Zara é autuada por descumprir acordo de melhorar condições de trabalho nas oficinas de costura


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
11/05/2015



Desde 2011, quando Auditores-Fiscais do Trabalho flagraram pela primeira vez trabalho escravo na cadeia produtiva da Zara, a empresa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC e comprometeu-se a melhorar as condições de trabalho nas oficinas de costura. A Zara faria isso por meio de auditorias cujos relatórios deveriam ser levados ao conhecimento do Ministério do Trabalho e Emprego. 


A empresa, de fato, realizou auditorias, mas usou este expediente não para exigir dos fornecedores o cumprimento da lei e melhores condições de trabalho, mas para banir de sua cadeia produtiva as oficinas de estrangeiros e que empregavam estrangeiros. Além disso, enquanto relatórios da Zara apontavam que tudo ia bem nas oficinas de costura, os Auditores-Fiscais constataram várias irregularidades nos mesmos locais de trabalho, configurando uma contradição que foi investigada. A Zara também mudou parte de sua produção para o Estado de Santa Catarina, na tentativa de fugir da fiscalização que, em São Paulo, fechava o cerco sobre ela. 


A fraude foi descoberta. Uma ação que envolveu cerca de 40 Auditores-Fiscais do Trabalho, entre agosto de 2014 e abril de 2015, conseguiu comprovar o descumprimento do TAC e a prática da discriminação contra os trabalhadores estrangeiros. Os dados já foram enviados ao Ministério Público do Trabalho e poderão resultar numa multa de R$ 25 milhões de reais. Em 83 ações fiscais, os Auditores-Fiscais constataram aumento de acidentes de trabalho, trabalho infantil, ambientes de trabalho degradantes, fraudes na marcação da jornada de trabalho e jornadas excessivas, sonegação do FGTS, entre outras irregularidades. 


A Zara nega as acusações. 


A notícia, desde o fim de semana, tem sido amplamente divulgada pela mídia. 


Abaixo, leia matérias da Folha de São Paulo e da Repórter Brasil. 


11-5-2015 – Folha de São Paulo


Fiscalização autua gigante do vestuário 


Zara é multada sob o argumento de descumprir compromisso de aperfeiçoar condições de trabalho em fornecedores


Empresa nega irregularidades e recorre da autuações; Ministério do Trabalho quer cobrar R$ 25 mi 


CLAUDIA ROLLI DE SÃO PAULO 


A Zara, uma das maiores empresas do setor têxtil do mundo, foi autuada pela fiscalização do Trabalho em São Paulo sob o argumento de descumprir compromisso assinado em 2011 para aperfeiçoar as condições de trabalho, segurança e saúde na sua cadeia de fornecedores e terceiros. 


O termo de ajustamento de conduta (TAC) foi feito após fiscais constatarem que uma fornecedora da Zara havia subcontratado uma oficina que utilizou imigrantes bolivianos e peruanos submetidos a condições degradantes de trabalho para fabricar roupas para a marca. 


Duas multas foram entregues à rede em abril, no valor de R$ 840 mil. A Zara diz que recorreu (leia abaixo).


A maior delas foi aplicada por discriminação: os fiscais entenderam que a rede excluiu de sua cadeia oficinas que empregavam estrangeiros. O MTE (Ministério do Trabalho) também encaminhou pedido ao Ministério Público do Trabalho para executar na Justiça a cobrança de R$ 25 milhões por descumprimento do acordo (TAC). O órgão não se pronunciou ainda e analisa o caso, apurou a Folha


"A ação de execução do MPT deve confirmar o valor. Foi calculado considerando 7.071 trabalhadores prejudicados em 67 empresas da cadeia, fiscalizadas no país", diz Renato Bignami, coordenador do MTE em São Paulo. 


Para chegar à conclusão de não cumprimento do TAC, uma auditoria com 40 fiscais do órgão e da Receita Federal de SP e SC, para onde a rede mudou parte de sua produção, foi realizada entre agosto e abril deste ano. 


"A Zara tirou sua produção de São Paulo e levou parte para Santa Catarina, depois de a fiscalização apertar. A empresa pode ter doado R$ 7 milhões para construir o centro do imigrante paulista, mas não cumpriu a obrigação de melhorar a cadeia", diz o superintendente do Ministério do Trabalho em São Paulo, Luiz Antonio de Medeiros. 


Os fiscais citam 433 irregularidades em 83 inspeções feitas nessas empresas. Dizem ter encontrado evidências de aumento de acidentes de trabalho, não cumprimento de direitos como depósito do FGTS, atraso de salário e fraudes na marcação de ponto. 


"Os acidentes passaram de 73 em 2012 para 84 no ano passado. Só em SP foram ajuizadas 322 ações em três anos por trabalhadores dessa cadeia", diz Sergio Aoki, um dos fiscais que coordenaram a auditoria. "Se a empresa tivesse cumprido o TAC, detectado esses problemas nas auditorias externas que se comprometeu a fazer, os números não seriam esses." 


Segundo o relatório, em uma oficina em São Paulo e no alojamento foram encontradas "péssimas condições de trabalho, comida estragada e baratas". Essa oficina foi alvo de operação em 2014, quando os fiscais verificaram a fabricação de peças para a Lojas Renner. A empresa não firmou TAC e informou que as irregularidades foram responsabilidade de confecção que prestava serviço para ela. 


"Encontramos documentos que mostraram que a Zara usou essa mesma oficina em 2013 para fabricar 8.450 camisas e calças. Mas não relatou irregularidades em suas auditorias", diz Bignani. 


9-5-2015 – Repórter Brasil


Zara corta oficinas de imigrantes e será multada por discriminação 


André Campos 


Nos últimos três anos, a Zara Brasil trabalhou para evitar novos casos de trabalho escravo na confecção de suas roupas. Uma das ações foi eliminar empresas com imigrantes latino-americanos da sua rede de fornecedores. Como eles são as principais vítimas de trabalho escravo no setor, cortá-los parece ter sido a solução mais fácil para proteger a imagem da marca. Foi essa, pelo menos, a constatação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que autuou a multinacional por discriminação. A multa foi de R$ 838 mil. 


Em 2011, a Zara Brasil foi implicada num flagrante de escravidão envolvendo 15 bolivianos e peruanos, libertados pelo governo federal em oficinas de costura na capital paulista. Após o escândalo, a empresa assinou um acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e com o MTE. Nele se comprometeu a realizar auditorias privadas em sua rede de fabricantes para sanar irregularidades trabalhistas impostas a brasileiros e, principalmente, a estrangeiros como bolivianos e peruanos – as principais vítimas de trabalho escravo no setor. 


Mas, na avaliação do Ministério do Trabalho, a empresa descumpriu reiteradamente essas obrigações. A Zara não detectou ou corrigiu problemas graves que continuaram ocorrendo na sua rede, como trabalho infantil e jornadas excessivas. Além disso, a empresa teria desviado a finalidade das auditorias internas: ao invés de aperfeiçoar as condições dos fornecedores, valeu-se delas para mapear e excluir as oficinas de costura que empregam imigrantes – independentemente de elas estarem ou não descumprindo a lei. A auditoria aponta que a multinacional usou o novo controle interno prioritariamente para a eliminação de riscos à sua imagem. 


As consequências dessa prática discriminatória incluem a perda do emprego para diversos imigrantes cujas oficinas em que trabalhavam fecharam as portas após cortarem laços com a Zara. O órgão federal contabilizou 31 fornecedores, em parte pertencentes a donos também estrangeiros, que tiveram a saúde financeira comprometida quando deixaram a rede de abastecimento da varejista. Muitos teriam interrompido a produção sem quitar suas dívidas com os trabalhadores. 


“A conduta da Zara é muito grave e demanda uma punição rigorosa”, afirma Luiz Antônio de Medeiros, Superintendente Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo. Para ele, as práticas corporativas da multinacional são contraditórias com as políticas sociais anunciadas pela empresa. Após o caso de trabalho escravo que atingiu a marca em 2011, a Zara Brasil – que pertence ao grupo espanhol Inditex, maior varejista global de moda em número de lojas – anunciou diversos investimentos para beneficiar a comunidade de latino-americanos em São Paulo. Entre eles, a doação de R$ 6 milhões para a criação do Centro de Integração da Cidadania do Imigrante (CIC), um projeto do governo estadual para facilitar a regularização migratória de estrangeiros residentes no estado. 


A sombra da escravidão - Ainda segundo a auditoria, em 2013, quando a exclusão de oficinas de imigrantes ainda não estava completa, 8 mil peças da Zara foram manufaturadas em uma rede de oficinas posteriormente flagradas com trabalho escravo. 


O caso veio à tona em novembro de 2014, quando auditores do trabalho resgataram 37 pessoas submetidas à escravidão em duas oficinas gerenciadas por uma empresária também de origem boliviana. Na ocasião, a Zara já não mantinha mais relações comerciais com os empreendimentos do grupo. A produção era destinada à varejista Renner, que foi responsabilizada pela situação. 


A Repórter Brasil conversou com dois dos bolivianos resgatados e eles afirmam que as condições impostas aos costureiros em 2013, quando ainda produziam peças da Zara, eram similares às da época do flagrante de trabalho escravo. Mas, como a auditoria ocorreu após o fim do relacionamento entre o grupo de oficinas e a multinacional, a Zara não foi responsabilizada. Os bolivianos relatam que trabalhavam das 6 às 21 horas, seus pontos eram fraudados, eles sofriam ameaças do supervisor, seus salários eram retidos e havia adolescentes trabalhando. 


Leia o relato dos trabalhadores: “A dona ficava com nosso salário” 


Esses problemas não só foram ignorados pelo controle interno da Zara, como os relatórios de auditorias internas numa dessas oficinas eram altamente positivos. “A oficina recebeu da auditoria social a nota máxima prevista quanto à ausência de ocorrências de trabalho forçado, trabalho infantil, discriminação, atentados à liberdade de associação e negociação coletiva, tratamento áspero ou desumano, não pagamento de salários e excesso de jornada de trabalho”, descreve relatório de fiscalização do Ministério do Trabalho. 


Controle interno ignorou acidentes e fraudes – Enquanto as auditorias internas apontavam ambientes saudáveis, a auditoria do Ministério do Trabalho identificou uma série de problemas trabalhistas nas empresas que confeccionam as roupas da Zara. Foram auditados 67 de seus fornecedores diretos e subcontratados, e o resultado impressiona: a partir de julho de 2012, aproximadamente sete mil trabalhadores, segundo a fiscalização, foram prejudicados por algum tipo de irregularidade trabalhista que a empresa havia se comprometido a detectar e regularizar no acordo assinado com as autoridades brasileiras. O MTE avalia que as multas pelo descumprimento dessa prerrogativa podem chegar a R$ 25 milhões, cabendo ao Ministério Público do Trabalho acionar a empresa para o pagamento do valor.


Houve ainda um aumento no número de acidentes ou doenças ocupacionais registrados em sua cadeia produtiva. 


No total, 67 dos casos em três anos foram considerados graves, com o afastamento do funcionário por 30 dias ou mais. Eles incluem a mutilação de uma trabalhadora que perdeu o antebraço direito e três dedos da mão esquerda em maquinário têxtil posteriormente interditado pela fiscalização trabalhista. Constatou-se que o equipamento funcionava sem sistemas de segurança adequados. 


Os casos de jornada excessiva ou irregular, identificados em 22 empresas, incluem fraudes em sistemas de registro de ponto para viabilizar horas trabalhadas além do limite legal. O MTE identificou diversos episódios de funcionários submetidos a jornadas superiores a 16 horas diárias. Ou, ainda, sem poder gozar de ao menos um dia de descanso semanal, conforme determina a lei. 


Houve também o flagrante de trabalho infantil em uma tecelagem que empregava dois adolescentes, de 16 e 17 anos, em atividades insalubres. Além disso, das empresas auditadas, 34% possuíam débitos no pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). 


Resposta da empresa - Além de contestar os autos de infração, a multinacional diz que não intervêm no recrutamento dos empregados de companhias com as quais mantém relacionamento comercial. “A Zara é apenas mais um cliente entre muitos outros. Aceitar essa premissa (discriminação de imigrantes) seria aceitar que todas as empresas brasileiras contratantes desses fornecedores aplicam essa mesma alegada prática, visto que a produção para a Zara nessas fábricas é menos do que 15% do total”, coloca. 


A Inditex afirma ainda que o fornecedor posteriormente flagrado empregando mão de obra escrava foi submetido a rigorosos procedimentos de auditoria interna, sem que fossem constatadas quaisquer situações de trabalho que pudessem ser comparáveis à de um escravo. Segundo a varejista, “duvidar desse fato não afeta apenas a Zara, mas também as companhias especializadas (auditorias privadas) de reconhecido prestígio internacional que realizaram as auditorias sociais durante o período”. 


Em relação às demais violações de direitos trabalhistas identificadas pela fiscalização, a multinacional contesta a existência de trabalho infantil e as informações do Ministério do Trabalho relacionadas a funcionários sem carteira assinada. Diz ainda que, em casos de jornadas excessivas e débitos de FGTS, teriam sido implementadas, após auditorias internas, medidas corretivas em fornecedores. “Por meio desse trabalho, a Zara conseguiu eliminar qualquer possibilidade de emprego precário em sua cadeia produtiva”, atesta a Inditex. 


Leia na íntegra a resposta da Inditex, dona da Zara

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