim como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Secretaria de Direitos Humanos (SDH). 


Atualmente, o Movimento está presente nos estados de Mato Grosso, Bahia, Rio de Janeiro e na região do Bico do Papagaio, que abrange comunidades no Pará, Maranhão e Tocantins, além do Piauí. 


A estruturação do Instituto Ação Integrada (INAI) destinado a apoiar tecnicamente as iniciativas de combate ao trabalho escravo, além de promover a captação de recursos financeiros que possam fomentar as iniciativas do MAI já está sendo discutida. Em breve o Instituto será criado. 


Para o Sinait, se o conceito de trabalho escravo for modificado como querem alguns congressistas, e pelo visto alguns jornalistas como o que fez a matéria publicada pela Veja.com, o Brasil pode caminhar para um retrocesso. 


Dados estatísticos da Fiscalização do Trabalho revelam que o número de trabalhadores submetidos a estas práticas ainda é alto e, a despeito da legislação existente, tem crescido nos centros urbanos. Em 2014, pela primeira vez, o número de trabalhadores libertados em áreas urbanas foi maior do que aqueles libertados em áreas rurais. 


Em 1995, o Brasil se tornou um dos primeiros países do mundo a reconhecer a existência de trabalho escravo. Desde então, até 2015, mais de 50 mil trabalhadores em condições análogas às de escarvo, foram resgatados pelos Auditores-Fiscais Trabalho. No entanto, em 2016, não há sequer um responsável pelos crimes preso. Nenhum dos poucos condenados cumpriu pena até o fim. 


Em tese, a pena para quem submete trabalhadores a condições análogas à escravidão no Brasil é de dois a oito anos de reclusão, e multa, além da pena correspondente a violência praticada contra os indivíduos, se houver. 


Caso de SP – Além dos cinco trabalhadores bolivianos em condições precárias, os Auditores-Fiscais encontraram uma adolescente de 14 anos trabalhando na oficina. Ela não poderia trabalhar porque a costura é uma das atividades econômicas em que é proibida a contratação de trabalhadores menores de 18 anos. O trabalho com instrumentos perfurantes, como a máquina de costura, está entre “as piores formas de trabalho infantil”, que o Brasil se comprometeu a eliminar até 2016. 


Outras duas crianças moravam com as mães, que passavam quase todo o tempo sobre as máquinas de costura. A demanda das crianças por cuidados agravava os riscos de acidente em um trabalho que exige concentração e em um ambiente onde as máquinas não tem nenhum tipo de isolamento. 


O forte odor também escancarava as condições precárias de higiene do local. A ausência de papel higiênico, colchões dentro da cozinha e a falta de limpeza   também agravavam a insalubridade. 


“As condições de segurança e saúde eram inexistentes, tanto nos locais de trabalho, como nos locais de moradia”, disse Lívia Ferreira, Auditora- Fiscal que coordenou a fiscalização. 


Na oficina também não havia extintores, mesmo com instalações elétricas precárias e improvisadas, além de várias peças de tecidos espalhadas pelo chão, formando um cenário de fácil combustão e propício a incêndio. 


Trabalho escravo em cruzeiros – A violação contra os direitos humanos desses trabalhadores é constatada pelos maus tratos a que estão submetidos. Em geral, eles laboram sob jornadas exaustivas; sofrem assédio moral e sexual; discriminação racial e xenofobia. Além disso, as condições precárias de alojamento, alimentação e assistência médica também causam graves prejuízos à saúde física e mental desses tripulantes. Em alguns casos levam à morte. Vários são os relatos de trabalho exaustivo em cruzeiros marítimos. Muitos são os casos de trabalhadores que aparecem mortos e outros simplesmente desaparecem dos navios. Nos dois casos, os patrões os acusam de terem cometido suicídio. 


Relatos de vítimas e das próprias autoridades, a exemplo dos relatórios da fiscalização trabalhista, revelam ambientes perversos e degradantes nos navios de cruzeiros luxuosos. As principais vítimas são jovens tripulantes de países asiáticos e latino-americanos, entre estes, muitos brasileiros.  


Na cidade, no campo ou em navios, infelizmente muitos trabalhadores ainda são acomodados em senzalas ‘modernas’, mascaradas de alojamentos. Se todas as denúncias fossem fiscalizadas a quantidade de trabalhadores resgatados seria muito maior. Se os Auditores-Fiscais não estivessem com o quadro mais defasado dos últimos 20 anos, com pouco mais 2.400 servidores para dar conta da fiscalização de todo o país, com certeza os casos de trabalho escravo seriam muito mais.

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