Discriminação, baixa escolaridade e a falta de organização: precariedade no trabalho doméstico


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
27/03/2012



No Brasil existem cerca de 7 milhões de trabalhadoras domésticas, a maioria mulheres, negras, e na informalidade, sem proteção social e perspectivas de aposentadoria. A Convenção 189, aprovada pela OIT, pretende estimular a mudança de paradigmas e a igualdade de direitos 


A presidente do Sinait, Rosângela Rassy, disse que algumas das razões da precariedade no trabalho doméstico são a baixa escolaridade e a falta de organização sindical de patrões e empregados, o que propicia a impossibilidade da negociação coletiva. A declaração foi dada durante a audiência pública que discutiu o trabalho doméstico no país e a Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, promovida nesta terça-feira, dia 27 de março, na Câmara dos Deputados pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP).

 

Rosângela disse que atualmente os Auditores-Fiscais do Trabalho atuam nesta área durante os plantões da orientação trabalhista nas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego – SRTE e que no Brasil não existe ações fiscais programadas para a proteção das trabalhadoras doméstcas, como ocorrem, por exemplo, no Uruguai, Argentina e Espanha.

 

Segundo a presidente do Sinait, cerca de 90% dos atendimentos durante esses plantões são de trabalhadoras domésticas que fazem relatos que revelam as principais infrações, que vão desde a falta de assinatura na Carteira de Trabalho, excesso de jornada de trabalho ao assédio moral de toda natureza.

 

A discriminação também é muito comum na relação de trabalho doméstico, afirmou Rosângela. Em muitos casos, a alimentação que é fornecida para a empregada doméstica é diferente da que é oferecida à família, no caso, muito pior. Denúncias de restos de comidas estragadas, por exemplo, são frequentes. Entre as denúncias que chegam ao Ministério do Trabalho e Emprego - MTE estão as de compensações que o empregador procura efetuar depois de dar algum “presente” e depois querer descontar no pagamento do salário.

 

Rosângela Rassy esclareceu que a Convenção 189 da OIT prevê que o país que assiná-la deverá regulamentar a forma de fiscalização a ser implantada para proteger os trabalhadores domésticos. “O Brasil precisa ser corajoso, avançar e dar exemplo para outros países aprovando a convenção da OIT”, destacou. “Mas, é preciso estruturar um corpo de Auditores-Fiscais do Trabalho em número suficiente para atender a nova demanda, caso venha a ser regulamentada a fiscalização no âmbito doméstico”, concluiu. A questão do ingresso no domicílio do empregador é um tema que precisa ser legalmente previsto nesse caso.

 

Para a presidente do Sinait, a aprovação da  PEC 478/10, que propõe a revogação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal, deve ser apoiada pelos deputados. O recolhimento do FGTS, de forma obrigatória, é um dos itens que precisa ser aprovado.

 

Ratificação da Convenção 189

A coordenadora geral do Sistema de Fiscalização do Trabalho do MTE, Tânia Mara, disse que a expectativa do Ministério é avançar nestas questões trabalhistas relacionadas às domésticas e ratificar a Convenção 189 e sua recomendação. Segundo a coordenadora, o Brasil tem uma legislação bem mais avançada que outros países em relação às trabalhadoras domésticas.

 

“O MTE é absolutamente favorável à ratificação da Convenção 189. Estamos fazendo um documento ministerial tripartite – governo, empregadores e trabalhadores – em que o Ministério vai comandar essa ratificação no Brasil”, informou Tânia Mara.

 

Lidiane Duarte Nogueira, representante da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC, que integra a comissão tripartite representando o empresariado, disse que a CNC tem preocupação com o trabalho decente. Ela esclareceu que o empregador doméstico não está representado pela CNC, mas a entidade pretende preencher esta lacuna.

 

Herança

Para a juíza Luciana Paula Conforti, diretora da Associação dos Magistrados do Trabalho – Anamatra, questões econômicas não podem ser motivo para não validar direitos. Ela lembrou que as domésticas estão sujeitas a acidentes de trabalho como cortes e quedas, entre outros, e por isso precisam de proteção social, e consequentemente, da formalização.

 

Para a juíza, o excesso de jornada de trabalho, o 13º salário e férias não pagos, entre outros direitos habitualmente infringidos em relação às empregadas domésticas, são herança patriarcal e racista de uma questão cultural carregada ao longo dos anos que precisa ser mudada com a aprovação da Convenção 189 e a modificação do artigo 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores.

 

Privacidade X Fiscalização

O procurador do Trabalho Maurício Correia de Mello, representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, disse que, com a ratificação da convenção da OIT, o Brasil enfrentará alguns desafios na fiscalização. O procurador entende que o patrão deve abrir mão de sua privacidade para a fiscalização quando tem um empregado dentro de sua casa. “Ele não pode alegar falta de privacidade para coibir a fiscalização, porque já aderiu a ela ao adotar um empregado doméstico em sua residência”, explicou. O grande desafio, na visão dele, será encontrar esta flexibilidade em favor da proteção da trabalhadora doméstica. “O Estado também precisa encontrar formas para proteger essas mulheres contra o assédio moral e a violência sexual”, destacou.

 

Maria Júlia Reis Nogueira, da Central Única dos Trabalhadores - CUT, disse que a questão do trabalho doméstico tem dois recortes que predominam, de gênero e de raça. As trabalhadoras domésticas negras ainda sofrem com a discriminação e por isso recebem os menores salários. “O Brasil não deve só ratificar a convenção, mas corrigir o artigo 7º da Constituição Federal, onde está a discriminação aos trabalhadores domésticos”. Ela também reclamou da dificuldade de fiscalização nesta área, em função da inviolabilidade do lar.

 

Desproteção previdenciária

Rogério Nagamine Constanzi, representante da Previdência Social, disse que é preciso estender os direitos dos trabalhadores domésticos que foram marginalizados na história da legislação brasileira. Ele apresentou um perfil da categoria no Brasil, que atualmente é de 7 milhões, sendo que 93% deste total são mulheres, a maioria delas – dois terços – negras. Desse universo, 5,2 milhões não têm carteira assinada, portanto não contam com a proteção da Previdência Social. “Temos que lutar para mudar este quadro de elevadíssima informalidade e desproteção previdenciária”, disse Nagamine.

 

Segundo o representante da Previdência, apesar de estar havendo um aumento da escolaridade para essas trabalhadoras, constatado entre o período de 1992 a 2009, os salários continuam baixos. A maioria delas ganha até um salário mínimo e as diaristas podem ganhar ainda menos.

 

Também está havendo um envelhecimento destes trabalhadores. Em 1992 havia mais domésticas na faixa etária de 40 anos ou mais, enquanto em 2009 este total subiu para 60%, o que para o técnico da Previdência demonstra que entre as mulheres mais jovens a importância do trabalho doméstico tem diminuído.

 

O número de diaristas também cresceu. Em 1992 eram 16% e em 2009 este número subiu para 29%, mas a desproteção entre elas é maior do que entre mensalistas. Em geral, a renda média das diaristas é abaixo de um salário mínimo. De acordo com o técnico da Previdência, em determinadas regiões a exemplo do Norte e Nordeste a informalidade e a desproteção são ainda maiores.

 

Convenção 189

Aprovada na 100ª Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, na Suíça, em 2011, o documento assegura a isonomia de direitos dos empregados domésticos em relação aos demais trabalhadores com o objetivo de garantir o salário mínimo, a formalização do emprego, o descanso semanal, a jornada de trabalho, a proteção social e a organização sindical.

 

Para que a Convenção 189 seja adotada no Brasil será preciso promover algumas mudanças na legislação trabalhista e tanto a ratificação da Convenção como as modificações da legislação passam pelo Congresso Nacional. Neste sentido, tramitam na Câmara e no Senado vários projetos como o Proposta de Emenda à Constituição – PEC – 478/2010, que revoga o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. O autor da proposta é o deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT) e a PEC aguarda parecer da Comissão Especial.

 

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