Com informações da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho.
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM completou no dia 15 de maio 24 anos de existência, tendo libertado mais de 53 mil trabalhadores ao longo desse período. Coordenado pela Auditoria-Fiscal do Trabalho, tem ainda a participação de diversas instituições, como Defensoria Pública da União, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.
Na época chefe da Divisão de Apoio à Fiscalização Móvel, o Auditor-Fiscal do Trabalho Mário Lorenzoni coordenou a primeira operação, realizada no dia 15 de maio de 1995, em carvoarias dos municípios de Ribas do Rio Pardo, Água Clara e Brasilândia, em Mato Grosso do Sul.
Lorenzoni conta que o trabalho de campo de identificação dos locais de exploração dos trabalhadores foi realizado pelo frade capuchinho da Comissão Pastoral da Terra Alfeo Prandel. Foi Prandel quem repassou as informações para o planejamento da primeira operação do GEFM, que deu início à política pública brasileira de combate às formas contemporâneas de escravidão.
Segundo Mário Lorenzoni, o formato da primeira operação havia sido definido um ano antes, em 1994, após uma ação fiscal em Rondônia, em conjunto com a Polícia Federal. O Auditor-Fiscal do Trabalho coordenou o grupo até o ano 2000 e participou de vários grupos temáticos interinstitucionais sobre o tema, como o Fórum Contra a Violência no Campo, coordenado pelo Ministério Público Federal.
Na primeira operação do GEFM, Lorenzoni encontrou uma trabalhadora com um dedo decepado por esmagamento entre toras de madeira. Perguntada sobre atendimento médico para evitar a perda do dedo, ela disse que não teve nenhum. “Ela justificou que não tinha dinheiro para comprar álcool. Eu não havia entendido, perguntei se ela achava que utilizando álcool poderia evitar a perda do dedo. Então ela me explicou que o álcool era para abastecer o carro do patrão para levá-la ao hospital.”
Lorenzoni presenciou graves violações de direitos de trabalhadores brasileiros e relata, emocionado, a ocasião em que salvaram a vida de uma bebê de três meses. Em uma operação no Mato Grosso, ao chegar na fazenda objeto da fiscalização, o GEFM encontrou várias famílias indígenas trabalhando na catação de sementes de braquiária, uma atividade manual na qual se trabalhava de cócoras o dia todo.
“Uma trabalhadora de 15 anos tinha uma filha de três meses, chamada Bianca. O pai tinha 17 anos. A mãe não tinha leite, a fazenda era localizada em área isolada e os pais tinham que andar 30 km para comprar leite. Então eles cozinhavam feijão e coavam o caldo em uma meia para dar ao bebê. Como a criança estava desidratada e vomitando muito, a levamos, e mais outros seis trabalhadores doentes, ao hospital da cidade mais próxima. A bebê passou por transfusão de sangue e os médicos falaram que, nas condições nas quais ela estava, não teria nem mais 24 horas de vida. Nunca me esquecerei disso. O Grupo Móvel salvou a vida da Bianca.”
Em outra situação, o Auditor-Fiscal do Trabalho relembra quando foram encontrados os corpos de três trabalhadores assassinados. “Os trabalhadores iriam denunciar as péssimas condições de trabalho a que estavam submetidos e foram assassinados na própria fazenda. Para servir de aviso aos demais trabalhadores, para que não denunciassem. Todos sabiam onde os corpos haviam sido enterrados. Durante a operação fiscal os trabalhadores revelaram ao Grupo Móvel o ocorrido e o local onde estavam os corpos.”
A Auditora-Fiscal do Trabalho Cláudia Márcia Brito, que coordenou uma das equipes do GEFM de 1996 a 2004, recorda-se do resgate de trabalhadores em uma propriedade rural no interior do Maranhão. “Um trabalhador que roçava pasto tentou fugir da fazenda, mas foi capturado pelo aliciador e foi por este espancado até retornar ao local de trabalho. Ali, o espancamento teria continuado, diante dos demais trabalhadores, como mensagem para que não tentassem sair da fazenda sem terminar os serviços. Finalmente, após outra fuga, é que o trabalhador conseguiu denunciar o caso.”
A denúncia resultou na ação da equipe coordenada por Cláudia Márcia Brito, que retirou os trabalhadores das condições de degradância em que se encontravam e promoveu o resgate e reparação de direitos das vítimas.
A Auditora-Fiscal do Trabalho destaca a seriedade e disciplina dos membros da equipe do GEFM que coordenou. “São servidores públicos que, apesar de todas as dificuldades para desempenharem os trabalhos, como o enfrentamento de grandes deslocamentos por estradas ruins do País para se chegar aos locais de inspeção, passando semanas longe dos familiares, foram capazes de obter resultados excelentes nas auditorias. Não me preocupava em acordar às 3h da manhã e às vezes chegar às fazendas às 17h para dar início ao trabalho. É um trabalho que precisa ser feito, imprescindível para um Brasil mais justo”, afirma.
O Auditor-Fiscal do Trabalho Márcio Leitão, participante do GEFM no período de 1995 a 2011, e coordenador de uma das equipes nos anos de 2003 e 2011, revela que o “arquétipo de guerreiro” dos primeiros membros do GEFM foi fundamental para o aprimoramento das ações que visam ao resgate dos trabalhadores das condições análogas à de escravos. “Eram necessárias muita determinação e coragem para realizar o trabalho”, afirma.
Também destaca que eram muitos os obstáculos que encontrava, desde atoleiros e buracos nas estradas a serem percorridas, com carros por vezes despreparados para isso, violência no campo, até a ausência de um forte arcabouço legal, o qual viu ser construído aos poucos. Somente em 2003 o Código Penal passou a caracterizar o crime, com uma nova redação do artigo 149.
O Auditor-Fiscal do Trabalho André Wagner Dourado, coordenador de uma das atuais equipes do GEFM há cinco anos, conta que em uma operação no Paraná foram encontrados em uma fazenda trabalhadores mantidos em servidão por dívida, pela venda de bebidas alcoólicas. “Os trabalhadores eram mantidos no trabalho pelo próprio vício, alimentado pelo gerente da fazenda. Infelizmente isso ainda ocorre no nosso País”, conta o Auditor.
Casado e pai de cinco filhos, André Wagner conta que a rotina de operações do GEFM interfere muito na vida pessoal e familiar. “Não é possível ter um convívio diário com a família, mas tento, na medida do possível, compensar nos finais de semana que passo em casa após as operações. É um trabalho extremamente necessário para a sociedade brasileira, mas que envolve sacrifícios pessoais. No dia em que resgatamos os trabalhadores submetidos a servidão por dívida no Paraná, meu filho completava 10 anos e eu perdi esse momento com ele.”
A Organização das Nações Unidas – ONU reconheceu em 2016 que a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel é uma das iniciativas fundamentais ao enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo promovidas pelo governo brasileiro.
Os dados consolidados e detalhados das ações concluídas de combate ao trabalho escravo, desde 1995 estão no Radar do Trabalho Escravo da SIT.