PA: Fiscalização da coleta de resíduos revela graves problemas no setor


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
07/04/2017



Auditores-Fiscais apontam condições críticas para os trabalhadores e medidas que podem reduzir riscos 


Equipe de Auditores-Fiscais do Trabalho do Pará vem realizando desde novembro de 2016 uma operação de fiscalização das condições de trabalho dos coletores de lixo de Belém, desencadeada a partir da observação de alta incidência de acidentes de trabalho no setor, segundo o que indica o Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS. Os dados de 2013 a 2015 do Anuário revelam uma média de 6.500 acidentes com trabalhadores do setor por ano em todo o país, mais de 19.500 ao todo. 


Em Belém, nas duas empresas que fazem a coleta de resíduos – Terraplena e B.A. Meio Ambiente – foram apurados números muito sigificativos. Na Terraplena, entre 2013 e 2016, foram registrados 29 acidentes graves com emissão de Comunicado de Acidente de Trabalho – CAT, sendo dois fatais. Na B.A. Meio Ambiente, ocorreram 38 acidentes com emissão de CAT. Durante as fiscalizações, entretanto, os Auditores-Fiscais constataram que existe subnotificação e vários pequenos acidentes não foram comunicados oficialmente. Na realidade, portanto, o número de acidentes pode ser muito maior do que o registrado pela Previdência Social. 


A maioria das ocorrências atinge membros inferiores e superiores, com fraturas, cortes, laceração e perfurações de pés e mãos, causadas por quedas, atropelamentos e objetos perfurocortantes descartados no lixo sem qualquer proteção. 


Como resultado da ação fiscal foram lavrados autos de infração e Termos de Interdição de atividades e veículos, em razão de grave e iminente risco à saúde e segurança dos trabalhadores. 


Segundo o Auditor-Fiscal do Trabalho Ronald Azevedo, coordenador da ação fiscal, os autos de infração e as interdições foram aplicados com base no Código de Trânsito Brasileiro, nas Normas Regulamentadoras - NRs do Ministério do Trabalho, na Norma Técnica - NBR nº 14599 da Associação Brasileira de Normas e Técnicas - ABNT e nos preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da redução dos riscos inerentes ao trabalho. 


Irregularidades


A fiscalização proibiu o transporte de coletores nos estribos dos caminhões ou em capacidade acima do permitido na cabine do veículo, e ainda a utilização de diversos veículos em situação precária, como caminhões e tratores. A liberação só ocorreu após a adoção das medidas corretivas de segurança e saúde. Entretanto, permanece interditado o transporte de trabalhadores nos estribos dos caminhões coletores. 


Os Auditores-Fiscais constataram que os trabalhadores são transportados sobre os estribos na parte externa do veículo, agarrando-se em barras de ferro, panos e cordas improvisadas, apresentando risco de queda, atropelamento ou choque mecânico contra a estrutura do caminhão em caso de frenagem brusca ou inesperada e desestabilização do veículo provocada por pistas irregulares, buracos e lombadas. A situação é agravada pelo fato de os trabalhadores subirem e descerem dos estribos com os carros em movimento. Além disso, a posição nos estribos provoca a inalação de gases tóxicos provenientes do lixo colocado nos caminhões, com graves prejuízos à saúde. 


Os caminhões utilizados para coleta, informa Ronald Azevedo, encontram-se em péssimo estado de conservação. Apresentam pneus carecas, ausência de cinto de segurança, luz de seta e faróis queimados, falta de sinal sonoro de ré, falta de parabrisa, estofamento danificado com exposição de molas, corrosão intensa no piso das cabines, falta das placas dianteiras e traseiras, estribos de acesso à cabine e de transporte dos trabalhadores danificados, falta de botão de emergência do equipamento de compactação do lixo, entre outros problemas. 


Não há pontos de apoio aos trabalhadores ao longo do trajeto. Os empregados não têm local adequado para lavar as mãos, para comer e nem para suas necessidades fisiológicas. “É comum encontrar os trabalhadores se alimentando sentados nas calçadas da cidade, descansando deitados nas vias públicas e utilizando terrenos baldios para satisfazerem suas necessidades fisiológicas”, diz Ronald. 


Outro fato que os Auditores-Fiscais consideraram grave é o não fornecimento de água potável, apesar das  grandes distâncias percorridas com alto gasto de energia e, muitas vezes, sob sol forte.  “Os trabalhadores têm que depender da generosidade dos moradores para satisfazerem uma necessidade básica”, revela Ronald Azevedo. 


Pela análise dos discos dos tacógrafos dos veículos foi possível constatar que as rotas dos caminhões têm percursos superiores a 30 quilômetros por dia e os carros alcançam velocidade superior a 60 km/h – limite máximo permitido –, chegando a até 80 km/h ou mais. Ronald comenta que “isso resulta em uma jornada excessiva e extenuante, já que a maior parte do percurso é feita a pé, com o coletor correndo pelas vias públicas, subindo e descendo dos estribos com o carro em movimento, atravessando no meio dos carros, carregando recipientes de lixo das mais variadas formas e, muitos deles, com pesos excessivos para um ser humano. Isso, sem falar nos riscos escondidos dentro dos sacos plásticos, que muitas vezes contêm cacos de vidro, lâminas, agulhas e outros objetos perfurocortantes que causam lesões e adoecimentos por doenças infectocontagiosas, como a hepatite, HIV, tétano, etc.”


Para agravar ainda mais a situação, a fiscalização constatou o não fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual – EPI, como bonés com aba protetora do pescoço, protetor solar, luvas e botas adequadas, capas de chuva e outros. 


A precarização da atividade está também nas condições salariais. O exame dos recibos e folhas de pagamento, além das entrevistas com os coletores, revelaram que parte dos custos com a manutenção dos veículos é repassado aos trabalhadores por meio do desconto nos salários: pneu estourado, mola quebrada, amortecedor estragado, geralmente danificados em decorrência do uso normal e das ruas desniveladas e esburacadas da capital paraense. 


A equipe de fiscalização também descobriu que parcela significativa das horas extras cumpridas nas  longas e exaustivas jornadas não são remuneradas ou são pagas em valores inferiores ao devido, o que foi objeto de Auto de Infração e de assinatura de Termo de Compromisso para quitação da dívida. 


Algumas das conseqüências perversas dessas condições desumanas ressaltadas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho do Pará são a mendicância de alimento e água, o alcoolismo e a utilização de drogas para suportar o trabalho exaustivo, assim como o preconceito e a discriminação a que os trabalhadores estão sujeitos, levando à baixa autoestima e outros problemas psicológicos. 


Precarização


Os Auditores-Fiscais do Trabalho observam que o modelo atual de coleta, de forma geral adotado em todo o país, é baseado em contratos administrativos elaborados pelas prefeituras, com foco principal em conseguir o menor preço para a coleta de resíduos sólidos no maior percurso possível e por tonelada recolhida. “Como alguns fatores envolvidos na coleta possuem um custo fixo que deve ser ressarcido – a exemplo de aluguel de carros, gastos de combustíveis e manutenção –, a redução de custos e a maximização de lucros resulta na exploração do trabalhador, por meio da utilização do seu corpo como instrumento de trabalho, gerando mais lucro para os empresários, num exemplo clássico e deplorável de mais valia. Assim, quanto maior o percurso percorrido por um trabalhador, maior o lucro do empresário. Neste modelo, é imprescindível que o trabalhador seja transportado nos estribos dos veículos. Desta forma, ele pode descer e subir com o carro ainda em movimento e percorrer distâncias maiores e recolher mais lixo”, analisa Ronald Azevedo. 


Ele diz ainda que este cenário conduz a um regime de cobrança excessivo e pressão psicológica por resultados, com a caracterização da ocorrência de assédio moral, inclusive de ameaça de demissão por conta de produtividade abaixo do estipulado pelas empresas. Nesta dinâmica para cumprir todo o trajeto definido pela empresa – pois o trabalho só termina com o percurso de toda a rota –, muitas vezes o coletor não tem intervalo para se alimentar e repousar, o que, também, é uma das causas de adoecimento. 


A precarização é agravada com a subcontratação de terceiros – pessoas físicas e jurídicas – por parte das empresas contratadas, que utilizam mão de obra barata, sem registro em Carteira de Trabalho e sem as garantias mínimas de segurança e saúde, caracterizando a quarteirização. 


Medidas emergenciais


As ações fiscais no setor de coleta de resíduos em Belém levaram à conclusão de que medidas emergenciais devem ser tomadas. Entre elas, o transporte dos trabalhadores nas cabines dos veículos, mesmo dentro da rota, com disponibilização do número de assentos compatível com o número de trabalhadores; adoção de rotas menores, definindo-se uma distância máxima a ser percorrida, levando-se em consideração os limites fisiológicos dos trabalhadores, uma vez que a maior parte do percurso é feita a pé e com movimentação manual de cargas; disponibilização de pontos de apoio na rota para alimentação, repouso e higienização, como manda a lei; suprimento de água potável nos veículos; exclusão da possibilidade de quarteirização nos contratos firmados pela Prefeitura; comprovação de corpo fiscal da Prefeitura específico para acompanhar o sistema de coleta das empresas; contrato administrativo prevendo a concessão de seguro de vida e de acidente; contrato administrativo prevendo a concessão de seguro e/ou plano de saúde. 


Na avaliação dos Auditores-Fiscais do Trabalho, mesmo que essas medidas sejam adotadas, se mantido o modelo atual, o risco de acidente grave, inclusive de óbito, estará sempre presente no desenvolvimento das atividades. “A mudança neste cenário passa pela adoção do sistema de coleta mecanizada ou semimecanizada de container, em que o trabalhador não tem contato direto com os resíduos sólidos e pode ser transportado na parte interna das cabines dos carros, com dignidade e segurança”,  defende Ronald Azevedo. O modelo já é adotado em várias cidades do Brasil, como Campinas (SP). 


O Auditor-Fiscal lembra que medidas efetivas para alterar esta realidade são a fiscalização rigorosa que vem sendo feita pela Auditoria Fiscal do Trabalho em vários municípios do Brasil e a aprovação da nova Norma Regulamentadora sobre Limpeza Urbana que está disponível para consulta pública até 30/05/2017, no site do Ministério do Trabalho - MTb. 


A fiscalização da coleta de resíduos sólidos em Belém ainda está em curso. Já foram lavrados diversos autos de infração e termos de interdição, realizada mesa de entendimento com assinatura de Termo de Compromisso para pagamento de diferenças salariais apuradas na ação fiscal e levantamento de débito de FGTS. 


Em várias cidades do país há ações fiscais semelhantes, que têm levado às mesmas conclusões apontadas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho do Pará. Provocada pela fiscalização, há uma discussão nacional por parte das empresas de coleta de resíduos sobre a modificação dos procedimentos na atividade. Nenhuma medida alternativa foi ainda anunciada. 


Registro em vídeo


A Delegacia Sindical do Sinait no Pará – DS/PA considerou que o trabalho de fiscalização no setor de coleta de resíduos é tão relevante que decidiu patrocinar um vídeo para registrar a atuação dos Auditores-Fiscais e, ao mesmo tempo, mostrar como são ruins as condições dos coletores. 


Assista aqui.

Categorias


Versão para impressão




Assine nossa lista de transmissão para receber notícias de interesse da categoria.