18-1-2010 – SINAIT
O Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, a partir da liminar concedida ao grupo Cosan, no dia 8 de janeiro, cumpriu a decisão judicial e excluiu a empresa da Lista Suja de empregadores que mantêm práticas de escravidão no trato com os trabalhadores. O SINAIT, diante da repercussão do fato na imprensa, procurou o Diretor do Departamento de Fiscalização do Trabalho da Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT, Leonardo Soares, para obter mais detalhes do caso.
Soares informou que a Advocacia Geral da União - AGU apresentará à Justiça nesta segunda-feira, 18, informações solicitadas sobre a fiscalização e que respondem a alguns questionamentos levantados pelo Juiz na sentença. Serão enviados, portanto, o relatório da fiscalização e informações complementares. Todos os procedimentos relativos à Justiça são feitos via AGU, que por um acordo com o MTE desde 2009, recebe os relatórios da fiscalização e fica preparada caso seja necessário defender a União.
Leonardo esclarece que a Cosan, apesar das declarações feitas aos jornais nos últimos dias, teve todas as oportunidades para se defender e regularizar a situação encontrada pelos Auditores Fiscais do Trabalho do Grupo Móvel.
A fiscalização na Cosan aconteceu em
No MTE os autos foram protocolizados na SRTE/SP (a fiscalização se deu na divisa entre Minas Gerais e São Paulo) e se transformaram em processos administrativos, como acontece com todos os autos. A Cosan teve dez dias de prazo para apresentar defesa por escrito e, segundo Leonardo, não o fez. Os autos foram julgados subsistentes e foi expedida a notificação para pagamento de multa. A Cosan poderia ter recorrido da multa, mas preferiu pagar os valores determinados e entendeu que encerrava ali seu problema com o MTE.
Para o Diretor do Departamento de Fiscalização, a Cosan não pode afirmar que sua inclusão na Lista Suja foi uma surpresa. “Entre a autuação e a entrada da empresa na Lista passaram-se mais de dois anos. Ela preferiu pagar a multa e não discutir os autos”. O simples pagamento da multa, por si só, não resolve o caso.
Outros casos
Leonardo Soares confirmou ao SINAIT que existem outros casos semelhantes ao da Cosan, de empresas que tentam na Justiça a exclusão da Lista Suja. “Alguns têm mais repercussão que outros. Temos vários casos em que as empresas conseguem a liminar, mas quando o juiz julga o mérito elas retornam à lista”. Isso acontece porque, no primeiro momento, o juiz só conhece os argumentos da empresa que entrou com o pedido de exclusão. Na maioria das vezes, quando os juízes tomam conhecimento dos fatos, reconhecem que havia elementos suficientes para que a empresa entrasse na Lista Suja.
Uma empresa tem dois caminhos para sair da Lista Suja. Administrativamente, somente depois de dois anos, se pagar as multas e não houver reincidência. Nesse prazo ela tem todas as possibilidades de recorrer dos processos administrativos e discutir os autos de infração. E judicialmente, pois a empresa pode recorrer à Justiça a qualquer tempo.
A Lista Suja, por si só, diz Leonardo, não é uma punição. “A Lista é uma informação”, afirma. Estar nela é que tem conseqüências como restrição a financiamentos públicos ou estar sujeito a ser excluído da lista de fornecedores de empresas que integram o Pacto Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, por volta de 200.
Leia, a seguir, artigo do Juiz Jorge Luiz Souto Maior, sobre o caso Cosan:
14-1-2010 – Site Defesa do Trabalhador
Artigo: Na lista suja pela utilização de trabalho em condições análogas de escravo na rede de produção
Jorge Luiz Souto Maior - Titular da 3ª Vara de Jundiaí/SP, Professor Universitário, LIVRE-DOCENTE EM Direito do Trabalho pela USP
Recentemente, a Cosan – o maior grupo sucroalcooleiro do Brasil, que incorpora as marcas Da Barra, Esso, Mobil e União – foi incluída na lista suja do Ministério do Trabalho pela utilização de trabalho em condições análogas de escravo em sua rede de produção. Em fiscalização ocorrida em 2007, 42 trabalhadores foram encontrados em condições semelhantes a de escravos na usina Junqueira, em Igarapava, extremo norte de São Paulo.
A defesa da Cosan pautou-se pelo típico argumento que advém da perversidade da terceirização. A Cosan alegou que quem era a responsável por aqueles trabalhadores era a “empresa” José Luiz Bispo Colheita - ME, que prestava serviços na usina.
E para passar por vítima, apresentando-se para a sociedade como arauto da legalidade e do respeito aos direitos sociais, afirmou que assim que tomou conhecimento da situação tratou de excluir a “empresa” José Luiz Bispo Colheita – ME da sua lista de fornecedores.
Disse, ainda, que não houve trabalho em condições análogas a de escravos, mas apenas “más condições nas instalações físicas”, argumento, aliás, que foi acatado pelo Judiciário trabalhista, para excluir a COSAN da lista suja. Na decisão judicial foi dito que "não há a inequívoca conclusão de que havia a redução dos trabalhadores à condição de escravos", pois não existem elementos que atestem que os trabalhadores tiveram restringidos o direito de ir e vir...
Na linha de acertar as coisas, o Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, reforçou o argumento, vindo a público para dizer que a inclusão da Cosan na lista do Ministério do Trabalho foi um exagero e um erro: "Na minha visão, houve um exagero. E, além de exagero, houve um erro. A Cosan teve um problema há três anos, através de uma empresa terceirizada, de uma fornecedora, e a Cosan tem centenas de fornecedoras" – disse o ministro numa coletiva de imprensa sobre a balança comercial do setor agrícola. E, acrescentou: "A Cosan, na época, imediatamente resolveu o problema, assumiu, embora o problema não fosse dela, e regularizou".
O episódio faz lembrar a trama de um dos filmes do cineasta francês, René Clair, A Nós a Liberdade, em que toda origem espúria da acumulação do capital é esquecida quando a atividade empresarial, que dela decorre, torna-se produtivamente eficaz e lucrativa.
Ora, o que se extrai das manifestações do Judiciário e do Executivo é que não vale a pena pôr em risco uma atividade empresarial lucrativa, como a da COSAN, e, sobretudo, o projeto do Etanol no Brasil, por causa do desrespeito à condição humana de 42 trabalhadores. Como se diz na gíria: “é nóis!”. Ou, na linguagem caipira: “Eta, nóis!”
Assim, de tudo o que restou foi a certeza de que todo o mal foi promovido, unicamente, pela “empresa” terceirizada, denominada, no caso, “fornecedora”. E, ampliando-se a lógica da perversão da realidade é até provável que se venha a dizer que os verdadeiros culpados pela situação foram os próprios trabalhadores que aceitaram trabalhar nas condições que lhe foram oferecidas. Se não tivessem aceitado, nenhum problema teria ocorrido... Aliás, o maior atrevimento dessas pessoas foi o de terem nascido. Agora, que se virem com o álcool!
A terceirização, que legitimou tudo isso, pode, então, ser definida como “a técnica moderna para o cometimento do crime perfeito contra os direitos humanos!”