Para uns, a inserção do jovem no mercado de trabalho é uma oportunidade, para outros, pode gerar prejuízos para a saúde. Estudar e trabalhar, segundo um estudo da USP, pode causar danos físicos e psíquicos
Os efeitos sobre a saúde de adolescentes que estudam e trabalham foi objeto de um estudo da Universidade de São Paulo – USP, pelo Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública. Os adolescentes analisados estavam inseridos no mercado de trabalho por meio da Lei da Aprendizagem, cujo cumprimento por parte das empresas é fiscalizado por Auditores-Fiscais do Trabalho. A conclusão foi de que eles estão sofrendo danos físicos e psíquicos e estão expostos às mesmas pressões para cumprir metas que a maioria dos trabalhadores.
Na opinião da Auditora-Fiscal do Trabalho e coordenadora do Projeto de Inserção de Aprendizes no Mercado de Trabalho na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais – SRTE/MG, Christiane Barros, a ação é extremamente positiva e a legislação é 100% transformadora. Ela explica que o trabalho decente do jovem aprendiz em Minas Gerais atua como ascensão social, por meio de uma formação com etapas teóricas e práticas, em programa de aprendizagem elaborado sob responsabilidade de entidades especializadas em formação profissional. “São jovens entre 14 e 24 anos, cursando o ensino fundamental e médio, tudo dentro da lei, em que há um acordo de que o horário de trabalho não pode ser superior a 6 horas diárias para o exercício da teoria e da prática”.
Só em 2011, em Minas Gerais, foram 25.628 jovens aprendizes registrados sob ação fiscal, informa a Auditora-Fiscal. “Estamos trabalhando intensamente para dar uma oportunidade a esses jovens no mundo do trabalho, porque os alunos envolvidos são de áreas carentes e recebem uma série de benefícios”. Segundo ela, “o número de aprendizes inseridos no mercado de trabalho, de janeiro a março deste ano, foi de 7.409, em Minas Gerais, e o total de contratos no Brasil foi de 29.510, até agora”.
No que tange à saúde, o vice-presidente de Segurança e Medicina do Trabalho do Sinait, Francisco Luis Lima, afirma que os trabalhadores com dupla jornada – trabalho e estudo – sempre serão sobrecarregados física e mentalmente, e quando se trata de jovens com o corpo em formação “as repercussões obviamente serão evidentes levando a stress físico e mental”.
Para Luis Lima, o estudo desenvolvido pela Universidade de São Paulo - USP caracteriza muito bem o mundo real do trabalho dos jovens aprendizes. “Seria necessário que as empresas respeitassem a Lei de Aprendizagem com carga horária adequada, atenção alimentar, lazer, para que os jovens evoluíssem física e mentalmente para um futuro promissor”.
Trabalho decente
A Auditora-Fiscal do Trabalho Marli Costa Pereira (BA) argumenta que “vivemos numa sociedade excludente, principalmente para a juventude de perfil socioeconômico mais vulnerável, que provavelmente não teria a primeira experiência profissional com qualificação se não fosse pela legislação da aprendizagem”.
Marli Pereira afirma que as normas que tratam da aprendizagem, tanto por parte do legislador, quanto por parte do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE na edição de Portarias e Instruções Normativas, têm buscado garantir aos adolescentes e jovens aprendizes, um trabalho decente. Para isso, segundo Marli, alguns atributos trabalhistas são diferenciados e permitem que o jovem tenha acesso à escola e ao lazer, como “jornada reduzida, exigência de formação teórica, inclusive sobre segurança e saúde no trabalho, monitoramente pela entidade formadora e pelo monitor da empresa na formação prática, valorização da formação profissional no lugar da produção, frequência à escola regular, proibição de desligamento imotivado e certificação da aprendizagem”.
Legislação
De acordo com Marli, como o projeto envolve também adolescentes, devem ser observadas as regras de proteção previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e na Constituição Federal de 1988, como “a proibição do trabalho insalubre, perigoso, penoso, noturno e que agridam o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico”.
Para Marli, as instituições que têm prioridade para a formação do aprendiz são os Serviços Nacionais de Aprendizagem. Eles foram criados para isso e recebem contribuições mensais compulsórias das empresas para realizar a qualificação gratuita para os aprendizes. Segundo ela, só devem ser procuradas as Entidades Sem fins Lucrativos, as chamadas Organizações Não Governamentais - ONGs, na falta dos mesmos. “As ONGs, por sua vez, devem ter programas de aprendizagem aprovados pelo MTE e, se estiverem em desacordo com a legislação terão o programa suspenso ou cancelado”.
Para avaliar o instituto da aprendizagem seria preciso um estudo amplo envolvendo muitas formadoras e uma amostra considerável de adolescentes e jovens que, em sua maioria, foram incentivados aos estudos e tiveram a oportunidade de conhecer grandes empresas com as garantias do emprego decente por 2 anos, avalia Marli. “Limitar-se a uma só instituição que pode estar trabalhando irregular é avaliar toda uma legislação a partir de quem não a está cumprindo”.
Segundo Marli, infelizmente, há quem burle a legislação, “por isso, as irregularidades na formação dos jovens, tanto pela jornada excessiva - além das 6 horas - e no treinamento quanto nos desvios de função devem ser comunicadas ao órgão fiscalizador, que além de aplicar penalidades e cancelar os programas, vão descaracterizar os contratos de aprendizagem e impor a efetivação do aprendiz com todos os direitos trabalhistas inerentes”.
Do Programa de aprendizagem
As entidades envolvidas elaboraram programa de aprendizagem contendo a proposta pedagógica da formação profissional, detalhando o conteúdo teórico e as atividades práticas. Para cada formação profissional a entidade elabora um programa correspondente.
Prazo de Vigência do Programa de aprendizagem
O prazo de vigência do programa e curso de aprendizagem é de dois anos, podendo ser revalidado por igual período, salvo se houver alteração nas diretrizes da aprendizagem profissional (Portaria 615, art. 1° § 6°).
Entidades qualificadas em formação profissional técnico-profissional metódica
Escolas Técnicas de Educação e entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Senac;Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai; Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte –SENAT; Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Senar; Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – Sescoop, entre outros.
Instrução Normativa nº 75 de 8 de maio de 2009, que disciplina a fiscalização das condições de trabalho no âmbito dos programas de aprendizagem, na íntegra, clique aqui.
Veja mais informações sobre as conclusões do estudo da USP na matéria abaixo.
24-4-2012 – Agência USP
Jornada dupla influencia saúde de jovens trabalhadores
Associarem trabalho e estudo pode estar prejudicando a saúde dos jovens brasileiros. Essa conclusão é de um estudo realizado no Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSPUSP).
De acordo com o estudo, a dupla jornada de adolescentes aprendizes causa alterações como perda ou ganho excessivo de peso, sonolência e, principalmente, diminuição nos níveis de atenção e queda no desempenho escolar.
O estudo considerou jovens aprendizes empregados por meio da Lei da Aprendizagem e também pelo capítulo V do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), através de uma Organização Não Governamental (ONG) na zona sul de São Paulo.
Realizado pela psicóloga Andréa Aparecida da Luz, o estudo entrevistou 40 jovens com idades entre 14 e 20 anos inscritos na ONG. Esses trabalhavam há pelo menos seis meses com jornada de trabalho de 40 horas semanais. Além disso, mantinham os estudos à noite.
As entrevistas revelaram abusos no trabalho, como, por exemplo, a obrigação de cumprir metas e cotas como funcionários com capacitação técnica, ou substituir cargos de chefia na ausência de supervisores. Além disso, a maioria dos jovens alegou não ter recebido treinamento específico para o cargo que ocupavam.
Apesar do cansaço e dos demais problemas, a maioria dos jovens afirmaram que não deixaria o emprego. As razões variam desde a intenção de realizar cursos universitários, ter poder de consumo ou, em outros casos, o salário é importante para renda familiar.
A pesquisa foi premiada no 30th “Congress of the International Commission on Occupational Health ICOH 2012”, que ocorreu no México, nos dias 18 a 23 de março deste ano.