O Grupo Especial de Fiscalização Móvel da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego - SRTE/GO resgatou quatro trabalhadores em situação de escravidão e constatou diversas irregularidades trabalhistas que comprometem a saúde e segurança do trabalhador na obra de duplicação da Rodovia BR-060, que liga Goiânia a Jataí. A obra é executada por quatro empresas que integram seis consórcios formados por meio de contratos de empreitada com o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT. Cada consórcio é responsável por um dos seis lotes da obra, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC e perfaz um trecho de aproximadamente 320 quilômetros.
A operação iniciada no dia 8 de maio, depois que a fiscalização recebeu denúncias sobre as péssimas condições nas frentes de trabalho ao longo da rodovia, ainda está em andamento. Até agora, o Grupo Móvel fiscalizou três lotes que vão de Goiânia a Acreúna/GO, totalizando um trecho de 150 quilômetros.
Entre os problemas encontrados, além de trabalho escravo, estão alojamentos precários, ausência de instalações sanitárias ao longo das frentes de trabalho - onde homens e mulheres utilizavam o mato como banheiro –, falta de água potável e de Equipamentos de Proteção Individual – EPIs, transporte irregular dos trabalhadores, excesso de jornada, além de terceirização e quarteirização ilícitas de mão-de-obra para operar máquinas agrícolas, entre outros.
Devido ao grave e iminente risco à saúde e segurança dos trabalhadores, a fiscalização interditou quatro usinas de asfalto, quatro betoneiras, uma serra circular, três motosserras, duas plataformas de trabalho sobre o rio, dois viadutos, sete ônibus, um andaime e embargou todas as obras dos canteiros e frentes de trabalho dos lotes fiscalizados, que ficam no trecho do km 162,9 ao km 327,3 (total de 164 km) da rodovia BR-060. Os autos de infração referentes a estas irregularidades serão lavrados após o término da fiscalização.
Problemas
“Muitos trabalhadores vieram de outros Estados e estavam alojados em casas alugadas em diversas cidades ao longo do trecho da duplicação, pegavam água da torneira do próprio alojamento e levavam para as frentes de trabalho. Quando a água acabava, a reposição era demorada e eles ficavam com sede”, explica o Auditor-Fiscal Juliano Baiocchi Souza.
Nas casas alugadas não havia armários para guarda de objetos pessoais, mesas e cadeiras para as refeições, nem roupas de cama (os próprios empregados adquiriram). Alguns empregados dormiam no chão. Em algumas casas, também visitadas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, faltava água para o banho e ainda havia superlotação (15 empregados e somente um chuveiro para banho).
O transporte dos empregados para as frentes de trabalho era feito em ônibus sem condições para trafegar, com trabalhadores viajando em pé devido à superlotação, com pára-brisas quebrados, pneus carecas, ausência de cinto de segurança, assentos soltos, ferrugem, setas queimadas, ausência de saída de emergência e de tacógrafos (quando tinha estava danificado). Os motoristas também não tinham autorização para transporte de passageiros e desconheciam as funções básicas do ônibus como luz alta e seta, entre outras.
Nas frentes de trabalho os operários faziam as refeições no acostamento da rodovia, embaixo de árvores, no meio do mato, e dentro de máquinas agrícolas. Os empregados laboravam sem EPI e sem vestimentas para o trabalho. Faltavam protetores auriculares para operadores de máquinas, coletes de sinalização e máscaras de proteção respiratória contra névoas tóxicas. Também não havia material para prestação de primeiros socorros.
As plataformas sobre o rio estavam sem proteção contra queda (guarda-corpo), não havia profissional em salvamento, primeiros socorros e ressuscitamento cardiorrespiratório, e havia aberturas no piso. Para ter acesso ao eixo da plataforma de concreto que compõe a estrutura da ponte em construção, os trabalhadores utilizavam uma escada de mão de 4 metros, apoiada somente em cascalhos.
Os operários que faziam os serviços de pintura do viaduto em andaimes (aproximadamente 9 metros de altura) ficavam apoiados em tábuas e em pedras, sem guarda-corpo. Os trabalhadores não usavam cintos de segurança e a forração do piso era irregular (apenas duas tábuas). Além disso, as betoneiras e a serra circular estavam sem aterramento e os operadores não haviam feito curso para operação de motosserras.
Excesso de jornada
Os trabalhadores laboravam 15 horas por dia. Alguns sem intervalos interjornada de 11 horas e sem descanso semanal de 24 horas. Não era observado o intervalo intrajornada de no mínimo 1 hora: eles almoçavam, descansavam 20 minutos e já voltavam ao trabalho. As usinas de asfalto também não tinham guarda-corpo nas rampas de acesso aos silos. Não tinham proteção das partes móveis da correia transportadora. Os Auditores-Fiscais do Trabalho encontraram um empregado dentro do silo, quando fazia o descarregamento das britas pelo trator para fabricação da massa asfáltica.
Terceirização e quarteirização ilícitas
Os consórcios contratavam empresas para execução de atividades fim da tomadora com a terceirização ilícita de mão-de-obra para operar máquinas agrícolas (escavações) e caminhões que transportavam a terra retirada das jazidas. Com a terceirização de atividades fim, a precarização do trabalho ficou evidente com o atraso dos pagamentos de salários por até 60 dias e pelas condições precárias a que estavam submetidos os trabalhadores das empresas terceirizadas (local onde estavam alojados, meio ambiente de trabalho em péssimas condições). Havia também quarteirização por parte das empresas.
Trabalho escravo
No dia 10 de maio os Auditores-Fiscais do Trabalho encontraram quatro trabalhadores em condições análogas à de escravo, no Lote 2 da duplicação da rodovia BR-060, no município de Indiara/GO, sob a ponte do Rio Capivari, em situação degradante. Eles faziam o replantio de grama no canteiro central da rodovia, trabalhando 11 horas por dia, com uma hora de intervalo para almoço, de segunda a sexta-feira.
O grupo estava alojado em uma barraca de acampamento armada no mato às margens do rio, onde dormiam sem sequer ter espaço para esticar as pernas. Dentro da barraca havia mantimentos, botijão de gás, roupas espalhadas pra todos os cantos, algumas ferramentas de trabalho, muita sujeira e um pequeno espaço para os quatro empregados. Para trocar de roupa tinham que sair da barraca e ficar no mato, pois não dava para ficar em pé. O local estava sem iluminação e sem ventilação natural, uma vez que eles fechavam a entrada da barraca devido ao risco de picadas de animais peçonhentos e para evitar a entrada de insetos.
“O acesso ao alojamento era bastante difícil, praticamente mata fechada, e depois tinham que passar por debaixo de uma cerca para chegar à barraca de acampamento. No local, não havia material de primeiros socorros e nem comunicação. Era um local que só chegava quem já conhecia bem a área”, relata o Auditor-Fiscal Juliano Baiocchi Souza.
Os empregados estavam contratados por uma empresa de jardinagem, sem idoneidade financeira, contratada por uma das construtoras responsáveis pela duplicação da BR 060. Eles estavam sem registro no livro, sem exames médicos e com os salários atrasados. Além de resgatar os trabalhadores, os Auditores-Fiscais notificaram a empresa e paralisaram a atividades de replantio de grama, obrigando à regularização de todos os contratos de trabalho dos empregados a partir do efetivo início das atividades, a realizar as anotações nas CTPS dos empregados resgatados, e a providenciar as rescisões contratuais, o recolhimento do FGTS e a hospedagem e alimentação dos empregados até o efetivo pagamento das verbas rescisórias bem como o retorno aos seus locais de origem.
A empresa pagou todas as verbas rescisórias com o respectivo registro e baixa nas CTPS dos trabalhadores. As rescisões dos quatro trabalhadores resultaram em aproximadamente R$ 18 mil de benefícios trabalhistas. Já as irregularidades, resultaram na lavratura de 15 Autos de Infração.
Participaram da operação os Auditores-Fiscais do Trabalho Juliano Baiocchi Souza, Guido Messias Fleming e Olga Maria Valle Machado.