Celso de Barros Filho, Auditor-Fiscal do Trabalho lotado na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego na Paraíba – SRTE/PB, atuou por uma década na fiscalização do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FTGS e anuncia tempos difíceis para a categoria.
Por decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, o débito do FGTS que poderia ser levantado em até 30 anos, agora ficou reduzido a cinco. Segundo o Auditor-Fiscal, o prazo diminuto pode trazer prejuízos para os trabalhadores brasileiros e o número limitado de Auditores-Fiscais do Trabalho, o menor nos últimos 20 anos, impede uma atuação tão rápida quanto necessária.
Para elucidar as dúvidas e as mudanças de regras que aconteceram, o Auditor-Fiscal Celso de Barros explica os desafios que precisam ser vencidos pela Fiscalização do Trabalho.
O que significa a prescrição do FGTS?
CB: A prescrição do FGTS, em linguagem simples, se refere ao tempo que o trabalhador tem para reclamar, na Justiça do Trabalho, a falta dos respectivos depósitos. É também o prazo que o Estado brasileiro tem para exigir seu recolhimento, em nome dos trabalhadores. A prescrição do FGTS passou a ser de cinco anos a partir de 13 de novembro de 2014. Até então era de trinta anos.
Quando essa decisão foi tomada? Com base em que?
CB: Essa decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal – STF em 13 de novembro de 2014, ao julgar um recurso de um banco oficial, referente a uma reclamação trabalhista. O STF alterou o entendimento anterior do Poder Judiciário, que vigorava há décadas, tendo decidido que é inconstitucional o prazo prescricional de 30 anos estabelecido pela Lei nº 8.036/90 (art. 23, § 5º) para que possam ser cobrados os depósitos do FGTS. Considerou-o contrário à Constituição (art. 7º, inciso XXIX), a qual estabelece que o trabalhador tem cinco anos para reclamar os direitos trabalhistas, a partir da data em que forem descumpridos.
A nova interpretação do Judiciário vale para os depósitos do FGTS que forem vencendo desde 14 de novembro de 2014. Para os recolhimentos que haviam vencido até 13/11/14, o Supremo estabeleceu um prazo prescricional de transição, de 30 anos, que tem por limite o dia 13 de novembro de 2019, caso sua contagem ultrapasse essa data.
Antes da referida decisão, era aplicada a prescrição trintenária, por se tratar de norma mais benéfica para o trabalhador, conforme estabelece a Constituição: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.
De que maneira ela vai influenciar na atuação do Auditor-Fiscal do Trabalho?
CB: Há uma tendência ao aumento da sonegação do FGTS, pois a nova prescrição flui seis vezes mais rápido e exigirá da Auditoria-Fiscal do Trabalho um esforço proporcional, para que possa fiscalizar e cobrar os recolhimentos não efetuados desde 14 de novembro de 2014.
Além disso, e simultaneamente, caberá também à Auditoria-Fiscal do Trabalho fiscalizar os recolhimentos do FGTS em débito até 13 de novembro de 2014, cujo montante é estimado na casa de vários bilhões de reais e somente poderá ser exigido até 13 de novembro de 2019.
Quais essas implicações?
CB: Trata-se de dois desafios descomunais, que foram repentinamente impostos à Auditoria-Fiscal do Trabalho, e que, para o enfrentamento, a mesma, infelizmente, não está instrumentalizada.
Não será fácil fiscalizar e cobrar uma dívida do FGTS referente a mais de duas décadas em apenas quatro anos e, ainda por cima, simultaneamente, fazer o mesmo com as novas competências, que prescrevem seis vezes mais rápido.
Uma medida extremamente necessária é o imediato preenchimento dos mais de mil cargos vagos de Auditor-Fiscais do Trabalho, além da ampliação do respectivo quadro, o qual, mesmo com essa reposição, ainda ficaria muito aquém do necessário para atender as demandas da sociedade.
Também há que se fazer investimentos na infraestrutura das sedes do Ministério, muitas em situação precária, bem como na contratação e (re)qualificação de pessoal de apoio e, ainda, em tecnologia de fiscalização e cobrança do FGTS.
O processo de débitos remonta ao século passado, pois sua tramitação ainda ocorre em papel, com todas as burocracias e dificuldades que são inerentes a esse meio físico.
Além disso, no Projeto do Plano Plurianual – PPA 2016/2019, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, deveria constar alguma meta (qualitativa ou quantitativa) para que a Auditoria-Fiscal do Trabalho pudesse enfrentar essa nova realidade do FGTS e cobrar os meios necessários para tanto.
A prescrição vai prejudicar o trabalhador? De que forma?
CB: A prescrição do FGTS, assim como a de qualquer outro direito, tem como efeito prático um perdão legal da respectiva obrigação do devedor. No caso, a dívida referente aos recolhimentos não efetuados pelo empregador.
A possibilidade disso ocorrer agora está multiplicada por seis (30 anos dividido por 5 anos), o que reduz a sensação de risco para quem deve ao FGTS e, por conseguinte, tende a aumentar os casos de prescrição, aumentando a sensação de impunidade e favorecendo o mau pagador.
Esse contexto terá consequências no emprego formal. O país já convive atualmente com um alto índice de empregados sem carteira assinada, que é de 27,9% para os trabalhadores celetistas e de 69,4% para os trabalhadores domésticos (PNAD/IBGE), os quais agora também são beneficiados pelo FGTS obrigatório.
A prescrição de 30 anos funcionava como um inibidor para essa informalidade, pois os empregados tinham um longo período para obter, na Justiça ou por meio da Auditoria-Fiscal do Trabalho, a regularização de seu vínculo e o recolhimento do FGTS de todo o período trabalhado.
Com a nova prescrição do FGTS, seis vezes mais curta, haverá impacto na informalidade do emprego, pois o trabalhador estará mais vulnerável, já que não terá mais a garantia de cobertura de seu tempo de serviço, razão essa que justamente levou o Brasil a criar o FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - em 1966. Agora o FGTS poderá garantir apenas o tempo não prescrito, ou seja, os últimos cinco anos trabalhados, o que merece uma alteração em sua denominação, para guardar mais coerência com a nova realidade.
Como o trabalhador pode se proteger da prescrição?
BC: Buscando informação, acompanhando os depósitos e acionando as instituições competentes para exigir os que não tiverem sido efetuados: Justiça do Trabalho e Auditoria-Fiscal do Trabalho.
O Auditor-Fiscal do Trabalho fiscaliza e cobra os depósitos ao FGTS ainda no curso do contrato de trabalho e sem que para isso o trabalhador precise colocar o seu emprego em risco. O benefício decorrente dessa atribuição é incomensurável para o obreiro e a sociedade, mas para tanto é necessário, reitero, que a Auditoria Fiscal do Trabalho seja valorizada e equipada.
Como o Auditor-Fiscal irá orientar o trabalhador?
CB: O trabalhador, mais do que nunca, precisa estar atento e acompanhar se os depósitos do FGTS estão sendo efetuados no prazo e no valor devido, passando a adotar uma postura mais proativa, de parceiro do Estado nessa tarefa de tutela do hipossuficiente.
O primeiro passo para isso é manter atualizados seu endereço e demais dados junto à Caixa Econômica Federal, gestora do FGTS, para que possa ter acesso a extratos onde irá verificar os recolhimentos.
Ademais, vivemos a era da tecnologia da informação e os smartphones, que são computadores portáteis, estão bem disseminados entre todas as camadas da população e constituem um equipamento que pode ser utilizado como ferramenta auxiliar no combate à sonegação do FGTS.
Atualmente a Caixa Econômica Federal disponibiliza um serviço para o trabalhador cadastrar seu número de celular e receber mensagens informando quando forem efetuados depósitos do FGTS em seu nome.
Para que o trabalhador prejudicado pela inadimplência possa dar consequência a essa informação, seria muito importante o Ministério do Trabalho e Previdência Social - MPTS desenvolver um aplicativo gratuito para celular (App) – uma agência virtual do MTPS – com um serviço de denúncias que se conectaria com um banco de dados de indícios de sonegação (o atual Ideb), a partir do qual seriam planejadas as ações fiscais.
Acredito que um efeito imediato dessa providência (se for bem divulgada) seria aumentar a sensação de risco de ser punido, naquele que pretender inadimplir o FGTS. Em outras palavras, o simples fato dos empregadores terem conhecimento de que os recolhimentos ao FGTS estão sendo monitorados pelos próprios trabalhadores e que estes alimentarão diretamente um banco de dados da fiscalização já será um grande aliado no combate à sonegação.
Haverá algum prejuízo social?
CB: Como sabemos, o FGTS não é apenas um direito individual, do trabalhador, mas patrimônio de toda a sociedade brasileira. É um dinheiro que é “economizado” compulsoriamente todo mês, compondo uma reserva financeira cujos ativos somam R$ 437,8 bilhões (CEF - junho/15). Para se ter uma ideia do que isso representa, vale uma comparação com os depósitos em caderneta de poupança em todo o país, que totalizavam R$ 648 bilhões no mesmo período. Assim, o FGTS equivale a 2/3 da poupança nacional tradicional.
O FGTS é um grande indutor do desenvolvimento social e econômico do Brasil, cujos recursos financiam obras de saneamento, habitação e mobilidade urbana, gerando milhares de empregos. Somente em 2014, o Fundo financiou R$ 64,3 bilhões em obras e gerou ou manteve 4,1 milhões de empregos, segundo balanço divulgado pelo Conselho Curador do FGTS. São muito relevantes os benefícios sociais e econômicos que o Fundo propicia ao país.
As consequências da nova realidade prescricional e da regra de transição devem ser examinadas sob dois aspectos.
O primeiro é o enorme e bilionário débito do FGTS que estava vencido até a data da decisão do Supremo, e cuja possibilidade de cobrança se extinguirá paulatinamente em até quatro anos (13/11/19). O Fundo, os trabalhadores e a sociedade amargarão um enorme prejuízo se o Estado brasileiro não conseguir cobrar essa dívida até lá. Seria também um duro golpe no combate à sonegação e um grande alento à impunidade.
O segundo aspecto é que, com o período prescricional mais curto, a sensação de risco de inadimplir os depósitos é atenuada, o que favorece a sonegação e poderá ocasionar, a longo prazo, uma redução nos recursos do Fundo.
Então, debater a repercussão social da nova prescrição do FGTS passa, necessariamente, por uma reflexão fundamental sobre aquilo que a sociedade brasileira realmente considera importante que se sobressaia no Direito: a segurança jurídica (relacionada à possibilidade eximir mais rápido os devedores) ou a promoção da justiça social e do bem comum, com os mecanismos que lhe são inerentes.
Essa discussão é abrangente e precisa incluir a avaliação da razoabilidade de outros prazos prescricionais existentes na legislação brasileira, os quais, à semelhança da prescrição trintenária do FGTS, também afetam o princípio da segurança jurídica, por serem muito longos. Como exemplos, tem-se o prazo geral de dez anos para cumprimento de obrigações (Código Civil) e de vinte anos para a prescrição de crimes (Código Penal).
Celso de Barros Filho égraduado em Engenharia e Direito, com pós-graduações em Engenharia de Produção e em Direito Processual Civil. Ex-servidor concursado da Justiça do Trabalho, é Auditor-Fiscal do Trabalho há vinte anos. Ministrou palestras e workshops sobre fiscalização, FGTS e lavratura de documentos fiscais na Escola da Magistratura Trabalhista da Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região-Amatra13 e em Encontro Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – Enafit.
Tem artigos publicados sobre Direito do Trabalho pelo Tribunal Superior do Trabalho, pela Revista LTr, pela revista Direito e Processo da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho - Anamatra e pela Revista do Tribunal Regional do Trabalho - TRT da 13ª Região, comemorativa dos 20 anos do Regional.
Atuou por uma década na fiscalização do FGTS e demais direitos e tem integrado, nos últimos dez anos, grupos de trabalho da Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT para elaboração de projetos de recursos junto ao Conselho Curador do FGTS, para elaboração de normas, procedimentos de fiscalização e treinamentos do corpo fiscal. Atualmente é analista de processos de autos de infração e notificações de débito do FGTS na SRTE/PB e responsável pela elaboração de subsídios para defesa dos atos fiscais em juízo.