RJ: Auditores-Fiscais encontram trabalho escravo e tráfico de pessoas em obra da construtora MRV, em Macaé


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
12/12/2014



Alojamentos precários, jornadas exaustivas, servidão por dívida foram características encontradas pela fiscalização. É a quinta vez que a MRV é associada à prática de trabalho escravo 


Tráfico de pessoas, servidão por dívida e condições precárias de alojamento foram algumas das irregularidades detectadas por Auditores-Fiscais do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio de Janeiro – SRTE/RJ durante ação fiscal, em outubro deste ano, em obra da construtora MRV em Macaé, no Rio de Janeiro. Na ocasião, 108 operários contratados diretamente pela MRV e 10 de empresas terceirizadas foram resgatados pela fiscalização do trabalho. A MRV recebeu 17 autos de infração, e as empresas terceirizadas cinco. A construtora desembolsou R$ 327.982,51 em verbas rescisórias e as terceirizadas, reunidas, arcaram com R$ 23.415,64.   


De acordo com os Auditores-Fiscais da SRTE/RJ, esta é a quinta fiscalização feita por diferentes equipes desde fevereiro de 2011 em obras da MRV. Somando os cinco flagrantes, foram 203 pessoas resgatadas em quatro anos. As outras quatro intervenções aconteceram no Condomínio Beach Park Americana (SP), quanto 63 pessoas foram resgatadas em 2011; Residencial Parque Borghesi Bauru (SP), com cinco resgatados em 2011; Edifício Spazio Cosmopolitan Curitiba (PR), com 11 resgatados em 2011 e mais seis resgatados, em 2013, no Parque Fontana D’ Itália Contagem (MG).


Na ação fiscal de outubro, a força-tarefa considerou degradante a situação vivida pelos trabalhadores no alojamento fornecido pela construtora. As condições de higiene eram precárias e a alimentação insuficiente. Além disso, constataram as práticas de descontos ilegais nos pagamentos, servidão por dívida e tráfico de pessoas, uma vez que parte das vítimas foi recrutada por engenheiros da empresa em Alagoas, Maranhão, Piauí e Sergipe. 


De acordo com a Auditora-Fiscal Márcia Albernaz, que coordenou a fiscalização, “a moradia era ruim. Os sanitários, péssimos, com fezes escorrendo. Os trabalhadores tinham de tomar banho usando EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), como botas. O refeitório ficava em cima dos sanitários. O cheiro era insuportável. Ninguém consegue fazer sua refeição em um local cheirando a urina”. 


Márcia Albernaz explicou ainda que “havia problemas nos artigos de segurança, na alimentação… era um rol de irregularidades que afetava um conjunto grande de trabalhadores”. Condições degradantes e servidão por dívida figuram no artigo 149 do Código Penal como elementos que configuram a exploração de trabalho análogo à escravidão. Segundo placas afixadas em um dos condomínios que estava sendo erguido pela MRV, o empreendimento recebia recursos da Caixa Econômica Federal, no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida. 


Em função de dois flagrantes anteriores, a MRV chegou a ser incluída na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE. No entanto, liminares na Justiça impedem que a construtora siga figurando no cadastro, decisões criticadas pelo Ministério Público Federal - MPF, que emitiu parecer recomendando que a empresa seja reincluída na listagem. 


Em nota enviada à ONG Repórter Brasil, a construtora afirma que os locais de trabalho “obedecem rigorosamente as normas trabalhistas, com todos os salários e benefícios em dia” e que “refuta as afirmações de que trabalhadores tenham sido resgatados por se encontrarem em condições degradantes e por existirem servidões por dívidas”. (confira aqui a nota da MRV na íntegra) 


Histórico


A Auditora-Fiscal Márcia Albanez informou que a equipe de fiscalização da SRTE/RJ já havia visitado o local alguns meses antes, em julho, “mas a situação encontrada era diferente, pois havia menos trabalhadores alojados na obra e não havia indícios de tráfico de pessoas de outros estados”. Segundo Márcia, na ocasião “não foi constatado trabalho escravo, e as autuações trabalhistas se referiam a outras irregularidades”. 


No entanto, segundo a Auditora-Fiscal, “de lá para cá, o número de funcionários aumentou de 250 para 360. As instalações não foram capazes de acomodar a todos. Construíram um alojamento novo em contêineres, e o número de chuveiros e banheiros ficou abaixo da legislação. Com a quantidade de gente que havia usando tão poucos banheiros, houve o entupimento do sistema de escoamento de água e dejetos”. 


Este contexto foi registrado no relatório produzido pelos Auditores-Fiscais da SRTE/RJ que diz: “... em razão do aumento expressivo de laboristas (…) houve – por óbvio – uma falência de todo sistema hidráulico para escoamento de águas servidas e águas para banho e higiene íntima que colapsou pela superpopulação e má adaptação das cabines sanitárias vizinhas aos chuveiros”. 


Tráfico de pessoas


Na fiscalização de outubro, havia um total de 356 homens com vínculo empregatício direto com a MRV na obra. Destes, mais de 100 dormiam no local, em um alojamento conhecido como “Central”. Os Auditores-Fiscais apuraram que parte dos operários contratados entre as fiscalizações de julho e outubro foi vítima de aliciamento e tráfico de pessoas. 


Márcia Albernaz explica que engenheiros da MRV arregimentaram funcionários em Alagoas, Maranhão, Piauí e Sergipe. “Mandaram engenheiros para quatro Estados diferentes. Em vez de procurarem entidades e órgãos como Senai - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Ministério do Trabalho e o Sistema Nacional de Emprego - Sine, eles foram atrás de empresas de ‘gatização’, empresas sem idoneidade que cobravam dos trabalhadores por uma vaga de emprego”. 


Cada vaga custou de R$ 250 a R$ 360 aos trabalhadores, disse Márcia Albernaz. Além disso, durante a viagem de seus Estados de origem a Macaé, não tiveram os custos cobertos. “Alguns não receberam dinheiro para alimentação, outros receberam R$ 100. Do Maranhão até Macaé são três noites e quatro dias de viagem, esse valor é muito baixo. Alguns trabalhadores empenharam joias de família e chegaram endividados. Ficaram com a expectativa de serem reembolsados, mas não foram.” 


Irregularidades


De acordo com o relatório de fiscalização, a recepção dos empregados no canteiro de obras da MRV ficou caracterizada como “assenhoramento” moderno, ou servidão por dívida, pois o aliciamento havia sido feito com cobrança pelo emprego e falta de indenização com alimentação no traslado. 


Diz o documento: “As dívidas foram induzidas em razão da cobrança por transporte (deslocamentos pendulares e passagem de retorno), hospedagem e alimentação. Nesses casos, o cerceamento da liberdade dá-se tanto pela necessidade de pagar quanto pelo constrangimento pessoal do trabalhador, que se sente moralmente obrigado a quitar as dívidas com sua força de trabalho, ainda que ilegais, antes de deixar o empreendimento, o que, em face da relação entre os preços cobrados pelas mercadorias e o valor pago aos trabalhadores, acaba sendo impossível”. 


Jornadas exaustivas


A equipe de Auditores-Fiscais constatou, ainda, a prática de jornada exaustiva imposta a alguns operários. Um deles, por exemplo, trabalhou das 6h25 às 19h35 por um mês, de 16 de setembro a 15 de outubro de 2014. Outro entrava às 6 horas e saía às 19 horas em diversos dias, no mesmo período. 


Na maioria dos casos, porém, não foi possível averiguar qual era a jornada exercida, já que a MRV não teria apresentado documentação contendo controle dos horários. “Não havia a consignação dos horários de entradas, saídas e períodos para repouso ou alimentação efetivamente praticados, impossibilitando a comprovação documental da duração do trabalho realizado e, por consequência, a concreta aferição das horas laboradas pelo trabalhador. Assim, restou comprometida a verificação da regularidade da jornada e a concessão dos descansos legalmente previstos”, diz o relatório de fiscalização. 


Participaram da fiscalização os Auditores-Fiscais do Trabalho Márcia Albernaz, Fátima Cristina Chammas dos Santos, Jane Morgana Mar Passos, Hercules Ramos Terra e Olivar Pimentel Brandão pela SRTE/RJ; o procurador do Trabalho Marcelo José Fernandes, e os agentes Helencar Medeiros Cabral Vicente e Marcelo de Souza Guimarães, pela Polícia Rodoviária Federal. 


Imprensa


O resgate dos trabalhadores em Macaé foi assunto de nota do jornalista Ancelmo Gois em sua coluna no dia 5 de novembro:


“Liberdade, liberdade O Ministério do Trabalho resgatou mais de cem operários de um canteiro de obras do programa Minha Casa Minha Vida, em Macaé, no Norte Fluminense. Eles, que foram contratados no Nordeste pela empresa MRV, trabalhavam em condições análogas à escravidão.” 


Com informações da Repórter Brasil.

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