Trabalho infantil e acidentes de trabalho: essa dupla mata


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
24/10/2011



Acidentes de trabalho nunca são uma boa notícia. Quando estão relacionados com crianças, são inaceitáveis, pois criança não deveria trabalhar. A legislação prevê que a partir dos 14 anos adolescentes podem trabalhar na condição de aprendizes, sem prejuízo para os estudos e apenas em alguns segmentos econômicos. Dos 16 anos em diante pode ter Carteira de Trabalho assinada, porém, atividades insalubres ou perigosas são vedadas até os 18 anos.


Estas leis, visivelmente, estão sendo descumpridas, pois há registro de mais de 5.300 casos de acidentes de trabalho com crianças entre 2006 e 2011, segundo dados do próprio governo, no Portal do Ministério da Saúde. E pior, no mesmo período, 58 crianças e adolescentes morreram em decorrência de acidentes de trabalho. Estes números são os que chegam oficialmente ao conhecimento da rede de saúde do governo, mas podem ser muito mais, pois inúmeros casos não são atendidos e caracterizados como acidentes de trabalho, ficando fora das estatísticas.

 

Para o Sinait, o problema é grave e relaciona-se com fatores socioeconômicos e culturais, com problemas na Fiscalização do Trabalho, com a falta de uma política de prevenção no país e de responsabilização dos empregadores, além de um sistema educacional adequado.

 

Desemprego, pobreza e deficiências na educação levam famílias a perpetuar a cultura de que a criança que começa a trabalhar cedo não tem tempo para se envolver com “coisas erradas”. O ciclo vicioso não se rompe com este tipo de pensamento. Criança que trabalha, em geral, não se desenvolve bem na escola, não tem concentração, pois está sempre cansada. Criança que trabalha adoece, não tem tempo para estudar e se qualificar para uma profissão no futuro. Criança que trabalha, com raras exceções, será um adulto desqualificado e fadado a repetir o ciclo da exclusão.

 

Auditores-Fiscais do Trabalho têm dificuldades para alcançar o universo que cerca o trabalho infantil, tanto no mercado de trabalho formal como nas atividades informais. O trabalho doméstico e as tarefas executadas em empresas familiares, por exemplo, são desenvolvidas no interior das casas, onde para entrar é necessário ter uma autorização.

 

Para os empregadores, “empregar” crianças é, muitas vezes, vantajoso: não têm que assinar Carteira de Trabalho e pagar encargos trabalhistas; crianças são mais dóceis, não reclamam, aprendem depressa. Mão de obra barata, superexplorada, facilmente substituível. Com o pequeno número de Auditores-Fiscais do Trabalho em atividade, muitos preferem se arriscar, pois a fiscalização pode nunca chegar. Além disso, as multas são baixas e não há punições de maiores conseqüências.

 

Se não há responsabilização, também não há interesse em investir em segurança e prevenção. Essa é uma realidade que atinge não só as crianças, mas todo o universo de trabalhadores. Acidentes de trabalho, é sempre bom lembrar, acontecem a todo momento, matando, mutilando, afastando pessoas do trabalho e gerando altos custos para o Estado. A Advocacia Geral da União – AGU por meio de ações regressivas ao INSS tem conseguido ressarcimento de valores pagos como benefícios a trabalhadores acidentados em vários casos em que a negligência do patrão é provada. A responsabilização do empregador também tem sido buscada pelo Ministério Público do Trabalho – MPT. Porém, somente em 2009, foram notificados mais de 700 mil acidentes. É praticamente impossível acionar todos os empregadores.

 

No âmbito da Inspeção do Trabalho as Normas Regulamentadoras vêm sendo aperfeiçoadas de acordo com a evolução tecnológica dos setores, mas a consequente ação fiscal não acompanha este movimento. Se não há como fiscalizar e punir, a tendência é de que a lei não seja respeitada. “Por isso, implantar uma Política Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho sem dotar a fiscalização de recursos humanos e materiais correspondentes pode ser inócuo. O projeto tem que ser muito maior para produzir o resultado de diminuir acidentes de trabalho e erradicar o trabalho infantil ou o escravo”, comenta a presidente do Sinait, Rosângela Rassy.

 

Leia, a seguir, reportagens sobre os acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes.

 

 

15-10-2011 – G1 DF

Dois menores sofrem acidente de trabalho por dia no Brasil

Desde 2006, foram 5.353 casos e 58 mortes, segundo Ministério da Saúde.

Governo promete lançar política nacional de segurança do trabalho.

 

Mariana Oliveira Do G1, em Brasília

 

Pelo menos dois menores de 18 anos, em média, são vítimas de acidentes de trabalho a cada dia no Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde. Por mês, um menor morre em razão desses acidentes, segundo as informações oficiais do governo.

 

Números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde obtidos pelo G1 mostram que, entre 2006 e agosto de 2011, 5.353 menores de 18 anos se envolveram em acidentes graves de trabalho. No mesmo período, 58 crianças e adolescentes de até 18 anos morreram durante o trabalho.

 

Um desses casos aconteceu no fim de agosto, quando um adolescente de 15 anos morreu em Curitiba enquanto trabalhava em uma obra, após ter sido atingido por placas de madeiras.

 

De acordo com o coordenador-geral de saúde do trabalhador do Ministério da Saúde, Carlos Augusto Vaz de Souza, todos os acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes são classificados como "graves" pelo governo, uma vez que a Constituição proíbe o trabalho insalubre de menores de 18 anos.

"Criança e adolescente não deveria trabalhar e, quando pode, não deveria estar em atividade insalubre", diz Vaz de Souza. Segundo ele, os acidentes de trabalho com menores de 18 anos são considerados uma "preocupação" do governo.

 

































































































































ACIDENTES DE TRABALHO GRAVES ENTRE MENORES DE 18 ANOS

(por unidade da Federação, entre 2006 e agosto de 2011)


F


casos


Acre


6


Amapá


39


Amazonas


24


Pará


1


Rondônia


6


Roraima


12


Tocantins


66


Alagoas


101


Bahia


96


Ceará


100


Maranhão


38


Paraíba


27


Pernambuco


18


Piauí


16


Rio Grande do Norte


32


Sergipe


20


Espírito Santo


3


Minas Gerais


253


São Paulo


3.660


Rio de Janeiro


66


Paraná


262


Rio Grande do Sul


34


Santa Catarina


191


Distrito Federal


55


Goiás


77


Mato Grosso


91


Mato Grosso do Sul


59


Total


5353


 

Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde / Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) / Ministério da Saúde


 

 

De acordo com o artigo 7º da Constituição é proibido o "trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos".

Segundo o ministério, para menores de 18 anos, qualquer acidente é classificado como grave, mas, entre adultos, acidentes graves são aqueles que resultam em mutilações. Conforme as informações do Sinan, 3.245 maiores de 18 anos morreram no trabalho nos últimos cinco anos e 79.964 sofreram acidentes graves.

 

As informações do Ministério da Saúde são aquelas verificadas pelos médicos, tanto da rede pública quanto da rede privada, durante o atendimento. Uma determinação de 2004 do Ministério da Saúde obriga os médicos a notificarem os casos graves de acidentes de trabalho.

 

Isso independe dos registros de acidentes de trabalho controlados pelo Ministério da Previdência, que só se refere aos casos de quem contribui para a Previdência.

 

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo G1, as informações do Ministério da Saúde conseguem levar em conta principalmente as situações de trabalho informal. "Estamos fazendo um trabalho para ampliar essas notificações, com a qualificação das equipes. Para chegar a um número real dos casos, temos que avançar muito ainda. Mas estamos nos aproximando cada vez mais. Em alguns estados, no entanto, fica claro que há a subnotificação", diz Vaz, do Ministério da Saúde.

 

Ele comenta, por exemplo, o caso de São Paulo, estado com mais casos de acidentes de trabalho envolvendo menores - 3.660 dos 5.353. "São Paulo, além de ter uma economia mais pujante, tem organização do sistema de saúde do trabalhador. Por isso, notifica mais", afirma Vaz.

 

Os setores de atividade com maior número de acidentes de trabalho envolvendo menores são, conforme o Ministério da Saúde, a indústria de calçados, o setor privado de serviços alimentícios (cantinas) e o comércio de modo geral.

 

OIT

Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que deve ser divulgado nos próximos dias, classifica o índice de acidentes de trabalho no Brasil envolvendo menores de 18 anos como um "quadro preocupante".

 

"Estes elementos essenciais que atentam contra a vida, a dignidade da criança e do adolescente, agravados pelo trabalho infantil, são um grande obstáculo ao trabalho decente e ao desenvolvimento humano", diz o relatório.

 

Dados do Ministério da Previdência corroboram a preocupação com os acidentes de trabalho envolvendo jovens.

 

Em 2009, dos 39,9 milhões de contribuintes da Previdência com mais de 19 anos, 1,75% sofreram acidentes de trabalho (701.530 contribuintes). Entre os 1,057 milhão de contribuintes de até 19 anos, o índice de acidentes foi de 2,07 (21.922 casos).

 

Na avaliação de Renato Mendes, coordenador do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da OIT, "não há dúvidas" de que os menores de 18 anos são mais suscetíveis aos acidentes de trabalho. "Em primeiro lugar, a criança e o adolescente, como está em fase de formação, não tem as mesmas habilidades que o adulto tem. Grande parte dos acidentes envolvem o campo de visão. E, até os 16 anos, a visão está em formação, o campo de percepção é menor. Além disso, eles têm a pele mais fina, mais exposta à intoxicação", afirma Mendes.

 

Renato Mendes, da OIT, diz ainda que os instrumentos de proteção ao trabalho não são adequados à estrutura do corpo de adolescentes. Para ele, o ideal seria que nenhuma criança ou adolescente precisasse trabalhar. "O trabalho infantil diminuiu muito nos últimos anos, e chegamos ao núcleo duro, o informal, que oferece mais resistência. Agora, o Brasil tem que repensar as políticas", afirma o coordenador da OIT, citando a educação integral como uma medida possível.

 

Segurança no trabalho

De acordo com o Ministério da Saúde, o governo brasileiro criou em 2008 um grupo interministerial - formado pelas pastas da Saúde, Trabalho e Previdência, além de centrais sindicais e confederações de empregadores - para elaborar uma política nacional de segurança do trabalho.

 

No texto premilinar, conforme Carlos Augusto Vaz de Souza, do Ministério da Saúde, consta diretriz que recomenda atenção em relação aos casos envolvendo crianças e adolescentes.

 

Ao G1, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, afirmou que esse trabalho está pronto e que o texto da política nacional deve ser assinado em breve pela presidente Dilma Rousseff. "O Plano Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho trata de várias temáticas para prevenir acidentes, desde equipamentos adequados até cursos de conscientização. Só falta marcar a data [para lançar o plano]. Já está pronto", afirmou Lupi.

 

Medidas judiciais

O procurador da República Rafael Dias Marques, coordenador nacional da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho, diz que o MP  vem questionando empregadores na Justiça. "Quando uma criança ingressa no trabalho e sofre acidente, a postura do MP é responsabilizar quem deu a  causa, quem proporcionou o acidente, através de ação de dano moral."

 

Secretária-executiva do Fórum Nacional para a Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti), a socióloga Isa Oliveira diz que "eticamente" é inaceitável o registro de acidentes de trabalho entre crianças e adolescentes. "Como são pessoas em desenvolvimento, são mais expostas. O ambiente de trabalho não está preparado para eles, correm mais riscos." Para ela, o Estado deveria se preocupar em incluir os jovens no estudo e não no mercado de trabalho.

 

Para o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, a entrada de adolescentes no trabalho prejudica o mercado. "A entrada de adolescentes em vagas tradicionalmente ocupadas por adultos mina a competição. Outra questão é que os dados comprovam que quando uma criança sai da escola para trabalhar, dificilmente volta", diz Pochmann. 

 

 

30-8-2011 – G1-PR

Acidente mata jovem de 15 anos que trabalhava em uma obra de Curitiba

Menores podem trabalhar apenas em condição de aprendiz.

Placas de madeira caíram sobre a vítima; caso será investigado.

 

Um adolescente de 15 anos morreu nesta terça-feira (30), em Curitiba, após ser atingido por placas de madeiras de uma obra no centro da cidade. Ele trabalhava no local. O Ministério Público do Trabalho (MPT) anunciou que vai investigar o caso.

 

De acordo com o procurador-chefe do MPT, Ricardo Bruel, será instaurado um procedimento administrativo ou, provavelmente, um inquérito civil, dependendo da natureza dos fatos. O objetivo é avaliar as condições de trabalho no prédio onde a obra é realizada.

 

O trabalho para menor de idade é permitido, desde que o jovem seja contratado na condição de aprendiz.  Mesmo assim, só é legitimo se o empregado tiver mais de 16 anos e o trabalho não for noturno, insalubre ou prejudicial à formação do menor.

 

O procurador Bruel disse ainda que vão tentar identificar quem contratou o menor, porque a princípio seria um prestador de serviços terceirizado.

 

 

27-7-2011 – TV Morena (MT)

Em 2011, INSS já pagou R$ 15 milhões em auxílio-doença a trabalhadores

Órgão estima que em julho há 3 mil trabalhadores recebendo benefício.

Maioria dos afastamentos ocorre por acidentes de trabalho, diz instituto.

Da TV Morena

 

Todos os dias, cerca de 100 pessoas precisam deixar o trabalho de lado e contar com o auxílio-doença do INSS. O problema é que em muitos casos o auxílio é pago por causa de acidentes de trabalho. Há duas semanas, dois trabalhadores da construção civil morreram no canteiro de obras em Campo Grande. Um deles foi atingido na cabeça por uma barra de ferro com cerca de 15 quilos.

 

O acidente de trabalho é aquele que acontece no local e no período de trabalho causando morte, lesão, perturbação ou doença que prejudique a capacidade do funcionário. De acordo com a lei, também são considerados como acidentes de trabalho as ocorrências no trajeto de casa para a empresa, assim como as doenças adquiridas pelo excesso de trabalho, como por exemplo a tendinite.

 

Para garantir os direitos trabalhistas, é importante ficar atento ao prazo. Todo acidente de trabalho deve ser comunicado ao órgão regional de fiscalização em no máximo dez dias após a ocorrência.

Os últimos dados do Ministério do Trabalho são de 2009 e mostram que Mato Grosso do Sul registrou 11 mil acidentes, quase 10% a mais do que o registrado em 2007. Atualmente, apenas nove auditores do trabalho fazem fiscalização no estado, sendo sete em Campo Grande, um em Paranaíba e outro em Corumbá.

 

A Santa Casa de Campo Grande, maior hospital do estado, recebe em média cinco internações por acidentes de trabalho todos os dias. Na maioria, os casos ocorrem em canteiros de obras, com trabalhadores da construção civil. De janeiro de 2011 até a semana passada, o hospital registrou quase mil registros de internação por esse motivo.

 

Em julho, o INSS calcula que haja quase 3 mil trabalhadores recebendo auxílio doença por causa de acidentes de trabalho, o que totaliza mais de R$ 2 milhões. Só nos primeiros sete meses do ano, o instituto gastou quase R$ 15 milhões com auxílio-doença.

 

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