Denúncia e o trabalho articulado entre instâncias estaduais são fundamentais para a detecção e reparo das vítimas
Por Lourdes Marinho e Nilza Murari
Edição: Nilza Murari
Neste 30 de julho é celebrado o Dia Mundial contra o Tráfico de Pessoas. A data, instituída pela Resolução A/RES/68/192, em seu item 5, aprovada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU de 2013, reforça a necessidade de lembrar que é urgente avançar na erradicação desse crime internacional que afeta todos os países.
A ONU, no Protocolo de Palermo, complementar à Convenção de Palermo, define tráfico de pessoas como: “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração“.
A Convenção de Palermo e o Protocolo de Palermo foram aprovados pela Resolução 55/25 na Assembleia das Nações Unidas em 15 de novembro de 2000. Ambos os instrumentos entraram em vigência internacional em 29 de setembro de 2003. Os dois instrumentos foram ratificados pelo Brasil em 12 de março de 2004.
O tráfico de pessoas é, em todo o mundo, o terceiro negócio ilícito mais rentável, logo depois das drogas e das armas. Essa prática não exclui nenhum país nem indivíduos. Os países mais vulneráveis ao tráfico de seres humanos e à exploração sexual são os marcados pela pobreza, instabilidades políticas, desigualdades econômicas, países que não oferecem possibilidade de trabalho, educação e perspectivas de futuro para os jovens.
Dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime – UNODC mostram que até o momento, desde 2003, foram detectadas aproximadamente 225 mil vítimas de tráfico de pessoas, em todo o mundo. Mas esses dados podem ser maiores.
As Nações Unidas também observaram que a grande maioria das vítimas são traficadas para exploração sexual e que 35% são mulheres para o trabalho forçado. Além do recrutamento como crianças-soldados e outras formas de exploração e abuso.
Segundo a ONU, os traficantes e grupos terroristas atacam os mais vulneráveis, desde pessoas em situação de pobreza até aqueles que estão em guerra ou que enfrentam discriminação.
Aumento de casos e condenações
De acordo com a ONU, cada vez mais países estão detectando vítimas e denunciando os traficantes dessas máfias. Por isso, a denúncia e o trabalho articulado entre instâncias estaduais são fundamentais para a detecção e reparo das vítimas.
O mais recente Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, divulgado em janeiro de 2019, pelo UNODC, mostra um número recorde de casos detectados em 2016, e também a maior taxa já registrada de condenação de traficantes. Enquanto em 2003 menos de 20 mil casos foram registrados, o número subiu para mais de 25 mil em 2016.
Para a ONU, as taxas recordes de condenação e detecção podem ser um sinal de que países reforçaram suas capacidades para identificar vítimas – como por meio de legislações específicas, coordenação intensificada entre entidades da aplicação da lei e melhores serviços de proteção às vítimas – ou que o número de casos reais de tráfico aumentou. O grau de impunidade prevalece nas regiões com baixos índices de relatos.
Exploração sexual é a principal forma de tráfico
Mulheres e meninas continuam sendo o principal alvo dos traficantes. A maior parte das vítimas detectadas globalmente é para exploração sexual, especialmente nas Américas, Europa, Leste da Ásia e Pacífico.
Entre outras formas de tráfico de pessoas estão: meninas forçadas ao casamento, mais comum no Sudeste da Ásia; crianças para adoção ilegal, mais comum em países da América Central e do Sul; criminalidade forçada, com relatos principalmente no Oeste e Sul da Europa; e remoção de órgãos, detectada principalmente no Norte da África e regiões Centro e Leste da Europa.
A ONU diz que essas vítimas podem estar sendo exploradas em restaurantes, na indústria da pesca, bordéis, fazendas, casas, e ainda pelo tráfico de órgãos e para adoção ilegal.
No Brasil, o último balanço anual do Disque 100 – Disque Direitos Humanos – referente ao tráfico de pessoas, de 2018, registrou 159 denúncias, que resultaram em 170 violações. Entre os casos mais registrados está o tráfico interno para fins de exploração sexual, com 16,9%.
Para denunciar casos de tráfico de pessoas, contrabando de migrantes, tráfico de mulheres e outros crimes semelhantes às autoridades brasileiras, disque 100 ou ligue para o número 180.
Conflitos armados e deslocamento impulsionam o tráfico de pessoas
O relatório mostra que conflitos armados podem aumentar a vulnerabilidade ao tráfico de diferentes maneiras. Áreas com fraco Estado de Direito e falta de recursos para respostas ao crime fornecem aos traficantes um solo fértil para suas operações, se aproveitando de pessoas que precisam desesperadamente de ajuda. Também populações deslocadas à força, como refugiados.
Tráfico de pessoas na pandemia
De acordo com a ONU, as restrições de viagens devido à Covid-19 não estão impedindo o movimento de pessoas que fogem de conflitos, violações de direitos humanos, violência e condições de vida perigosas. As consequências econômicas da pandemia provavelmente levarão a um aumento do contrabando de migrantes e do tráfico de pessoas, de acordo com um relatório lançado em maio/2020 pelo UNODC.
O fechamento das fronteiras terrestres, marítimas e aéreas pode resultar em um aumento do contrabando de migrantes. Isso porque as pessoas passam a ter necessidade ainda maior dos serviços de contrabandistas para atravessar fronteiras. Os fechamentos e restrições frequentemente também resultam no uso de rotas e condições mais arriscadas e a preços mais altos, expondo refugiados e migrantes a abusos, exploração e tráfico de pessoas. Confira aqui o caso de duas irmãs bolivianas, vítimas deste tipo de tráfico na pandemia, resgatadas por Auditores-Fiscais do Trabalho em São Paulo.
Além disso, é provável que a desaceleração econômica global, que traz um aumento acentuado nas taxas de desemprego, amplie o tráfico transfronteiriço de pessoas de países que sofrem deterioração mais duradoura do mercado de trabalho.
O impacto potencial das restrições relacionadas à Covid-19 e à desaceleração econômica no contrabando de migrantes e no tráfico de pessoas podem ser graves, segundo o UNODC. Esses impactos negativos podem ser mitigados por investimentos em recuperação econômica nos países desenvolvidos e em desenvolvimento e fornecendo caminhos para viagens de migração regulares e seguras para refugiados e migrantes e status regular de imigração nos países de destino. Clique aqui para acessar o relatório completo (em inglês).
Esforços para combater o tráfico de pessoas
A partir do ano 2000, vários protocolos e convenções foram adicionados a mecanismos da ONU para que os Estados-membros mantenham esforços de combater o tráfico de seres humanos. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime - UNODC, criado em 1999, passou a ressaltar também o envolvimento do crime organizado na atividade e promover medidas eficazes para reprimir ações criminosas relacionadas, passando a se basear em alguns mecanismos como:
- Programa contra o Tráfico de Seres Humanos, em colaboração com o Instituto das Nações Unidas de Pesquisa sobre Justiça e Crime Interregional – UNICRI;
- Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças;
- Protocolo contra o Crime Organizado Transnacional, Relativo ao Combate ao Contrabando de Migrantes por via Terrestre, Marítima e Aérea.
Todos esses esforços internacionais para enfrentar o tráfico de pessoas foram importantes para considerá-lo uma forma contemporânea de escravidão.
Fiscalização do Trabalho
O combate ao tráfico de pessoas no Brasil é realizado por diversos órgãos e com atuação multifacetada, para garantir os direitos dos estrangeiros. A Fiscalização do Trabalho faz parte deste pool de entidades e instituições, com foco na exploração de pessoas pelo trabalho, a chamada escravidão contemporânea.
Imigrantes latino-americanos são frequentemente encontrados em ações fiscais no setor de confecções, especialmente no estado de São Paulo. Mas há ocorrências também em Minas Gerais e Rio de Janeiro, em outras atividades econômicas, como alimentação e construção civil, envolvendo chineses e haitianos, por exemplo. Relembre aqui uma fiscalização ocorrida em 2014, em uma mineradora no município de Conceição do Mato Dentro (MG) e aqui, caso de libertação de chineses em pastelaria no Rio de Janeiro em 2016.
O Brasil reconheceu a existência do trabalho escravo em seu território em 1995, ano em que foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM. A primeira fiscalização ocorreu em 15 de maio de 1995. O GEFM comemora este ano 25 anos de operações, com 55.004 trabalhadores resgatados do trabalho análogo ao escravo. Este ano, mesmo em meio à pandemia da Covid-19, 45 operações já foram realizadas, com 231 trabalhadores libertados.