Redução da jornada - dois artigos versam sobre o tema


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
29/03/2010



29-3-2010 – SINAIT


 


A redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais está em debate no país, colocando em campos opostos os trabalhadores e os empresários. Por um lado, os trabalhadores e instituições ligadas a entidades sindicais defendem a medida para a geração de mais empregos, melhorar a distribuição de renda e a qualidade de vida. Por outro, os empresários rejeitam a redução, alegando aumento do custo da produção. No Congresso Nacional, onde os dois segmentos estão representados, o debate é caloroso e a matéria já tramita há 15 anos, ainda sem consenso.


 


Leia, a seguir, dois artigos que falam sobre o tema:


 


26-3-2010 – DIAP


Opinião - Reduzir jornada para gerar empregos


Denise Motta Dau - Assistente social e mestre em saúde coletiva do trabalho, é secretária de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e organizadora do livro Terceirização no Brasil: do discurso da inovação à precarização do trabalho. Publicado originalmente no Correio Braziliense (22)



A busca pelo controle e redução da jornada de trabalho é tema universal que remonta aos primórdios do capitalismo. Sempre presente na agenda da classe trabalhadora, é centro de disputa entre patrões e empregados pelo controle do tempo gasto na produção de bens e serviços.


Enquanto o capital deseja ampliar o tempo de trabalho visando aumento do lucro, os trabalhadores buscam apropriar-se desse tempo para exercer a vida plena, para que o trabalho faça parte da vida sem exploração.


No século 19, o objetivo da redução da carga horária visava à melhoria na qualidade de vida ou seja, mais tempo livre. Já no final do século 20, o princípio passou a ser instrumento de geração desemprego, para além da qualidade de vida. Neste momento, segundo o Dieese, a redução da jornada, além de significar mais qualidade de vida e geração de mais de 2 milhões de postos de trabalho, é também fator de distribuição de renda.


Hoje a introdução de novas tecnologias exige do trabalhador mais tempo ao trabalho, impondo limites na vida privada, familiar e de lazer, apesar do avanço tecnológico. Nesse processo, algumas conclusões:


1) Se o desenvolvimento tecnológico é um bem social,deveria ser usado em prol da sociedade e não ser apropriado somente por parte dela;


2) a introdução das novas tecnologias deveria ter o papel de diminuir o peso do trabalho sobre os empregados, deixando mais tempo livre para o seu desenvolvimento, intelectual e humano;


3) toda a sociedade seria beneficiada, pois homens, mulheres e jovens teriam mais saúde e muito mais qualidade de vida, além do aumento na oferta de empregos.


A retomada da luta pela redução da jornada de trabalho completa nove anos. De lá para cá, tivemos duas eleições (2002 e 2006), além de pleitos municipais e muitos debates, mas ainda não houve sequer alteração no texto da Constituição sobre o tema. Não se pode mais adiar a votação da proposta no Congresso Nacional.


Muito menos aceitar argumentos parciais e simplistas que dizem que as empresas não podem suportar os custos com a redução da jornada de trabalho. Podem e devem, pois todos ganham. De acordo com estudos técnicos do Dieese, a redução de quatro horas diárias na jornada traria custos adicionais mínimos para as empresas (1,99%), custos facilmente absorvidos pela produção e pelos lucros multiplicados, justamente por causa da geração de novos postos de trabalho.


Infelizmente a jornada só cresce no Brasil, tornando-se, em muitos setores, algo insuportável. Hoje são frequentes as doenças causadas pelo excesso de trabalho estresse, depressão e lesões oriundas de me tas inalcançáveis, quando a competitividade entre os trabalhadores se tornou fonte inesgotável de lucro para muitas empresas.


A CUT acredita que é possível mudar esse quadro. Defende a aprovação imediata dos projetos de emenda constitucional que reduzam a jornada de trabalho para 40 horas semanais (PEC 231/95 e PEC 393/01).


Além disso, apresentou ao Congresso proposta que restringe o uso da hora extra, aumentando o valor do seu percentual de remuneração de 50% para 75% da hora normal. Para a CUT, é fundamental aliar redução de jornada com severos limites no uso de horas extras.


As empresas não podem continuar utilizando a eventualidade da hora extra de forma abusiva. Desse jeito, os trabalhadores serão cada vez mais reféns desse instrumento, um paliativo disfarçado de complemento de renda.


Dados do Ministério do Trabalho e Emprego, publicados recentemente pelo Correio Braziliense, bem mostram que R$ 20,3 bilhões em horas extras podem não estar sendo pagos anualmente aos trabalhadores, já que não são computados pelas empresas. É evidente que isso é prejuízo não só aos empregados, que trabalham e não recebem, mas aos cofres da Previdência Social e do FGTS, sem contar os cerca de 900 mil empregos que deixam de ser gerados no país.


É hora de mudar. O Brasil tem uma das jornadas de trabalho mais longas do planeta, o que lhe garante um dos últimos lugares quando o assunto é o valor da hora paga. A constatação nos desafia a repensar com seriedade o real valor da mão de obra no país. É por isso que as centrais sindicais lutam para que a jornada e o uso de horas extras tenham limites garantidos na Carta Maior, pois ambas versam sobre a universalidade da classe trabalhadora e a garantia de seus direitos.


 


 


26-3-2010 – Valor Econômico


Opinião - Emprego e direitos humanos


Fernando Mansor de Mattos - professor na Universidade Federal Fluminense (UFF); bolsista no IPEA


 


"Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego" (Artigo XXIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos; 1948)


O destaque dado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo XXIII à questão do Emprego parece cada vez mais atual, dada a devastação que a crise econômica internacional recente promoveu sobre os mercados de trabalho de todos os países do mundo.


A inclusão da questão do Emprego na Declaração, em 1948, refletia as preocupações com a crise social que se seguiu ao encerramento da segunda guerra. Naquele contexto, era consensual que a reorganização do sistema financeiro internacional deveria legar aos Estados Nacionais maior raio de manobra na condução de políticas econômicas, com o objetivo de pleno emprego assumindo um papel central.


No caso dos chamados países em desenvolvimento, a atuação dos Estados Nacionais foi decisiva para impulsionar o desenvolvimento industrial, seja por meio de uma atuação direta na produção seja na formulação de políticas econômicas que destinadas a estimular a instalação e crescimento de novos setores industriais.


Nos países desenvolvidos europeus, os Estados Nacionais atuaram na reconstrução do pós-guerra e, posteriormente, na constituição do "estado de bem-estar social" (welfare state) - o que simbolizaria o que de mais próximo já se atingiu, historicamente, ao artigo XXIII da Declaração. A ação do Estado definiu um padrão de regulação das relações sociais e de trabalho que deixava de lado a ideia antecessora de que o Estado deveria abrir mão de interferir no "livre funcionamento dos mercados".


A partir do último quarto do século XX, porém, o Capitalismo passou por transformações que conduziram a uma ruptura do sistema financeiro internacional constituído no pós-guerra, o que determinou uma nova postura das autoridades econômicas dos países desenvolvidos em relação ao padrão de intervenção estatal na economia.


Desde pelo menos meados dos anos 1970, instaurou-se um processo de relativo desmonte dos sistemas nacionais de bem-estar social, que culminou com um ataque aos direitos trabalhistas e sociais. Nos países da periferia do capitalismo, o cenário internacional dominado por um sistema financeiro internacional a partir de então marcado por uma crescente desregulamentação dos fluxos de capitais ampliou as dificuldades para a execução de políticas econômicas focadas no pleno emprego. A partir dos anos 1980, na maioria dos países, a produção e o emprego cresceram em ritmos bem menores do que nas décadas anteriores. As notórias exceções (China, Índia, e mais alguns países asiáticos) ficaram por conta justamente dos países que se negaram a aderir ao Consenso de Washington.


A contra-revolução neoliberal inaugurou uma fase em que a acumulação de capital ocorreu na forma predominantemente financeira, com efeitos nefastos sobre a decisão de investir na produção, que passou a ser constantemente cotejada pela possibilidade de se obter ganhos rápidos e muitas vezes extraordinários na esfera de valorização financeira. É por esse motivo, basicamente, que o emprego sofreu, nas últimas décadas, as agruras já sobejamente conhecidas pelos analistas sociais e pelos trabalhadores. O discurso neoliberal e seu "pacote" de valores éticos se encarregaram de encontrar outras explicações, todas voltadas, no limite, a culpabilizar os próprios indivíduos pelos seus infortúnios. A degradação do Trabalho e, portanto, o afastamento da realidade do chamado Mundo do Trabalho em relação ao que fora definido na declaração dos direitos humanos foi maior ainda nos países do Terceiro Mundo.


Num país como o Brasil, em que, historicamente, se combinaram situações adversas de alto desemprego com ausência de um sistema de proteção ao desempregado e de proteção social em modo mais amplo, os desafios para cumprir o que se determina na declaração são muitos. A recente formalização do mercado de trabalho brasileiro, ocorrida a partir de 2004, interrompida pela crise, mas já retomada, representa um passo decisivo, mas ainda insuficiente, para ampliar o acesso aos Direitos Sociais e Trabalhistas. É preciso consolidar política e institucionalmente as conquistas sociais já obtidas (entre as quais se incluem os mecanismos de transferência de renda a famílias mais pobres) e avançar em formas de regulação do mercado de trabalho de tal forma que os ganhos de produtividade advindos das transformações que serão promovidas pelo pré-sal e pelos investimentos em infraestrutura sejam repartidos de forma mais equânime dentro da sociedade. Redução da jornada de trabalho sem redução do salário, por exemplo, conforme ensina a história do capitalismo, representa elemento essencial para promover transformações virtuosas no perfil distributivo e na geração de empregos. Um contínuo aumento do salário mínimo real também faz parte desse novo modelo que os defensores dos Direitos Humanos esperamos ver acontecer.


Do ponto de vista da elaboração da política econômica também são decisivos, para a questão do emprego, que se consiga conjugar um ambiente de juros reais mais baixos e câmbio mais afeito aos investimentos produtivos, especialmente no setor exportador. Por fim é preciso que o Brasil continue na trilha recente de uma inserção mais soberana no cenário político internacional, buscando ampliar mercados para empresas brasileiras e gerar conhecimento científico e tecnológico que nos permitiriam ampliar continuamente os ganhos de produtividade advindos dos novos setores produtivos a serem desenvolvidos.


De todo modo, é importante destacar que o raio de manobra para que os diversos países possam adotar políticas econômicas mais focadas nos objetivos relacionados à ampliação do emprego e da melhoria das condições de trabalho depende de como o sistema financeiro internacional vai ser reformatado.


 

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