Saúde e Segurança - Dez anos depois de grave contaminação, trabalhadores de Paulínia ainda têm problemas de saúde


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
18/05/2012



Em outubro de 2002, depois de uma série de denúncias sobre vazamentos, contaminações e acidentes, Auditores-Fiscais do Trabalho e procuradores do Trabalho realizaram uma fiscalização nas instalações de uma fábrica de agrotóxicos na cidade de Paulínia (SP). A fábrica havia pertencido à Shell e na época era de propriedade da Basf. 


A fiscalização produziu um Laudo Técnico de Avaliação de Risco à Saúde dos Trabalhadores da Empresa BASF S/A Localizada no Recanto dos Pássaros que, aliado a outros laudos do Ministério da Saúde e da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – Cetesb, resultou na interdição da planta da fábrica que, algum tempo depois, terminou por encerrar as atividades no local. 


Consta do Termo de Interdição, à época, que: “foi constatado nos diversos resultados das avaliações ambientais analisadas, a contaminação ambiental do sítio onde está instalada a empresa, pelo lançamento no ar, solo e água, desde 1977, de grandes quantidades de substâncias e agentes químicos de reconhecidas toxicidade e biopersistência, infringindo o que está disposto no subitem 25.2.1., da NR 25, da Portaria 3214/78 - sendo ao menos doze delas classificadas internacionalmente como - comprovadamente e/ou provavelmente e/ou possivelmente carcinogênicas ao homem (Tabela 6 do Laudo em anexo), entre outras, o benzeno, o 1.2 dicloroetano e o aldrin, conforme demonstra o laudo em anexo, infringindo o Princípio do disposto no Anexo 13 da NR 15 da Port. 3214/78 – item Substâncias Cancerígenas – de que não se deve permitir nenhum contato do trabalhador com o agente carcinogênico, do contrário a situação será considerada como de risco grave e iminente para o trabalhador, combinado com o Princípio da Precaução, explicitado no art. 4º da lei 7.347/85” (fls. XXX, do Inquérito Civil Público 10425/2001-12)( g.n.). 


A fiscalização nas instalações da fábrica aconteciam desde a década de 1980, sempre apresentando muitos problemas de segurança e saúde para os trabalhadores. Vários produtos utilizados pela fábrica já estavam proibidos em outros países, como os Estados Unidos, por causarem, comprovadamente, graves danos à saúde dos trabalhadores. 


Em razão de tudo o que foi apurado, o Ministério Público do Trabalho entrou com ação civil pública contra a Shell e contra a Basf requerendo a assistência vitalícia à saúde dos trabalhadores e seus familiares afetados pela poluição e contaminação da água e do ar, e o encerramento das atividades da empresa, entre outros itens. 


Trechos de relatórios e laudos dos Auditores-Fiscais do Trabalho foram utilizados na peça jurídica, como estes, reproduzidos a seguir: 


Galpão de Matérias Primas - "Neste galpão o armazenamento de alguns produtos tóxicos não segue um padrão ou organização determinada, encontrados vários no Encontro de Procuradores do Trabalho da Região Sudeste, em São Paulo produtos fora dos locais pré-demarcados, e muitas embalagens e tambores deformados e danificadas, aumentando significativamente o risco de contaminação e vazamento."(grifo nosso). 


__ Laudo de Avaliação Ergonômica - Folha 00016 - Armazém de Matérias Primas e Embalagens – “Neste armazém observamos que existe freqüentemente trânsito de funcionários de outras áreas, e de firmas externas (Sodexho) por dentro do armazém sem nenhum controle, sem nenhuma restrição. ... Observamos ainda que atrás das pilhas de palets e de caixas existem armários utilizados pelos funcionários para armazenar uniformes e utensílios pessoais, o que no mínimo deve ser considerado local inadequado.  


__ Laudo de Avaliação Ergonômica - Folha 00018 – Formulação Sólida –“Após a adição de todos os componentes da fórmula, com uma vassoura sem cabo, limpam o funil procurando retirar de todas as saliências os restos de pó que ficaram retidos. Nesta operação os funcionários debruçam dentro da boca dos funis, para poder fazer a limpeza mais completa possível. Em seguida arrumam e organizam a área de trabalho, fecham os tambores onde foram colocados os sacos utilizados. Em seguida retiram as máscaras faciais, os respiradores, as luvas e os aventais. Esta operação precisa ser revista, pois existe possibilidade de contaminação principalmente no ato de reverter as luvas, uma vez que as mãos entram em contacto com a parte contaminada da luvas.(g.n.); 


__ Laudo de Avaliação Ergonômica -Folha 00027 – Formulação Líquida - enchimento manual de Camburões 4X5 – “Após o trabalho observamos que a limpeza do chão é feita com jato de ar comprimido, o que não é absolutamente a forma correta de se proceder à limpeza local....


O uso de ar comprimido para limpeza local é inadequado porque faz com que o risco seja aumentado para formação de aerodispersóides e de contaminação. (grifo nosso). 


__ Laudo de Avaliação Ergonômica - Folha 00033 - Laboratório – “A abertura das capelas é muito difícil pois as "portas" das mesmas são excessivamente duras e emperradas, exigindo muito esforço por parte dos funcionários, para abrir e fechar as portas adequadamente, durante as operações, fazendo com que a maioria ou trabalhe com a capela meio fechada dificultando os movimentos, ou trabalha com a porta aberta correndo o risco de contaminação. A iluminação das capelas é insuficiente e necessita, assim como as portas de uma melhor manutenção” (g.n.); 


__Laudo de Avaliação Ergonômica - Folha 00036 - Área de Síntese - Torque - 1º Andar - Alimentação – “No centro desta área são guardadas as amostras testemunhas do lote. Nesta fase do processo são retiradas amostras do material produzido. O coletor de amostras não fecha adequadamente, mas esta falha é minimizada, pois existe sistema de pressão negativa com exaustão. Nesta operação a toxicidade é muito mais elevada porque além do princípio ativo existe a presença do solvente na forma ativa. No final do processo a retirada de amostras tem menor risco pois é só pó do princípio ativo”. Tal situação evidencia manutenção corretiva falha, com prejuízo da redundância dos sistemas de proteção


(associação de fechamento adequado [o que estava prejudicado] à pressão negativa


e exaustão local)”; 


__ Laudo de Avaliação Ergonômica - Folha 00041 - Opala - 3º andar - Cabine de Adição do Cianeto – “...Esta operação de movimentação de barricas [contendo MMCAAA] exige destreza e força física, num espaço desconfortável e restrito, além do risco de derramamento do produto”. (g.n.); 


__ Laudo de Avaliação Ergonômica - Folha 00041: A descarga do conteúdo das barricas contendo MMCAA (muito tóxico e teratogênico) é feito mecanicamente, através de comandos existentes num painel sobre a porta da cabine de descarga. Este painel está parcialmente destruído e extremamente mal sinalizado. Ao fazer uma simulação de descarga, devido a ilegibilidade dos comandos, à má conservação do painel e à dificuldade para sua operação, foi necessário acionar o comando de emergência e chamar um outro funcionário para conseguir fechar a cabine da máquina, que, inclusive, abriu a entrada do silo com a porta aberta, durante a operação de descarga. Para agravar a situação o equipamento estava funcionando aparentemente sem exaustão adequada. O local ficou impregnado de um odor muito intenso, causando uma forte irritante para os olhos de todos os presentes no andar(g.n.). Manutenção insuficiente de equipamentos, acarretando emissão e contaminação do meio ambiente de trabalho, inclusive durante o momento de inspeção para realização do Laudo de Avaliação Ergonômica do Trabalho. 


Para agravar ainda mais, verificamos no Livro de fiscalização do trabalho, bem como a partir de depoimentos dos trabalhadores que a realização de horas extras era freqüente na empresa. O AUMENTO DE JORNADA é questão crítica em área insalubre ou perigosa, pelo AUMENTO DO TEMPO DE EXPOSIÇÃO AOS CONTAMINANTES, porquanto os limites de tolerância, além de todas as críticas que incorporam, são propostos para jornadas regulares, no caso da legislação brasileira, adaptados para 48 horas semanais (na realidade o Brasil (MTb), quando editou a NR-15 da portaria 3.214 em 1978, copiou, adaptando, a referência estadunidense da tabela de valores de limites da ACGIH, que propõe concentrações médias ponderadas pelo tempo (TLV) para jornadas de 40 horas semanais).


Ilustrando, citamos alguns casos:


17/01/83 - Processo nº 38230/82 - Laudo de Insalubridade (Agente da Inspeção do Trabalho Moysés Cardoso dos Santos - Eng. Segurança);


19/12/84 - Prorrogação excessiva de jornada de trabalho (AI 051506 (art. 58 e 59 da CLT);


18/05/93 - Orientação dada: Não exceder a duas horas diárias a prorrogação da jornada normal de trabalho, exceto para atender motivo de força maior ou trabalho inadiável;


28/04/94 - Processo DRT 46251 / 000198 /94 - Atendimento a pedido do INSS (caso de doença profissional);


15/02/95- Vistoria de Eng. de Segurança do Trabalho;


26/02/98 - Vistoria para redução do intervalo de almoço (processo 46251/ 6257 / 97 ) (IC10425- Anexo XXXVIII - volume 1 (documentação requisitada à Shell, juntada pela empresa)" Fiscalização Trabalhista (Livro de Inspeção do Trabalho da Shell Química S/A).


 


Os moradores da vila em frente à antiga fábrica relatam que os problemas continuam ainda hoje, passados quase dez anos do episódio. Muitos têm problemas de saúde e passam por dificuldades para tratá-los. Outros já morreram sem conseguir a assistência devida.


 


Veja a íntegra da Ação Civil Pública do MPT:


http://www.acpo.org.br/caso_shell_basf/01_acp.pdf 


Leia a matéria sobre a situação dos trabalhadores e moradores da área nos dias de hoje: 


5-5-2012 – Agência Brasil


Dez anos depois de contaminação em Paulínia, trabalhadores ainda lutam para receber tratamento médico 


Bruno Bocchini - Da Agência Brasil, em São Paulo 


Dez anos após auditores fiscais do Ministério do Trabalho fecharem uma planta industrial da Shell em Paulínia (SP) – por causa da contaminação do ambiente com produtos cancerígenos –, os trabalhadores da fábrica e moradores locais ainda lutam na Justiça para que a empresa pague o tratamento médico aos que adoeceram. 


Produtora de agrotóxicos, a fábrica ficou em atividade entre 1974 e 2002 no município paulista localizado na região de Campinas, no interior do estado. A planta industrial da Shell, posteriormente comprada pela Basf, contaminou o solo e as águas subterrâneas com produtos químicos como o aldrin, endrin e dieldrin, compostos por substâncias cancerígenas, às quais os trabalhadores foram expostos. 


“A Shell era bem em frente à nossa chácara. Tinha um cheiro muito forte, e eu estava grávida. Meu filho nasceu em 1978 e, com a fumaceira, ele vomitava o dia inteiro. Tudo que punha na boca, vomitava. Ele mamava no peito, e o meu leite ele vomitava”, conta Ciomara Rodrigues, moradora que move ação contra a Shell, ainda em tramitação. 


"Meu filho mais velho tem o baço aumentado. O que causa isso são os agrotóxicos que tinha lá. E eu tenho problema de fígado, também pela mesma causa”, acrescenta. 


Em 2010, a Justiça do Trabalho de Paulínia condenou as empresas Shell do Brasil e Basf a pagar, a partir de então, o tratamento médico de todos os ex-trabalhadores da unidade de fabricação de agrotóxicos. Mais de 1.000 ex-trabalhadores das empresas foram beneficiados com a sentença, além de centenas de parentes, também suscetíveis à contaminação. A decisão ainda determina que cada ex-trabalhador e cada filho de ex-trabalhador deve receber R$ 64,5 mil. O valor foi calculado com base nos gastos médicos que eles tiveram durante o período de tramitação da ação, no próprio tratamento ou no tratamento de seus filhos. 


As empresas também foram condenadas ao pagamento de indenização por danos morais causados à coletividade, no valor de R$ 622,2 milhões, com juros e correção. A Justiça também determinou a indenização de R$ 20 mil por trabalhador, por ano trabalhado, valor que deve ser corrigido e acrescido de juros e correção monetária. 


No entanto, as empresas recorreram da decisão ao Tribunal Regional do Trabalho (TST) de Campinas. Lá também não tiveram êxito e agora recorrem ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), a última instância, em Brasília, onde a ação não tem previsão de ser julgada. 


Apesar de terem perdido em primeira e segunda instância, a Shell e a Basf conseguiram efeito suspensivo das penas até que a ação seja julgada em última instância. Mas a Justiça não concedeu efeito suspensivo no pagamento do tratamento médico, que já está em fase de execução. 


“O dado mais característico para a gente nessa ação é que quando as empresas se instalaram aqui, nos anos 70, elas já tinham sido proibidas de fabricar esses produtos nos Estados Unidos”, destaca o procurador do Trabalho, Silvio Beltramelli, responsável pela ação. “Existem laudos, pareceres médicos, inclusive está demonstrado estatisticamente que a população que morava ali e os trabalhadores adoecem absurdamente mais do que a população em geral”, acrescenta. 


Em maio de 2004, o Ministério Público do Trabalho solicitou o apoio do Ministério da Saúde para a análise de aproximadamente 30 mil laudos referentes à contaminação ambiental e à exposição dos trabalhadores das empresas aos produtos. O ministério contratou consultoria especializada para realizar o estudo no local. Segundo o MPT, a conclusão do estudo mostra que as substâncias utilizadas pela Shell e a Basf têm potencial de produzir danos ao embrião ou ao feto, alterar os genes, causando doenças hereditárias, e são cancerígenos. 


“O MPT não tem dúvida de que provado está [o nexo causal entre as substâncias e a saúde dos trabalhadores e moradores], e o Judiciário até agora, na primeira e na segunda instância, não teve essa dúvida. Os estudos são vários”, diz o procurador. 


Em nota, a Basf diz que está respeitando todas as determinações do Tribunal Regional do Trabalho e que não tem compromisso direto com a contaminação ambiental ocorrida em Paulínia, “assumida pela Shell”.


Na nota, a Shell informou que a existência de contaminação ambiental não implica, necessariamente, em exposição e prejuízo à saúde das pessoas. “Dessa forma, e com base em grande número de informações técnicas de que dispomos, não é possível afirmar que as alegadas queixas de saúde de ex-moradores, ex-funcionários ou de quaisquer outros trabalhadores resultaram do fato de eles terem trabalhado ou morado próximo às antigas instalações da Shell em Paulínia”. 


Sobre os casos de doenças graves e óbitos alegados pelos representantes dos ex-funcionários, a Shell e seus consultores dizem que não conhecem qualquer estudo científico “que sustente a afirmação de que teriam sido causados pelo fato de terem trabalhado ou morado próximo às instalações da empresa. Todos os dados e informações apresentados até o momento não comprovam essa afirmação”, acrescentam.

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