Live 13 de maio: Grupo Móvel – uma história de resgates


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
13/05/2020



Por Solange Nunes e Lourdes Marinho


Edição: Nilza Murari


Nesta quarta-feira, dia 13 de maio, o Canal AFT TV, do YouTube, promoveu uma live com o tema “Grupo Móvel – Uma história de resgates”, organizada por Auditores-Fiscais do Trabalho do Rio de Janeiro. Em três blocos, Auditores-Fiscais do Trabalho e parceiros contaram histórias cheias de desafios como protagonistas do combate ao trabalho escravo no Brasil. Na sexta-feira, 15 de maio, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM completa 25 anos.


Em depoimentos repletos de emoção, Auditores-Fiscais do Trabalho relembraram o combate ao trabalho escravo antes e a partir de 1995, a construção legislativa para fortalecer a atividade da fiscalização e instituir algum amparo aos trabalhadores, a transformação de governos em relação ao problema e o fortalecimento institucional do Grupo Móvel como política de Estado.


Na abertura da transmissão, Raul Vital Brasil, coordenador do Combate ao Trabalho Escravo no Rio de Janeiro, conversou com Jorge Mendes e Daniel Folly. Mendes registrou que o GEFM resgatou mais de 54 mil trabalhadores, de 1995 até hoje. Lembrou dos colegas na luta pela erradicação, a exemplo de Marinalva Dantas, com quem realizou várias ações fiscais conjuntas no Rio Grande do Norte, logo no início da carreira. Disse que, de 2013 a 2015, no Rio de Janeiro, participou de ações fiscais importantes.


Diego Folly falou que o reconhecimento do trabalho escravo no território brasileiro permitiu a criação de várias políticas públicas e da “Lista Suja”. “A política de transparência e responsabilidade social permitiu diversos avanços em prol das pessoas, trabalhadores e sociedade brasileira.”


Filme Pureza


No primeiro bloco da live, o tópico principal foi o filme Pureza, do diretor Renato Barbieri, com a participação da atriz principal Dira Paes, ambos presentes no debate virtual. A conversa foi mediada pelo Auditor-Fiscal do Trabalho Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho – Detrae/SIT.


De acordo com Maurício Krepsky, a Detrae havia programado, no final de 2019, vários eventos, que foram modificados em razão da pandemia no País. Um deles seria a apresentação do filme Pureza e do documentário Servidão, no Cine Brasília, com o apoio do SINAIT. O debate, que seria presencial após a apresentação das películas, ocorreu hoje, 13 de maio, por meio da live. Como parte da comemoração dos 25 anos do Grupo Móvel, ele convidou para a live de sexta-feira, dia 15 de maio, a diretora do SINAIT Vera Jatobá.


O cineasta Renato Barbieri falou da pesquisa histórica para construção do roteiro do filme Pureza. Ele conversou com Auditores-Fiscais do Trabalho, entre eles Cláudia Márcia Ribeiro e Marcelo Campos, que também participaram da live. Contou com a ajuda de vários parceiros, intitulados rede abolicionista, para entender os elos complexos que unem as cadeias de produção. Registrou que a Detrae teve papel importante na fase de pesquisa. “A pesquisa do filme foi ficando tão rica e vasta e vi que no filme Pureza não caberia tudo. O tema merecia também um documentário. É o primeiro filme no mundo que fala do trabalho escravo rural.” Ele se referia ao documentário Servidão, concluído em 2019.


A atriz Dira Paes falou da construção do personagem e sobre o prazer em conhecer a personagem real, Pureza Lopes Loyola, a mulher na luta para encontrar o filho Abel, que ajudou na construção de uma narrativa de luta contra o trabalho escravo. Comentou que o filme Pureza reuniu duas paixões, como paraense e cidadã - poder mostrar uma história tão importante e ajudar a elucidar a temática do trabalho escravo no Brasil. Dira Paes participa do Movimento Humanos Direitos – MhuD.


Luta de Pureza


A Auditora-Fiscal do Trabalho Cláudia Márcia Ribeiro, que foi entrevistada pelo cineasta Renato Barbieri para o filme, conheceu Pureza. “Sei da história e tive a oportunidade de conversar com Pureza durante uma investigação sobre a denúncia de trabalho escravo”, conta, complementando ter lido o processo na Procuradoria Geral da República intitulado “Procurando Abel”.    


Marcelo Campos, pioneiro do combate ao trabalho escravo, também foi entrevistado pelo cineasta e falou um pouco da época. Além disso, lembrou, em 1995, a criação do Grupo Móvel. “Tive o privilégio de, em 1996, entrar no Grupo Móvel e depois integrar a coordenação.”


Segundo bloco da live


O segundo bloco da live foi mediado pelo Auditor-Fiscal do Trabalho Alexandre Lyra – chefe da Detrae na data de aniversário dos 20 anos da Móvel. Ele pediu a Marcelo Campos fazer um histórico sobre o trabalho escravo no mundo.


Para Marcelo Campos, entre a abolição e a criação do Grupo Móvel há um longo caminho de injustiças. “O dia 13 de maio, data marcada pela assinatura da Lei Áurea, vejo como uma comemoração equivocada. Afinal, da escravidão do Egito Antigo, do povo Hebreu, à escravização nos gregos clássicos, passando pelos povos escravizados no Império Romano até o momento atual, a escravidão, em vários sentidos, persiste.”


Na visão de Lauro Lorenzoni, coordenador da primeira ação fiscal do Grupo Móvel, que seria um projeto piloto, muito foi feito e muito há a fazer. Relembrando vários episódios, foi levado pela emoção, e citou uma frase do ex-governador da Paraíba José Américo de Almeida, proferido da cidade de Areias (PB): “Voltar é uma forma de renascer. Ninguém se perde no caminho da volta”.


Emocionado, lembrou todo o trabalho árduo. “Na primeira ação, o primeiro parceiro foi o Ministério Público do Trabalho da 24ª Região. A ação foi na raça”, afirma. Registrou ainda que hoje, dia 13 de maio, é o aniversário de seu ingresso no Ministério do Trabalho, onde começou a trabalhar em 1976.


Ações parceiras


O subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalho aposentado Luís Camargo agradeceu a oportunidade de participar da live e poder registrar a alegria de integrar o fortalecimento do combate ao trabalho escravo na história do Brasil. “Nesse percurso aprendi muita coisa, principalmente a trabalhar de forma articulada. Em 1996, o Ministério Público do Trabalho e os Auditores-Fiscais do Trabalho construíram muita coisa. A parceria ensinou-me a trabalhar em conjunto. O resgate do trabalhador é algo inimaginável.”


Cláudio Secchin destacou, em 1995, a institucionalização do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Escravo – Gertraf. “O início foi efervescente e contou com a participação de representantes de vários ministérios. O debate foi importante e crucial sobre o tema de combate ao trabalho escravo. Muito tempo depois, sem a força inicial, ainda serviu de embrião para criação da Conatrae.”


A Auditora-Fiscal do Trabalho Rachel Cunha, por problemas técnicos, registrou a participação de maneira gravada. “Neste dia 13 de maio, acho que nós estamos muito longe de erradicarmos o trabalho escravo no País, apesar do trabalho fantástico de todos. Mas precisamos continuar na luta, enquanto tivermos situações de desigualdade e de pobreza.”


Histórias vividas nos resgates


As histórias tristes e de superação vividas em campo no combate ao trabalho escravo pelos Auditores-Fiscais do Trabalho Vera Jatobá, Marinalva Dantas, Cláudia Márcia Ribeiro, Valderez Monte, Márcio Leitão e Sérgio Carvalho, foram divididas com o público na terceira e última parte da live.


“Este painel é uma homenagem aos Auditores-Fiscais do Trabalho que fazem a diferença e têm compromisso com a dignidade do trabalhador brasileiro”, disse Márcio Leitão, mediador do debate.


Vera Jatobá abriu o painel com uma mensagem de parabéns do presidente do SINAIT, Carlos Silva, em nome de quem reforçou que “o Sindicato Nacional está disposto na luta pelo fortalecimento da Móvel e na crença de que se trata de uma grande instituição que a fiscalização deu para a sociedade”.


A atuação dos Auditores-Fiscais para dar início ao enfrentamento ao trabalho escravo, em 1995, foi relatada por Vera Jatobá. Ela disse que o grupo contou com a experiência dos que atuavam nas fiscalizações rurais e com as parcerias feitas, como a Comissão Pastoral da Terra – CPT, para combater o trabalho escravo. O trabalho resultou na construção do primeiro instrumento legal de combate ao trabalho escravo, a Instrução Normativa nº 1, de 24 de março de 1994, assinada por ela, à época secretária de Fiscalização do Trabalho. “Foi essa Instrução Normativa que deu as diretrizes para o combate ao trabalho escravo e norteou as fiscalizações até 2006”, explicou Vera Jatobá.


Segundo ela, a IN, mesmo sem citar trabalho escravo no título, continha as orientações detalhadas para reconhecimento e combate ao problema. “Não citar no título foi uma estratégia usada para evitar reações contrárias”, lembrou, ressaltando que foi a partir dali, já no governo de Itamar Franco, que começaram a se formar as equipes de fiscalização.


Vera destacou uma fiscalização no setor canavieiro, em Pernambuco, coordenada por ela e pela colega Ruth Vilela. Um trabalho perigoso, em que a fiscalização foi perseguida pela Polícia Militar. “Tinha uma guarita da PM na porta das usinas. Ficamos 15 dias lá e não foi notícia em lugar nenhum. Ali tinha muito Estado e poder econômico envolvidos”, declarou Jatobá.  


As também precursoras do combate ao trabalho escravo, Valderez Monte e Cláudia Ribeiro, contaram suas experiências no Grupo Móvel. Valderez começou fazendo um desabafo. Disse que “o desmonte do Ministério do Trabalho tem doído muito, mas que ‘eles’ [o governo] não conseguirão apagar a chama dos Auditores-Fiscais do Trabalho, que permanece”.


Elogiada pelos demais colegas durante a live, a experiente Valderez lembrou que a ferramenta criada pela colega Vera Jatobá, em 1994, foi motivo de exultação, porque abriu a possibilidade de a fiscalização prestar um serviço melhor no combate a esse crime. Relatou algumas experiências e histórias de resgates. Uma delas, na Fazenda Flor da Mata, no município de São Félix (PA), quando foram levados à fazenda por meio da denúncia de um adolescente de 14 anos, que conseguiu fugir do estabelecimento depois de ver o gato surrar de facão um amigo dele, de 12 anos. “O garoto de 14 anos atravessou a floresta, sobreviveu ao medo e chegou à margem da estrada. Um caminhão que passava na rodovia e ia pra fazenda o acolheu e o escondeu sob a lona. O garoto permaneceu escondido sob a lona até chegar ao Conselho Tutelar de Tucumã e fazer a denúncia, que chegou à CPT, e a missão caiu para mim”, conta Valderez.


“Estivemos com esse menino por vários dias. Ele nos levou à fazenda e foi mostrando tudo. Foi o garoto que ensinou os Auditores-Fiscais a usar a motosserra para cortar os troncos de árvores jogados no meio da estrada para dificultar o acesso à fazenda”, relatou.


Nas palavras dela, “tudo o que o garoto falou nós constatamos na fazenda. Naquela semana descobrimos mais de 200 trabalhadores escravizados, um cemitério clandestino e 12 pistoleiros travestidos de vaqueiros”.


Importância da comunicação


Cláudia Márcia destacou a importância de saber conversar com o trabalhador. “Tínhamos o hábito de, no fim da ação, reunir os trabalhadores para esclarecer seus direitos e deveres. Essa ação foi batizada pela Marinalva de ‘fala da cidadania’.”


“Eu dizia a eles que a diferença deles pra nós era a oportunidade. 'Nós estudamos, e vocês são iguais a nós, porque temos um respeito enorme por vocês. Queremos dizer que vocês são cidadãos e nunca devem se submeter a isso'”, disse Claúdia, ressaltando que tinham que saber tocar o coração dos trabalhadores.  


Dicionário “Peonês”


A comunicação com os trabalhadores também foi apontada por Marinalva Dantas como uma ferramenta valiosa para os Auditores-Fiscais do Trabalho. Ela lembrou que criou até um dicionário de “Peonês” para os Auditores-Fiscais entenderem a linguagem dos trabalhadores. “'Guacheba', por exemplo, na linguagem deles, quer dizer pistoleiro”, explicou.


Marinalva Dantas, que teve sua história transformada no livro “A Dama da Liberdade”, com mais de 2 mil resgates de trabalhadores feitos, contou dos medos vividos durante as operações de fiscalização. O maior deles durante a primeira operação de que participou, em Marabá (PA), junto com os colegas Claudia Márcia e Sérgio Carvalho, entre outros, quando a Polícia Federal mandou que eles aguardassem na estrada, enquanto entrava na fazenda para pegar o gato, conhecido como Baiano Chapéu Preto, ainda dormindo. Segundo ela, foram aconselhados pelo colega Arízio, que era médico, a entrar no carro para evitar a inalação da fumaça que contaminava o local. “O escuro impedia de sabermos o que estava acontecendo. Só quando o dia foi amanhecendo que nos demos conta que se tratava de queimadas.”     


Outras histórias foram lembradas por ela, como sua última fiscalização no Grupo móvel, quando encontraram um trabalhador morto na entrada da fazenda porque havia tentado fugir. Foi também nessa fiscalização que conheceu o pistoleiro mais perigoso de Mato Grosso, que tinha até avião.  “Ele mandou amarrar um trabalhador numa árvore e passar a motosserra”, contou Marinalva, ressaltando que Valderez tinha faro pro perigo. “Ela nos levou para todas essas situações”, contou Marinalva, ressaltando que depois a colega os apresentou a um anjo, Dom Pedro Casaldáliga, expoente da luta de combate ao trabalho escravo no Brasil. Marinalva disse que tudo que aprendeu foi com as colegas Vera Jatobá, Paula Mazullo, Valderez Monte e Ruth Vilela.


Para Márcio Leitão, a ação do Grupo Móvel impediu muitas mortes de trabalhadores. Ele contou de um que queimou o braço e só recebeu pasta de dente como remédio. “Eu o encaminhei ao hospital. O médico depois chegou para examinar mais 49 trabalhadores e disse que, se o trabalhador não tivesse chegado naquele dia ao hospital, teria perdido o braço.”


Fotografia como instrumento de combate


A atuação de Sérgio Carvalho para levar ao mundo, por meio da fotografia, o combate ao trabalho escravo, foi tratada na live. Sérgio é fotógrafo, tem sete livros publicados e recebeu prêmios internacionais. O Auditor-Fiscal disse que se descobriu fotógrafo em razão do combate ao trabalho escravo.


Para o Auditor e fotógrafo, “esses trabalhadores precisam ser vistos! A sociedade precisa ter conhecimento da existência deles, e a fotografia tem esse papel. Nada como uma fotografia dentro de um relatório e um juiz abrir e ver como vivem aqueles trabalhadores”, constatou Carvalho. Para Sérgio, “o Grupo Móvel talvez seja o maior projeto do Ministério do Trabalho nos últimos tempos, sem desmerecer os demais”.


Ele falou de sua primeira experiência em campo, em maio de 1996, na Serra do Cachimbo (PA), junto com as colegas Marinalva, Valderez e Paula Mazzullo. “Chorei quando a Paula, no fim da operação, fez um discurso para os trabalhadores, falando que eles não tinham que se submeter àquelas condições indignas. Daquele momento em diante eu decidi participar das operações do Grupo Móvel e me tornei fotógrafo”, disse Sérgio.


O Auditor também falou do prazer de ver os trabalhadores receberem o primeiro documento, que era a Carteira de Trabalho, durante as ações de fiscalização. “Resgatar a dignidade do trabalhador é resgatar a vida deles. Isso é impagável, vai ficar pra nossas vidas inteiras”, constatou. Disse ainda que “o Grupo Móvel foi a minha maior experiência como ser humano, me transformou no homem que sou hoje”.


Medo da morte e homenagem aos colegas mortos em Unaí


Sérgio Carvalho afirmou ser impossível não temer a morte nessas fiscalizações em que sempre recebem ameaças. Ele aproveitou a ocasião para homenagear os colegas mortos na Chacina Unaí. Disse que os mandantes ainda estão soltos e que a categoria só irá sossegar quando todos os assassinos estiverem atrás das grades.


Contou como ficaram sabendo da tragédia. “Nós estávamos em Santana do Araguaia (PA), onde resgatamos 49 trabalhadores no mesmo dia da chacina. Quando chegamos em Redenção (PA), já mais de meia noite, com fome, entramos em uma churrascaria para jantar e fomos recebidos com a chamada do Jornal da Globo sobre a morte dos quatro colegas em Unaí. Aquilo foi um choque! Ficamos em silêncio e voltamos pro hotel em silêncio. Naquela noite meu celular estava abarrotado de mensagens, porque colegas e familiares pensaram que eu era um dos assassinados, já que estava em operação. Ali pensei em desistir, quando pensei no meu filho. Esse foi um momento muito doloroso”, lamenta Sérgio.  “Enquanto tiver um trabalhador pra resgatar, nós vamos continuar. Vamos continuar porque é um grupo que se renova e temos colegas valorosos”, declarou.  


Vera Jatobá disse que esse trabalho é um tesouro que levará para toda a vida e que, por meio do SINAIT, consegue fazer a defesa dessa instituição nacional que é o Grupo Móvel. “Essa oportunidade de 25 anos é muito importante pra gente fazer um tributo aos colegas que se foram em Unaí.” 


Veja a transmissão completa aqui.​

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