Casos do Paraná e de Rondônia foram mostrados em painel no Encontro, reforçando as parcerias entre MTE, MPT e Justiça do Trabalho
Um dos paineis apresentados na programação do 32º Encontro Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – Enafit foi a “Atuação Integrada entre Auditoria-Fiscal do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho: Ações Civis Públicas e as experiências do Paraná e de Rondônia”, que reuniu Auditores-Fiscais do Trabalho, procuradores do Trabalho e um juiz do Trabalho.
No Paraná, o caso ilustrado foi o que ficou conhecido como “Projeto Maiores Infratores”. O Auditor-Fiscal do Trabalho Ênio Bezerra Soares, os procuradores do Trabalho do Paraná Gláucio Araújo de Oliveira e Iros Reichmann Losso e o juiz do Trabalho Paulo Henrique Kretzchmar Conti relataram que a parceria, embora ainda não tenha sido institucionalizada, já rendeu resultados positivos. O ponto de partida é a compreensão do que cabe a cada agente e a cada instituição, além do conhecimento das competências de cada uma.
O juiz Paulo Henrique Conti, por exemplo, afirmou que a partir de uma diligência em uma madeireira, acompanhado por um Auditor-Fiscal, percebeu que precisava “treinar o olhar” e se preparar melhor para entender as exigências da lei e as irregularidades cometidas nos locais de trabalho. Passou a interagir com os Auditores-Fiscais para fazer justiça nos processos em que atuava.
Foi o caso identificado em Castro (PR), onde vários empregados de uma indústria alimentícia entravam com processos individuais alegando doenças ocupacionais. Na perícia não ficava caracterizado o nexo causal. Intrigado com a situação, o juiz pediu uma fiscalização em que ficou provado, ao final, que a cadência do trabalho provocava o adoecimento. O relatório dos Auditores-Fiscais mudou o julgamento nas ações e deu subsídio também para uma Ação Civil Pública do MPT.
A partir daí, em 2009, Conti propôs uma atuação conjunta, complementar. A Justiça do Trabalho e o MPT precisam dos elementos de prova fornecidos pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, que por sua vez, veem na Justiça e na procuradoria os instrumentos de punição e sanção efetiva às empresas infratoras. Assim, as instituições acertaram um Termo de Cooperação Técnica prevendo um sistema de alimentação e intercâmbio de dados, para que as informações não ficassem perdidas. A fragilidade do sistema é que o investimento, até agora, tem sido de indivíduos e não de instituições. Porém, para o juiz, a parceria já provou que é eficaz e dá certo.
Para o procurador Iros Losso, o MPT é o meio entre a ação fiscal e a Justiça do Trabalho. Os instrumentos que a instituição tem para efetivar a tutela coletiva dos direitos trabalhistas são o Termo de Ajustamento de Conduta - TAC, que é uma tentativa de conciliação, e a Ação Civil Pública - ACP, que é proposta a partir de uma denúncia, muitas vezes apresentada pelos Auditores-Fiscais, por meio dos relatórios das ações fiscais.
Ele contou que, num determinado momento, percebeu que os “clientes” das três instituições – MTE, MPT e Justiça do Trabalho – eram praticamente os mesmos, e que as reclamações também se repetiam. Foram identificados 156 grandes empregadores contra os quais incidiam centenas de processos, investigações e fiscalizações. Foi sobre esse universo que decidiram estabelecer a parceria e para estabelecer o nexo das infrações, o relatório detalhado e os autos de infração dos Auditores-Fiscais foram peças fundamentais para provar que a lesão é coletiva.
Dessa forma, a condenação judicial é praticamente certa e tem provocado um certo efeito pedagógico, fazendo com que as empresas se antecipem, corrigindo as irregularidades, pois percebem que as penas estão mais pesadas, as multas mais pesadas. Para Iros Losso, o resultado tem sido muito positivo.
Para o procurador-Chefe Gláucio Oliveira, o maior ganho do “Projeto Maiores Infratores” é que a lesão coletiva está ficando provada. O trabalho conjunto, para ele, mostra que nenhuma instituição tem mais poder do que a outra, todas têm fragilidades e dificuldades, que vão sendo contornadas na medida do possível. A parceria, embora não institucionalizada, dá certo por causa do empenho dos agentes públicos.
Ele fez, de público, o reconhecimento ao trabalho dos Auditores-Fiscais e disse saber de todas as dificuldades enfrentadas. Por essa razão, afirmou que busca alternativas para colaborar institucionalmente, por exemplo, oferecendo espaços na sede da procuradoria, com total autonomia, para a troca de informações e ideias entre Auditores-Fiscais e procuradores.
As angústias relatadas pelo juiz Paulo Conti e pelos procuradores Iros Losso e Gláucio Oliveira, são as mesmas dos Auditores-Fiscais do Trabalho, disse Ênio Bezerra, em razão das dificuldades de cada instituição. Ele questiona a efetividade dos instrumentos de todas as instituições – autos de infração, TACs, ACPs e decisões judiciais, no contexto de cada um deles isoladamente. O entendimento e a parceria, na opinião dele, é que potencializam os resultados.
O “Projeto Maiores Infratores” nasceu da observação de que determinadas empresas tinham um grande número de autos de infração, lavrados por Auditores-Fiscais diferentes. Apesar de tantas autuações, algumas empresas, reiteradamente, pagavam as multas sem contestação. Era um ciclo sem fim: denúncia – ação fiscal – autuação – pagamento – continuidade do descumprimento da legislação.
O projeto, para Ênio, foi o instrumento para realizar o que o juiz Paulo Conti sonhou: um trabalho envolvendo o Auditor-Fiscal, o procurador e o juiz, para que numa sequência de eventos conseguissem dar uma punição proporcional à capacidade econômica dos grupos empresariais.
O principal resultado é derrubar a argumentação das empresas de que as irregularidades constatadas são caso isolado. No caso de uma rede de supermercado fiscalizada, por exemplo, em todas as unidades havia o descumprimento da lei. Era padrão.
Os relatórios dos Auditores-Fiscais do Trabalho fazem uma radiografia para sensibilizar o juiz e o procurador de que estão lidando com uma empresa de grande porte, trazem a dimensão da atividade econômica, o número de empregados e de lojas, em que cidades estão, o histórico de ações fiscais e de autos de infração. Em muitos casos ficou comprovado que as empresas tiveram oportunidade de se redimir dos erros, mas não o fizeram, deliberadamente.
Um dos casos que tiveram repercussão foi o do Wallmart, em junho deste ano. O supermercado responde por 32% do total de empregos gerados no setor no Paraná e teve 17 unidades fiscalizadas. Em abril, pagou multa de R$ 4 milhões por diversas irregularidades trabalhistas. Os Auditores-Fiscais do Trabalho encontraram mais de cinco mil irregularidades no Grupo Walmart: 1.832 casos de prorrogação de jornada além do limite legal que atingiu 464 trabalhadores; 2.059 intervalos para alimentação não foram usufruídos por no mínimo uma hora, o que afetou 706 empregados, e 614 intervalos entre jornadas de trabalho foram inferiores a 11 horas, envolvendo 362 empregados.
Rondônia
O caso de Rondônia foi relatado pelo Auditor-Fiscal Juscelino Durgo e pelo procurador do Trabalho Ilan Fonseca.
Juscelino acredita no provérbio africano que diz que “pessoas, simples fazendo coisas pequenas em lugares pouco importantes conseguem fazer mudanças extraordinárias”. Disse isso para exemplificar que atitudes simples podem fazer uma enorme diferença, simplesmente porque alguma coisa foi feita. Ele disse saber do desânimo de Auditores-Fiscais do Trabalho em todo o país em razão da situação de sucateamento do Ministério do Trabalho e Emprego, mas afirmou ter fé e esperança.
Em Porto Velho, a mudança começou com um desembargador do Tribunal Regional do Trabalho, ex-Auditor-Fiscal do Trabalho, que o procurou para dizer que era preciso humanizar as decisões do TRT. Os assessores que elaboravam os relatórios conheciam pouco ou nada sobre segurança e saúde no trabalho. Isso fazia com que as defesas das empresas, por muitas vezes, prevalecessem sobre os relatórios dos Auditores-Fiscais e dos procuradores do Trabalho. O plano era aproximar a Escola do Judiciário da Auditoria-Fiscal do Trabalho, para capacitar os servidores da Justiça do Trabalho. A aproximação aconteceu, a capacitação foi viabilizada e o resultado foi que assessores e juízes agora entendem o que os relatórios dos Auditores-Fiscais dizem e comprovam. Uma cultura foi modificada e produz resultados também modificados.
Com os procuradores do Trabalho, segundo Juscelino, sempre houve uma relação próxima. É prática comum a troca de ideias entre Auditores-Fiscais e procuradores em Rondônia, há um diálogo franco sobre os limites da Auditoria-Fiscal para atender às demandas do MPT.
Foi essa interação que possibilitou o ingresso da ação que resultou no restabelecimento da competência de Auditores-Fiscais do Trabalho para realizar embargos e interdições em todo o país. A ação foi assinada por procuradores de vários Estados e a decisão de ingressar em Rondônia se deu justamente em razão da compreensão da Justiça do Trabalho naquele Estado sobre o papel dos Auditores-Fiscais. Um dos procuradores foi Ilan Fonseca, que também é ex-Auditor-Fiscal do Trabalho. O Sinait entrou como litisconsorte na ação, para a necessidade de intervir, o que, até o momento, não foi preciso fazer.
O procurador do Trabalho Ilan Fonseca contextualizou o cenário em que a ação impetrada em Rondônia foi construída, de forma coletiva e embasada em diversos fatos, como a denúncia feita pelo Sinait à Organização Internacional do Trabalho – OIT. Procuradores de vários Estados assinaram a peça judiciária. Juscelino Durgo ficou responsável por sondar a receptividade do TRT/RO. Na época do ingresso da ação, a imprensa foi acionada, o que ajudou a sensibilizar os desembargadores. O acompanhamento pessoal e a atuação dos procuradores, interpondo recursos sucessivos, garantiu o sucesso e a decisão favorável.
A parceria entre os Auditores-Fiscais do Trabalho, procuradores do Trabalho e juízes do Trabalho, para ele, baseia-se em princípios como abolir os formalismos, intercambiar informações, afinar os discursos antes de iniciar ações conjuntas, ser transparentes nas críticas, desapegar-se do corporativismo, reconhecer erros e mudar o comportamento, com humildade.
Ilan Fonseca deu uma lição de persistência e otimismo, sem ingenuidade. Afirmou que as instituições têm problemas, não têm os apoios necessários e muitas razões reais e verdadeiras que as impedem de seguir em frente. Ainda assim, há servidores públicos que desafiam essa lógica e vencem os obstáculos. Os Auditores-Fiscais do Trabalho, na opinião dele, são dessa estirpe.
Disse, também, que o Brasil é vanguarda em Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde e que os Auditores-Fiscais é que conhecem todas as regras, são experts no assunto. Por isso, podem ajudar a Justiça do Trabalho a conhecer melhor a realidade do ambiente de trabalho. Ilan Fonseca refletiu, ainda, que as instituições e os agentes devem ser mais positivistas, justos, aplicar a lei, para não retroalimentar as angústias. “TAC descumprido tem que ser TAC executado. Infração constatada tem que ser autuada. As leis são boas, são progressistas. Vamos identificar as pessoas que trabalham de um jeito que consideremos justo para atingir o objetivo de proteger o trabalhador”, concluiu.