Matéria veiculada pelo The Intercept Brasil nesta segunda-feira, 6 de janeiro, denuncia que médicos especialistas em saúde do trabalho ligados à Sama - mineradora que por mais de 50 anos explorou as reservas de amianto em Minaçu, interior de Goiás - abafaram diagnósticos e mortes de trabalhadores pelo mineral cancerígeno. A constatação foi por meio de documentos analisados pelo Intercept, incluindo laudos de exames, certidões de óbito, dois estudos científicos financiados pela Sama e pela indústria do amianto, e pelo depoimento de ex-funcionários. Os documentos também foram submetidos a especialistas da Fiocruz, entre outros.
O caso que abre a matéria é o de Antônio José Severino de Carvalho que foi a uma consulta médica, em 2014, para tratar de um problema na mão causado por um acidente de trânsito. Quando o médico que o atendeu em Goiânia soube que ele trabalhava como operador de máquina na Sama, pediu também uma tomografia do seu tórax. O exame mostrou uma mancha num dos pulmões. O diagnóstico: asbestose, uma das principais doenças ocupacionais causadas pela exposição ao amianto.
Ao retornar a Minaçu, Carvalho procurou Eduardo Andrade Ribeiro, um dos médicos do trabalho da empresa, para mostrar o exame. A notícia não foi bem recebida. “Quando ele olhou a tomografia, bateu na mesa e rabiscou o laudo de cima a baixo”, me contou o ex-funcionário, demitido cerca de um ano depois, em 2015, após quase 14 anos na Sama.
Também chamado de asbesto, o amianto é uma fibra mineral que no Brasil é usada principalmente misturada ao cimento como matéria-prima de telhas e caixas d’água. A Organização Mundial da Saúde - OMS recomendou seu banimento no mundo todo – já foi proibido em mais de 60 países. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal determinou o fim da exploração do amianto no Brasil, mas a operação da Sama só parou mesmo em fevereiro de 2019 e agora a empresa aguarda a análise de seus recursos finais pelo tribunal.
A Sama é um braço do grupo Eternit, que responde a processos milionários por doenças causadas por amianto na Europa. Nas últimas décadas, a empresa bancou mais de R$ 2 milhões em duas pesquisas científicas que defendem que a exposição ao amianto não causa doenças e contratou ao menos cinco médicos cujos diagnósticos curiosamente quase nunca apontavam a existência de doenças relacionadas à fibra. A Sama também financiou dois hospitais que tratavam seus trabalhadores em Minaçu (GO), onde fica localizada a empresa, e em Goiânia.
Segundo a matéria, a empresa tinha por política propor a todos os seus ex-funcionários um acordo extrajudicial em que garantia pagamento de plano de saúde e de indenização caso a junta diagnosticasse alguma doença relacionada ao amianto. Em contrapartida, o ex-funcionário se comprometia a não processar a empresa. O diagnóstico, no entanto, quase nunca acontecia.
O ex-funcionário Silva Júnior, que morreu de asbestose em 2008, foi um dos empregados que jamais recebeu o diagnóstico da doença, ele provavelmente estava no rol de trabalhadores que, segundo os médicos da Sama não apresentavam doenças relacionadas ao amianto.
Desde 1995, a Associação Brasileira de Expostos ao Amianto, a Abrea, fundada pela Auditora-Fiscal do Trabalho Fernanda Giannasi, começou a denunciar publicamente os casos de adoecimento dos trabalhadores da Sama, aumentando a pressão sobre a empresa.
Demissões
Após a decisão do STF que proibiu a exploração do amianto no Brasil, 400 trabalhadores da mineradora foram demitidos. Ao longo dos anos, vários Trabalhadores diagnosticados com câncer também foram demitidos pela Sama sob a justificativa de que a empresa precisava fazer cortes.
Mortes no Brasil
No Brasil, 788 pessoas morreram por doenças relacionadas ao amianto entre 2011 e 2017, segundo o dado mais recente do Ministério da Saúde. Mas é certo que há subnotificação, como até o próprio Ministério da Saúde admite.
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