Delaíde Alves Miranda Arantes é a mais nova ministra do Tribunal Superior do Trabalho – TST, nomeada em 1º de março de 2011, integrante da 7ª Turma, especializada em Dissídios Individuais.
Natural de Pontalina (GO), Delaíde Arantes viveu no interior goiano com o pai assalariado agrícola e a mãe dona de casa. Mudou-se para Goiânia em 1971, onde cursou o ensino médio e teve que trabalhar como doméstica para se sustentar. Também em Goiânia formou-se em Direito e passou a se dedicar à Justiça Trabalhista. Tem pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho e em Docência Universitária.
Neste ano ela participou como representante do TST da 100ª Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que teve como um dos temas discutidos a criação de uma Convenção sobre o Trabalho Doméstico, aprovada na Comissão e que será submetida à Plenária final da Conferência.
Ela concedeu entrevista ao Sinait a respeito deste tema e de outros, conforme você confere a seguir.
Dra. Delaíde, a senhora conhece bem a realidade da trabalhadora doméstica no Brasil e não esconde que exerceu esta profissão. Participar da Conferência da OIT que aprovou a adoção da uma Convenção para o Trabalho Doméstico tem qual significado para a senhora?
Iniciei minha carreira como empregada doméstica. Nessa nobre profissão tive a honra de trabalhar em duas oportunidades, com vistas a custear e viabilizar meus estudos. Desde criança, meu grande sonho era estudar, me lembro de pedir a Deus ainda bem pequeninha, que Ele me ajudasse a ter condições de estudar. Não escondo essa condição porque é uma profissão tão nobre quanto a que exerço hoje de Ministra do TST e com a mesma felicidade, otimismo e boa vontade que hoje executo os serviços de uma ministra, eu executava nas duas casas de família por onde passei. Considero que uma coisa é almejar e lutar para melhorar as condições sociais e de vida, e outra, é se revoltar, questionar por que nasceu nesta ou naquela condição.
Participar da Conferência que aprovou (por enquanto na Comissão) uma Convenção da OIT para o trabalhador doméstico, para mim é uma glória, uma bênção de Deus, o coroamento de uma carreira, que eu faço questão de falar sobre isso para que os milhões de trabalhadores domésticos do Brasil e outros milhões no mundo que tomarem conhecimento, possam sentir orgulho de suas profissões e possam também saber que é possível ascenderem social e profissionalmente, independente da condição em que se encontrem. Me sentirei feliz e orgulhosa de minha história servir para incentivar os jovens e adultos trabalhadores domésticos, os seus filhos e netos para que busquem seus ideais e objetivos.
As trabalhadoras domésticas, no Brasil, têm uma legislação específica, mas querem a equiparação de direitos com os demais trabalhadores do setor privado. Por outro lado, os empregadores dizem que isso poderá retirar postos de trabalho e inibir a assinatura da Carteira de Trabalho. Qual a sua opinião sobre isso?
A equiparação de direitos dos trabalhadores domésticos no Brasil é um imperativo, uma necessidade, uma questão de resgate de uma dívida social do País com os mais de 7 milhões de trabalhadores dessa importante categoria.
O que ocorre na legislação do Brasil é discriminação de profissão, de gênero e de raça, se for considerado que mais de 90% dos trabalhadores domésticos são mulheres e a maioria absoluta de negras.
Veja bem, em 1º de maio de 1943 foi editada a Consolidação das Leis do Trabalho. Os domésticos foram excluídos de sua aplicação. Quase 30 anos depois, em 1972, veio uma lei conferindo alguns direitos apenas. Dezesseis anos depois, veio a Constituição Federal e novamente os trabalhadores domésticos ficaram à margem da Constituição Cidadã, porque somente alguns direitos foram estendidos a eles, dando margem para que durante 18 anos (de 1988 a 2006) fosse discutido e negado nos Tribunais do Trabalho o direito à estabilidade da gestante doméstica. Em 2006 veio uma lei assegurando esse direito.
Sobre o mercado de trabalho, na equiparação de direitos, considero que não ocorrerá retração. Quando foi promulgada a Constituição se dizia isso em relação ao emprego dos trabalhadores em geral e isso não ocorreu. Pense bem, nós empregadores domésticos, de classe média, vamos ao Shopping e compramos um par de sapatos pelo valor do salário do mês de nossa empregada doméstica!!! A adaptação ao cumprimento de todos os direitos (FGTS, Seguro-desemprego e tudo mais) é uma questão de direcionar a mentalidade do brasileiro de que não há diferença entre o doméstico e o trabalhador urbano, que ambos merecem igual tratamento da nossa legislação.
Creio que será necessário uma campanha de esclarecimentos e implemento das políticas públicas para que tenham mais creches, escolas e condições para que a trabalhadora doméstica possa sair de casa e desempenhar o seu trabalho.
Em outros países as trabalhadoras domésticas não têm direitos como no Brasil e ficam sem proteção trabalhista e social. Como o Brasil pode ajudar na evolução em outros países?
Primeiro passo, ratificando em primeira mão a Convenção da OIT, sendo agora aprovada, o que será, com a graça de Deus e os esforços conjuntos do Brasil que estão sendo empreendidos aqui para que isso aconteça.
Depois, elaborando artigos, participando de eventos internacionais, divulgando a experiência brasileira de resgate de sua dívida social com os trabalhadores domésticos. No cenário internacional estão sendo criadas as condições para que o Brasil desempenhe importante papel na divulgação dos direitos dos domésticos.
É importante um trabalho conjunto do Ministério do Trabalho e Emprego e das Relações Exteriores, da Justiça do Trabalho, através do TST, enfim, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário unidos para desenvolver uma política de cooperação e divulgação da experiência dos avanços da legislação brasileira e da importância do cumprimento das normas internacionais.
De que forma as recentes alterações de súmulas e orientações jurisprudenciais irão modificar a forma de julgar do TST e consequentemente como essas modificações vão afetar os empregadores e trabalhadores?
Consideramos que as alterações refletem avanço nas posições do Tribunal Superior do Trabalho, relativamente a vários e diversificados temas, são adequações que a dinâmica do direito e do processo do trabalho estavam a exigir, como a instituição de audiência pública, a convergência de posições sobre a prescrição total ou parcial. As alterações visaram, também, dar maior celeridade aos processos.
Como o TST e o MTE podem atuar juntos para garantir o cumprimento da legislação e, ao mesmo tempo, acomodar as mudanças nas relações trabalhistas sem retirar ou “flexibilizar” direitos?
Uma parceria de trabalho envolvendo eventos, congressos, seminários, no sentido de esclarecer os direitos e a importância do cumprimento. Num segundo passo, o implemento da fiscalização pelo MTE, audiências públicas, como definido agora no novo regimento interno do TST, dentre outras medidas conjuntas que poderão ser implementadas a partir de convênios MTE/TST.
Sabe-se que é muito elevado o número de processos na Justiça do Trabalho, tanto que se observa constantemente a criação de mais Varas do Trabalho e o próprio TST tem procurado diminuir os recursos. A grande maioria desses processos tem como reclamante apenas um empregado e se vai até ao TST pode demorar mais de um ano. Como a senhora vê o trabalho da Auditoria Fiscal do Trabalho que, ao fiscalizar uma empresa, tem a possibilidade de resolver questões de inúmeros empregados e que se não fossem solucionadas poderiam redundar em mais e mais processos no judiciário trabalhista? A pergunta tem também uma ligação direta com o número reduzido de Auditores.
A interposição de ações individuais, eu considero que é um dos problemas do assoberbamento da Justiça do Trabalho no Brasil.
Em introdução à resposta, deixo registrado o meu posicionamento favorável à coletivização de ações judiciais, mediante ações coletivas pela substituição processual admitida amplamente pelo Supremo Tribunal Federal, mas ainda não assimilada de forma mais ampla, pelas entidades sindicais. As ações civis públicas também cumprem esse papel que é o de beneficiar toda uma categoria, ao invés de resolver a questão individual do reclamante.
Agora respondendo à pergunta formulada: A fiscalização da Auditoria Fiscal do Trabalho tem um papel da maior relevância, e aqui na OIT, estamos assistindo orgulhosos as referências elogiosas à experiência única do Brasil, de uma fiscalização eficiente e exitosa, servindo de modelo para o resto do mundo.
Nesse ponto, revendo a realidade do nosso País, é mais que urgente a elevação do contingente de auditores fiscais, a fim de que esse trabalho tão essencial para o cumprimento dos direitos trabalhistas possa ser exercido em maior dimensão, considerando a enorme extensão do Brasil, o crescimento econômico que felizmente está sendo experimentado nesses últimos anos, com aumento considerável dos postos de emprego.
Além da averiguação do cumprimento da legislação, o trabalho de fiscalização contribui para o aumento da formalização do emprego, um verdadeiro combate à informalidade a que são submetidos inúmeros trabalhadores subordinados e sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho.
E por fim, há que se considerar, que uma fiscalização do trabalho mais intensa, no contexto contribuirá também para reduzir o contencioso trabalhista.