Sinait e entidades representantes dos trabalhadores em níveis local e nacional vão unir forças e pedir ao ministro Lupi a intensificação da fiscalização e a contratação de mais Auditores-Fiscais do Trabalho
Mais três trabalhadores da construção civil morreram, vítimas de acidente de trabalho, em Brasília (DF), nesta quinta-feira, 21 de julho. As vítimas foram soterradas enquanto faziam a escavação e a limpeza do buraco para a instalação de manilhas de concreto do sistema de esgoto. Esta é mais uma tragédia de uma crônica anunciada pelo boom da construção civil, provocado pelo crescimento econômico do País, e pela precariedade na fiscalização, que também é apontada como uma das principais causas para o aumento desses acidentes.
Com este acidente, no complexo do Hospital Universitário de Brasília (UNB)), o Distrito Federal acumula 11 mortes em 2011. O número é quase o dobro do registrado no ano passado, quando seis trabalhadores da construção civil perderam a vida.
Várias irregularidades já haviam sido apontadas na obra pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Brasília, e denunciadas à Superintendência Regional do Trabalho (SRTE/DF). Entre as irregularidades estavam a falta de tampão na abertura do piso, betoneiras operadas por pessoas sem qualificação, fios expostos ao chão e falta de proteção periférica em toda a extensão da obra, entre outras. A obra não contava com nenhum técnico de segurança no trabalho.
Segundo amplamente divulgado pela imprensa local, os familiares das vítimas também disseram que os três trabalhadores reclamavam da precariedade nas condições de trabalho e da falta de segurança, especialmente quanto a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Na ocasião, do acidente os trabalhadores não usavam nenhum EPI.
O Sinait apurou junto à SRTE/DF que a obra foi fiscalizada e chegou até a ser embargada . Em nota, a SRTE/DF, informou que técnicos periciaram o local após o soterramento. O laudo com as causas do acidente deve ser divulgado em até 30 dias.
Mas a realidade da Fiscalização do Trabalho no DF é preocupante. Dos cerca de 70 Auditores-Fiscais do Trabalho na ativa, apenas 18 têm especialização em Saúde e Segurança do Trabalho. Destes, apenas dez atuam na construção civil.
De acordo com a presidente do Sinait, Rosângela Rassy, a categoria dos Auditores-Fiscais do Trabalho está preocupada com o aumento dos acidentes no Brasil e com a diminuição do número de Auditores-Fiscais especializados em Segurança e Saúde no Trabalho. Ela lembra que a Organização Internacional do Trabalho - OIT recomenda cinco mil Auditores-Fiscais para o Brasil, enquanto o quadro atual é de cerca de 2.800 profissionais, reduzidos diariamente pelo número de aposentadorias.
Ação Conjunta
Nesta sexta-feira, 22, Rosângela Rassy e o presidente do Sindicato dos Auditores-Fiscais do Trabalho do DF (Sindafit/DF), o Auditor-Fiscal Luiz Carlos Schwartz participaram, na sede do Sinait, de reunião com o diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Brasília, José Barbosa de Arruda. Os dirigentes das entidades pretendem unir forças para, em conjunto com as representações sindicais nacionais de trabalhadores (centrais e confederações), mostrar ao Governo e a sociedade a necessidade de intensificação das fiscalizações em obras da construção civil, o que somente será possível com o aumento do número de Auditores-Fiscais do Trabalho.
João Barbosa de Arruda, que já foi Juiz Classista na Justiça do Trabalho, e durante muitos anos acompanha o trabalho da fiscalização, reclamou da falta de Auditores-Fiscais do Trabalho para tornar mais rotineiras e preventivas as fiscalizações nesses locais. Ele também disse que a nova metodologia da fiscalização implantada pelo MTE tem prejudicado a fiscalização na área da construção civil, quando estabelece que as fiscalizações neste campo sejam feitas somente quando o local representar grave e iminente risco ao trabalhador. “Entendo que todo o canteiro de obra representa riscos à saúde e segurança do trabalhador uma vez que os acidentes fatais, ou não, podem ocorrer a qualquer momento”, frisou o sindicalista.
A falta de especializações na área de segurança e saúde para a Auditoria-Fiscal do Trabalho e de investimento em saúde e segurança do trabalho pelo governo, também é apontada por ele como um dos fatores que têm contribuído para elevar o número de acidentes em geral. Ele acredita que se houvesse mais Auditores-Fiscais do Trabalho especializados e em número suficiente, muitos acidentes, inclusive com mortes, poderiam ser evitados.
De acordo com João Barbosa os Termos de Ajustamento de Conduta – TAC, assinados entre Ministério Público do Trabalho e as empresas autuadas por irregularidades trabalhistas também não vêm sendo fiscalizados para que seu devido cumprimento seja efetivado. Segundo a presidente do Sinait, o número reduzido de Auditores-Fiscais do Trabalho também tem afetado as fiscalizações dos TAC.
João Barbosa citou a questão do prazo mínimo estipulado pela SRTE/DF para fiscalizar as denúncias recebidas, que são de três meses, conforme placa afixada na Superintendência. “As obras de construção de grandes supermercados, por exemplo, ocorrem em curto prazo, ou seja, quando a fiscalização chegar lá, a obra já terá sido concluída”.
Mais informações sobre as mortes dos três trabalhadores nas matérias abaixo.
22-7-2011 – Correio Braziliense
TRAGÉDIA NO CANTEIRO - Construção com 13 problemas
Sindicato dos trabalhadores da construção civil identificou as irregularidades em março deste ano, assim como em outras sete obras em andamento na UnB. O órgão denunciou as precariedades à Delegacia Regional do Trabalho, mas nada foi feito
Correioweb
Com a tragédia no complexo do Hospital Universitário de Brasília (HUB), o Distrito Federal acumula 11 mortes em 2011. O número é quase o dobro do registrado no ano passado, quando seis trabalhadores da construção civil perderam a vida enquanto estavam a serviço (leia quadro). O aumento na quantidade de obras na capital do país e a precariedade na fiscalização aparecem como os principais fatores para o crescimento de acidentes fatais.
No caso do acidente ocorrido no HUB, as más condições no local haviam sido denunciadas pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Brasília (Sticmb) em março deste ano (veja fac-símile). O documento indicou 13 irregularidades praticadas na construção do Instituto da Criança e do Adolescente, realizada pela Construtora Anhanguera. Entre elas, equipamentos operados por pessoas sem qualificação, descumprimento das normas de higiene e de segurança e falta de vestimenta completa.
A insegurança no local e de outras sete obras em andamento na Universidade de Brasília (UnB) renderam notificações por parte dos fiscais do sindicato. Apesar dos alertas, a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) do DF não tomou nenhuma providência. Representantes do órgão só estiveram no local após o acidente.
A segurança dos operários é de responsabilidade da DRT. Cabe ao sindicato da categoria receber as denúncias dos trabalhadores e comunicar às autoridades competentes. Segundo Milton Alves de Oliveira, diretor do Sticmb, um ofício encaminhado à Delegacia Regional do Trabalho demora de seis a oito meses para ser verificado. “Quando a delegacia chega, a obra está em outro estágio ou até mesmo finalizada. No caso de hoje (ontem), fizemos o que podíamos, mas não adiantou, pois quem tem o poder de multa é a DRT”, reclama.
Momentos antes do acidente, um antigo trabalhador da obra denunciou irregularidades no canteiro do Instituto da Criança e do Adolescente. As duas acusações — horas extras fora do cartão e escavação sem proteção — seriam notificadas pelo Sticmb na manhã de hoje. “Ele foi mandado embora na última quarta-feira e hoje (ontem) fez as reclamações. O ofício ficou de ser feito amanhã (hoje)”, contou o diretor do sindicato, Milton Alves.
Associados
O advogado responsável pela Construtora Anhanguera LTDA., Otávio Carneiro, informou ao Correio que a empresa sabia das irregularidades listadas pelo sindicato da categoria. “Tudo o que foi notificado foi atendido prontamente”, garantiu. A empresa tem sede em Goiânia (GO) e atua no mercado da construção civil há 18 anos. O site da firma cita que a construtora levantou um prédio comercial de 6,4 mil metros quadrados em Águas Claras.
Pelo menos 3,4 mil construtoras atuam no DF. Por meio de nota, o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF) informou que “muitas dessas são de fora e desembarcam aqui para trabalhos pontuais, não tendo, portanto, compromisso com a qualidade e o desempenho que o sindicato busca para a nossa cidade”. Apenas 370 empresas estão associadas no Sinduscon.
Para a especialista em Segurança do Trabalho Renata Marson de Andrade, da Universidade Católica de Brasília, o aumento na quantidade de obras na capital do país contribui para a insegurança nos canteiros. “Com a realização da Copa do Mundo no Brasil, a demanda por mão de obra atrai pessoas sem treinamento para o ramo da construção civil.”
Vítimas
Mortes na construção civil no DF em 2011:
Janeiro
» José Morais Freitas, 55 anos, servente de obras
Abril
» Carlos dos Santos, 35, servente de obras
» Carlos Alberto Lima, 51, pintor
» Ivaldo Bisco dos Santos, 61, poceiro
Junho
» João Alves da Cruz Junior, 35, servente de obras
» Paulo do Amaral Assunção, 66, poceiro
» Roberto José da Silva, 60, eletricista
Julho
» Lourival Leite de Moraes, 46, pedreiro
» Nelson Holanda da Silva, 37, auxiliar de pedreiro
» Raimundo José da Silva, 24, carpinteiro
» Um operário não identificado morreu no começo do mês em Águas Claras
Fonte: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Brasília (Sticmb
Familiares contam que operários mortos reclamavam da falta de segurança
Lucas Tolentino
Os familiares dos três operários mortos soterrados em uma obra no Hospital Universitário de Brasília (HUB) viveram um drama que se traduz em sentimentos de dor e de impunidade. Abalados, pais, mulheres, irmãos, sobrinhos e amigos das vítimas tiveram de passar por atendimento psicológico no centro médico da Asa Norte. Nem mesmo a experiência dos homens na construção civil foi suficiente para que eles conseguissem se salvar do deslizamento de terra. Os parentes afirmaram que a falta de segurança no complexo do HUB provocou a tragédia.
A operação de resgate demorou pouco mais de cinco horas (leia arte acima). Os bombeiros encontraram o corpo do auxiliar Nelson Holanda da Silva, 37 anos no início da tarde, seguido do pedreiro Lourival Leite de Moraes, 46, e, por último, do carpinteiro Raimundo José da Silva, 24. Os três corpos seguiram para o Instituto de Medicina Legal (IML).
Parentes e amigos se programaram para chegar cedo hoje ao IML a fim de enfrentar mais um dia de sofrimento. Por conta de norma da Polícia Civil do DF, os exames cadavéricos têm de ser feitos à luz do dia para evitar erros nos laudos que informam a causa da morte. Como chegaram ao órgão no fim da tarde, os corpos só passarão pela necropsia nesta manhã.
Os operários que perderam a vida enquanto ganhavam o sustento da família denunciaram aos familiares a precariedade nas condições de segurança durante a construção do Instituto da Criança e do Adolescente (ICA) do HUB. Lourival contava, em casa, a precariedade a que se submetia a cada dia de serviço. “Ele sempre trabalhou na construção civil, só que essa obra não tinha proteção para os operários. Muitas vezes, ele tinha de trabalhar sem os equipamentos básicos”, afirmou Rivaldo Alves, sobrinho da vítima.
Morador de Planaltina de Goiás, Lourival deixou dois filhos, um garoto de 13 anos e uma menina de 8. Abalada, a mulher dele, Zilda dos Santos, 37, não conteve as lágrimas e, depois de receber acompanhamento psicológico, deixou o HUB. Segundo Rivaldo, a família espera por justiça e teme que outros acidentes como o de ontem façam novas vítimas. “A maioria das obras de Brasília está matando. Isso não pode continuar. Meu tio morreu por imprudência, por conta da irresponsabilidade dos engenheiros”, disparou.
Perigo
O carpinteiro Raimundo José trabalhava há quase um ano no canteiro do HUB. O morador de Planaltina deixou um filho de 2 anos e o sonho de vencer na vida. Segundo o padrasto da vítima, Wanderler Ribeiro, 51, o enteado era uma pessoa tranquila. Queria sair da obra em decorrência da falta de segurança, mas não abandonou o emprego porque dependia dos cerca de R$ 800 mensais. “O pessoal mandou eles descerem na vala e, com medo de ser demitido, ele (Raimundo) obedeceu, mesmo sabendo que não havia condições”, reclamou.
Wanderler afirmou que a família deve processar a empresa responsável pela obra. “Foi irresponsabilidade. Como colocam as pessoas para entrar no buraco sem nada, sem qualquer equipamento? A terra lá embaixo é fofa, mole”, reclamou.
A vontade de largar o empreendimento no hospital universitário também era o desejo do auxiliar Nelson da Silva. “Meu irmão era uma pessoa que só fazia o bem. Sempre cuidou de mim, me levava ao hospital quando precisava. Ele tinha dito que tinha medo e queria sair de lá”, afirmou a irmã dele, Zilmar Holanda.
Luto de três dias na UnB
A tragédia no HUB comoveu a Universidade de Brasília (UnB), responsável pela administração do hospital. O reitor em exercício, João Batista de Sousa, decretou três dias de luto oficial na instituição de ensino superior em homenagem ao três homens que morreram depois do deslizamento de terras nas obras do Instituto da Criança e do Adolescente (ICA) do hospital. De acordo com ele, uma comissão de integrantes da UnB e do Governo do Distrito Federal será formada nos próximos dias por conta do acidente. Formada por um professor de engenharia da UnB, um especialista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) e um representante do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), a sindicância vai apurar irregularidades no canteiro do ICA. “Apesar de os operários serem contratados pela empresa, eles estavam trabalhando por uma causa nobre para a UnB”, disse João Batista. Apesar de estar em férias, o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, compareceu ao HUB. “Espero que possamos ter um quadro claro das quebras de procedimentos de segurança por parte da empresa”, afirmou.