O uso de agrotóxicos sem proteção e em excesso adoece e mata trabalhadores, além de contaminar alimentos que consumimos
Uma reportagem especial da agência Reuters, publicada no dia 2 de abril, mostra a realidade do uso de agrotóxicos no país. O Brasil superou os Estados Unidos como o maior importador de agrotóxicos em todo o mundo. Atualmente, o país é um mercado atrativo para substâncias proibidas ou que tiveram a produção suspensa em países desenvolvidos devido aos riscos que apresentam à saúde e ao meio ambiente. A matéria destaca o município de Limoeiro do Norte, no Vale do Jaguaribe (CE).
De acordo com a reportagem, pelo menos quatro grandes fabricantes de defensivos agrícolas – a norte-americana FMC Corp, a dinamarquesa Cheminova A/S, a alemã Helm AG e a suíça do agronegócio Syngenta AG – vendem em solo brasileiro produtos banidos em seus mercados domésticos.
Entre as substâncias vendidas no Brasil estão a Paraquat, que é rotulada como "altamente tóxica" por órgãos reguladores dos EUA. Tanto a Syngenta como a Helm estão autorizadas a vender o produto no mercado brasileiro.
As próprias agências reguladoras do Brasil alertam que o governo não foi capaz de garantir o uso seguro de agrotóxicos, como são conhecidos os herbicidas, inseticidas e fungicidas. Em 2013, um avião pulverizador lançou inseticida sobre uma escola em Goiás. O incidente, que causou vômitos e tontura em alunos e professores e levou mais de 30 pessoas ao hospital, ainda está sendo investigado.
“Não conseguimos acompanhar...”, admite Ana Maria Vekic, chefe de toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa. “Não temos o pessoal ou os recursos para o volume e a variedade de produtos que os fazendeiros querem usar.”
FMC, Cheminova e Syngenta afirmaram que os produtos que comercializam são seguros se usados adequadamente. A proibição em um país não significa que um agrotóxico deveria ser proibido em toda parte, argumentam, porque cada mercado tem necessidades diferentes para suas várias colheitas, pestes, doenças e climas. A Helm, sediada em Hamburgo, não respondeu aos pedidos de comentário.
“Não dá para comparar um país temperado”, explica Eduardo Daher, diretor-executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef). “Temos mais pragas, mais insetos e mais safras.”
Especialistas em saúde pública rejeitam a justificativa. “Não importa se as safras e os solos no Brasil são diferentes...”, afirma Victor Pelaez, engenheiro de alimentos e economista da Universidade Federal do Paraná. “As pessoas, a saúde do ser humano, são iguais no mundo todo. Veneno em um lugar é veneno em todos, no Brasil também.”
Violação as regulamentações nacionais
No ano passado, a Anvisa finalizou sua análise mais recente de resíduos de agrotóxicos em alimentos de todo o país. De 1.665 amostras coletadas, de arroz a cenoura e maçãs a pimentões, entre outros produtos, 29% apresentavam resíduos que excediam os níveis permitidos ou continham agrotóxicos sem aprovação.
Desde 2007, quando o Ministério da Saúde do Brasil começou a manter uma série de registros mais recentes, o número de casos relatados de intoxicação humana causada por agrotóxicos mais que dobrou – de 2.178 naquele ano passou para 4.537 em 2013. O número anual de mortes ligadas ao envenenamento por esses produtos subiu de 132 para 206.
Especialistas em saúde pública dizem que as cifras reais são maiores, porque o acompanhamento continua sendo incompleto.
Limoeiro do Norte
As pressões ficam claras em Limoeiro do Norte, município que fica a 197 km de Fortaleza (CE). O Estado era tudo menos um exemplo de fartura, mas a partir dos anos 1990 o Brasil criou um sistema de canais de irrigação na área e o plantio floresceu. E com ele o uso de agrotóxicos.
Em novembro, um tribunal federal manteve um veredicto que força a Fresh Del Monte Produce Inc., gigante global do mercado de frutas, a indenizar a viúva de um trabalhador que sofreu falência dos rins depois de manusear agrotóxicos regularmente. Em Limoeiro do Norte, um tribunal estadual está analisando as acusações contra um latifundiário acusado pela polícia de encomendar a morte de um ativista contrário ao uso de agrotóxicos.
“A região virou um grande laboratório para o pior da agricultura industrializada”, disse Raquel Rigotto, médica e socióloga da Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza. Raquel sustenta que sua equipe de pesquisa encontrou indícios de muitos agrotóxicos na água que sai de torneiras da região e uma taxa maior de mortes ali, ocasionadas por câncer, do que em cidades próximas com pouco plantio.
O mundo tem usufruído muito do boom de cultivo de alimentos no Brasil. A população deve crescer quase 30% ao longo das próximas três décadas, o que representa outros 2 bilhões de bocas para alimentar.
O crescente setor agrícola do Brasil será uma fonte crucial na alimentação. Mas em razão de sua luz solar equatorial, do clima e das plantações que vicejam o ano todo, o Brasil também é um terreno fértil para insetos, fungos e ervas daninhas – e os agricultores aplicam cada vez mais agrotóxicos para mantê-los sob controle.
Lobby poderoso
Em 2013, o último ano com números disponíveis, os produtores brasileiros compraram o equivalente a 10 bilhões de dólares, ou 20% do mercado global desses produtos. Desde 2008, a demanda do país aumentou 11% por ano, mais do que o dobro da média mundial.
Um fator que vem impedindo salvaguardas mais rígidas para os agrotóxicos é o lobby cada vez mais poderoso do setor agrícola do Brasil. Nas eleições do ano passado, o agronegócio só ficou atrás das empreiteiras nas doações de campanha para a reeleição da presidente Dilma Rousseff.
O Congresso Nacional contribui com sua parcela: aliviou as leis que proíbem plantações geneticamente modificadas e diminuiu os limites de desmate na Floresta Amazônica e em outras áreas florestadas. Parlamentares propuseram, ainda, leis para deixar a regulamentação dos agrotóxicos a cargo de uma única agência, em vez das leis atuais que dão poder à Anvisa e às pastas de Agricultura e Meio Ambiente.
Falta pessoal na Anvisa
Tome-se como exemplo o tempo que a Anvisa leva para avaliar um defensivo agrícola que um fabricante pretende vender no Brasil. Por lei, a agência deve analisar um novo produto químico em no máximo 120 dias, mas a Anvisa pode levar anos. Com uma equipe de menos de 50 cientistas, comparados com as centenas de agências dos EUA e da Europa, atualmente o organismo tem mais de mil agentes químicos aguardando verificação. Também pode levar anos para a entidade tirar produtos químicos perigosos do mercado.
Um esforço para reavaliar 14 agrotóxicos controversos usados no Brasil, a maior parte deles proibida em outras nações, está em seu sétimo ano, atrasado por ações civis de fabricantes e pela oposição de muitos legisladores. “Todo dia tem uma coisa para responder. Se não tem processo, tem audiência pública”, afirmou Ana Maria Vekic, da Anvisa.
Até agora, a reavaliação levou a proibições de quatro agrotóxicos somente. Em dezembro, a Anvisa declarou que iria proibir a parationa metílica, banida nos EUA e na Europa, mas a agência brasileira ainda não explicou quando ou como irá agir.
Como resultado, a dinamarquesa Cheminova, que vende a substância, “não mudou seus planos em relação aos negócios com este produto”, segundo o porta-voz Lars-Erik Pedersen, que acrescentou que a procura atualmente é alta por causa da peste de bicudo-do-algodoeiro no algodão. “Os fazendeiros o adoram”, afirma.
Trabalhadores doentes
O Furadan é um de muitos agrotóxicos usados em fazendas ao longo da Chapada do Apodi, região fértil no leste do Ceará. Foram construídos 40 quilômetros de canais com água bombeada do rio Jaguaribe, em que mais de 4.500 pessoas trabalham em campos de 324 propriedades. No entanto, pouco mais foi feito em termos de infraestrutura pública depois dos canais. Como resultado, muitos dos moradores da região obtêm água dos mesmos canais a céu aberto que irrigam as fazendas.
Os problemas começaram ainda em 2008. Funcionários e vizinhos das fazendas começaram a se queixar a autoridades da igreja local e a sindicatos de trabalhadores de coceiras depois de tomar banho, e que seus animais de fazenda estavam ficando doentes.
Em julho daquele ano, Vanderlei Matos da Silva, empregado de 31 anos da Fresh Del Monte, relatou dores de cabeça, febre, inchaço na barriga e olhos amarelados. Nos três anos anteriores ele trabalhou para a empresa armazenando um agrotóxico em um depósito da plantação de abacaxi.
O emprego, de acordo com documentos e depoimentos de colegas apresentados a um Tribunal Federal do Trabalho, incluía misturar produtos químicos e preparar os borrifadores dos trabalhadores que os aplicavam. Com frequência o ar deixava ele e seus colegas tontos. “A poeira dos agrotóxicos ficava no ar”, afirmou José Anaildo Silva da Costa, um dos trabalhadores. Outro deles, Francisco Ricardo Nobre, relatou que os administradores da plantação obrigavam os trabalhadores a esconder certos agrotóxico quando ficavam sabendo de uma inspeção iminente.
A Fresh Del Monte, sediada em Coral Gables, na Flórida, não quis comentar o caso.
'Altamente tóxico'
Um dos produtos, de acordo com as testemunhas, era o Paraquat. Herbicida que existe há décadas, o Paraquat foi proibido na União Europeia e teve seu uso restrito nos Estados Unidos. No Brasil, Syngenta, Helm e outras três companhias têm licença para vendê-lo. O Paraquat é “altamente tóxico”, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês). Entre outros males, segundo o CDC, causa insuficiência renal, cardíaca e hepática.
Ao menos parte do Paraquat vendido para a Fresh Del Monte durante a época em que Silva esteve empregado veio da Syngenta, segundo uma nota fiscal de venda obtida pelo Ministério Público do Trabalho e vista pela Reuters. A Syngenta não vai comentar o caso.
Em agosto, Silva já não conseguia mais trabalhar. Em outubro, foi atendido em uma clínica de Limoeiro e transferido três semanas depois para um hospital maior em Fortaleza. Ele morreu um mês depois, deixando um filho de 1 ano e uma viúva que começou uma batalha que já dura anos para receber pagamentos atrasados e indenizações da Fresh Del Monte.
A causa oficial da morte foi insuficiência renal e hepática e hemorragia digestiva. A Fresh Del Monte se negou a comentar a morte de Silva. No tribunal, os advogados da companhia alegaram que ele havia sido diagnosticado com uma forma viral de hepatite que não tinha relação com suas funções. O juiz rejeitou o argumento.
Perto dali, José Maria Filho, agricultor familiar da chapada, começou a se queixar às autoridades locais sobre os animais da fazenda e sobre as coceiras. Ele acusou os grandes latifundiários de usar agrotóxicos em excesso, especialmente com os aviões de pulverização, que espalhavam produtos químicos nos canais e em outras áreas adjacentes a terras de cultivo.
'Mexendo com gente grande'
“Tinha a língua comprida”, lembra Luiz Girão, criador de gado local e ex-parlamentar influente entre os fazendeiros da região.
José Maria Filho conseguiu fazer com que os cientistas liderados por Raquel Rigotto pesquisassem a água na região. Um estudo que conduziram no final de 2008 analisou amostras tiradas de 25 pontos ao longo dos canais e das torneiras de algumas casas.
O estudo investigou a presença de 22 agrotóxicos diferentes. Em cada amostra, os pesquisadores encontraram resíduos de pelo menos três dos compostos, e em alguns casos até 12. Os agricultores da área rejeitaram o estudo, argumentando que a pesquisa não determinou a concentração de cada agente químico na água, deixando assim de provar o quão tóxico seriam.
Ao longo de 2009, Filho continuou a se pronunciar. Ele compareceu a reuniões da Câmara Municipal de Limoeiro do Norte, e em novembro já tinha convencido um número suficiente de membros da Casa, apesar da oposição de grandes latifundiários a aprovarem uma proibição aos voos de pulverização. Alguns fazendeiros continuaram com as pulverizações mesmo assim.
No começo de 2010, Filho passou a tirar fotos e fazer vídeos de um avião decolando de um campo de voo local. Ele disse às pessoas de Limoeiro do Norte que estava coletando indícios sobre violações com agrotóxicos. Ele também passou a receber ameaças.
Morto a tiros
No dia 21 de abril, quando ia para casa através de plantações de banana, Filho foi atingido 25 vezes com uma pistola calibre 40. Um mês depois, o conselho da cidade revogou a proibição às pulverizações.
Após uma investigação de dois anos, a polícia acusou João Teixeira, um latifundiário, fazendeiro e empresário local que coordenava as pulverizações no planalto, de encomendar o assassinato. Por telefone, Teixeira declarou: “Nós não tivemos nada a ver.” Ele se recusou a discutir o assunto. Um juiz de Limoeiro deve decidir nos próximos meses se o caso irá a julgamento.
Nesse meio tempo, dois tribunais decidiram a favor de Gerlene Santos, a viúva de Vanderlei. Em 2013, uma corte de Limoeiro ordenou que a Fresh Del Monte pagasse indenizações no valor de 350 mil reais, e uma instância superior manteve a decisão.
Na chapada, as tensões permanecem. Uma placa de concreto do lado de fora da associação de fazendeiros está coberta de pichações de caveiras e frases como “Agrotóxico causa câncer”.
Agrotóxico causa câncer
Sobre provocar câncer, o Estado de São Paulo publicou no dia 8 de abril a matéria “Inca se posiciona pela 1ª vez pela redução do uso de agrotóxicos”.
Na matéria, o Instituto Nacional do Câncer – Inca recomendou no dia 8 de abril a redução progressiva de agrotóxicos nas plantações, diante das evidências de que a exposição aos pesticidas está ligada a casos de câncer.
O diretor do Sinait, Francisco Luís Lima, destaca que os agrotóxicos são usados de forma abusiva no país e levam ao adoecimento e morte dos trabalhadores. Segundo ele, o Brasil, além de ser o maior consumidor mundial de agrotóxicos, permite a venda indiscriminada de produtos que já foram ou estão sendo banidos da Europa. “São produtos agressivos que colocam em risco a saúde da população e do trabalhador brasileiro”.
Francisco Luís disse que há muitas dificuldades da fiscalização na área, já que não há controle e critérios para a venda dos produtos. Muitos problemas de saúde são causados aos trabalhadores, que muitas vezes não têm treinamento adequado e não utilizam equipamentos de segurança. O uso de agrotóxicos contamina alimentos e compromete o meio ambiente, a saúde do aplicador e da população em geral. Alimentos como pimentão, tomate e morango possuem percentual superior a 50% de contaminação. “Segundo a Anvisa, o uso de agrotóxicos não autorizados é responsável pela maior parte das irregularidades dos vegetais consumidos no Brasil”.
Com informações da Reuters e do Estado de São Paulo.