O ex-deputado federal Antonio Carlos Pannunzio, em artigo publicado nesta terça-feira, 1º de julho, no jornal Correio Braziliense, alerta sobre a necessidade de o Brasil ter leis mais eficazes no combate ao tráfico de pessoas. Segundo ele, o Brasil é apontado pela Organização Internacional para as Migrações – OIM como uma das principais fontes de alimentação da rede de tráfico internacional, comparado a países como Bulgária, China, Índia e Nigéria.
Entre as finalidades do tráfico humano estão a exploração sexual e a submissão ao trabalho forçado e escravidão. As mulheres são 75% das vítimas.
Segundo Pannunzio, há brechas na lei que devem ser preenchidas para que o combate a esse crime seja eficiente. Ele informa que um projeto de lei prevendo formas de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas foi arquivado no Congresso Nacional e que até hoje não foi apresentado um outro instrumento para ajustar a legislação brasileira às normas internacionais. A sugestão dele é que o projeto, de sua autoria, seja desarquivado e novamente colocado em discussão.
Leia o artigo a seguir.
1º-7-2014 – Correio Braziliense
ANTONIO CARLOS PANNUNZIO - Engenheiro, professor, ex-deputado federal, prefeito de Sorocaba (SP)
Em meio aos preparativos e às polêmicas relativas à Copa do Mundo, passaram um tanto despercebidas, em junho, na cidade de São Paulo, a 1ª Conferência Nacional sobre Migração e Refúgio (Comigrar) e a 1ª Feira Nacional de Práticas de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Experiências de Políticas Migratórias. Os eventos, organizados pelo Ministério da Justiça, com apoio da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), visaram à criação de programas públicos sobre o tema.
Iniciativa louvável, mas atrasada e tímida ante as dimensões do tráfico de pessoas no Brasil, um dos países apontados como principais fontes desse crime bárbaro, ao lado da Bulgária, da China, da Índia e da Nigéria. Essas informações constam de relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), parceira da ONU, que analisou o problema, compilando dados internacionais. Outro relatório mostra que as pessoas são traficadas para exploração sexual e trabalho forçado. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) concluiu que as mulheres constituem 75% das vítimas e que dois terços das crianças são meninas.
Surgiram, ainda, em anos mais recentes, outras terríveis formas de tráfico de pessoas. Quem fala delas é o papa Francisco, em carta dirigida aos brasileiros, alusiva ao lançamento da Campanha da Fraternidade 2014, que abordou o tema: “Não é possível ficar impassível, sabendo que existem seres humanos tratados como mercadoria. Pense-se em adoções de crianças para remoção de órgãos, em mulheres enganadas e obrigadas a prostituir-se, em trabalhadores explorados, sem direitos nem voz etc. Isso é tráfico humano”.
Como admite o próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o número de inquéritos policiais abertos sobre esse crime é muito pequeno em relação ao volume real de suas ocorrências, porque há uma resistência das pessoas a fazer denúncias. Na verdade, a prática no Brasil é facilitada por um problema que cabe ao Congresso Nacional resolver: a existência de graves brechas na legislação.
Nosso país, contrariando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, não inclui, no Código Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Estrangeiros, normas relativas à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas. Deve-se entender esse conceito de modo amplo, incluindo-se a submissão de pessoas para prostituição, exploração do trabalho, prática de serviços forçados, escravidão, servidão ou, especialmente no caso das crianças, remoção ilegal de tecidos, órgãos ou partes do corpo. Portanto, o Brasil precisa de medidas concretas e eficientes para combater o tráfico humano. Em 2003, como deputado federal, apresentei projeto de lei pioneiro (PL nº 2375/2003), que ajustava nossa legislação nas questões da prostituição, trabalho escravo e remoção de órgãos à realidade do problema no país.
Em abril de 2010, depois de tramitar e ser discutida nas várias comissões às quais se referia, a matéria recebeu, na de Constituição e Justiça e de Cidadania, parecer do relator, deputado Vieira da Cunha, pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação do projeto e do substitutivo a ele apresentado na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, pelo então deputado Raul Jungmann (PPS/PE).
O passo final, entretanto, não chegou a ser dado. Em 31 de janeiro de 2011, quando Jungmann e eu já não fazíamos parte da Câmara, a Mesa Diretora arquivou o projeto, juntamente com dezenas de outras propostas da legislatura anterior cujos autores não se reelegeram.
Neste momento em que a ONU e o Ministério da Justiça lançam um olhar sobre o tráfico de pessoas, uma ação concreta para enfrentá-lo seria desarquivar o PL nº 2375/2003 e o substitutivo a ele apensado, levá-los a plenário e, ajustando a legislação brasileira às diretrizes internacionais, dar ao governo os instrumentos legais de que hoje não dispõe para combater adequadamente esse crime.