Reportagem publicada nesta quarta-feira, 28 de dezembro, no jornal Folha de São Paulo, afirma que existem cerca de um milhão de crianças entre 10 e 14 anos trabalhando no Brasil, de acordo com dados do censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Os Auditores-Fiscais do Trabalho Luiz Henrique Lopes, chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho e Emprego, e Marcos Calixto, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Tocantins, foram ouvidos pela reportagem.
A fiscalização do trabalho infantil é um projeto obrigatório em todas as SRTEs. Em 2011, segundo as estatísticas do site do MTE, foram encontradas pelos Auditores-Fiscais nos estabelecimentos visitados e afastadas do trabalho, até novembro, 9.791 crianças e adolescentes em todo o país. Isso inclui alguns setores de economia informal, como feiras livres, por exemplo. De 2003 a 2011 o acumulado chega a 70.211 crianças e adolescentes afastados do trabalho e encaminhados para outros programas governamentais que dão sequência a partir de onde a fiscalização não tem competência para atuar.
Os setores informais da economia são os mais complicados para a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho e é cada vez menor o número de crianças e adolescentes encontrados em empresas formais, o que torna a tarefa da erradicação do trabalho infantil um desafio que requer a atuação integrada de vários órgãos e parceiros da sociedade civil.
O problema é cultural e a falta de entendimento sobre as razões da proteção à infância pode vir de qualquer parte, a exemplo das autorizações judiciais que têm sido concedidas para que crianças e adolescentes trabalhem antes da idade permitida pela lei e em atividades incluídas nas piores formas de trabalho infantil. O MTE identificou mais de 30 mil autorizações dessa natureza e vem agindo para revertê-las, na medida em que são constatadas as situações contrárias à legislação.
Leia a reportagem da Folha de São Paulo:
28-12-2011 – Folha de São Paulo
Brasil ainda tem 1 milhão de crianças que trabalham
Dados do IBGE mostram que o problema é mais grave na região Norte
Renato Mendes, da OIT, diz que é preciso cobrar dos municípios papel mais ativo no combate à mão de obra infantil
ANTONIO GOIS - DO RIO
LUIZA BANDEIRA / MATHEUS MAGENTA - DE SÃO PAULO
Apesar dos avanços registrados na década passada, mais de 1 milhão de crianças de 10 a 14 anos, ou 6% do total, ainda trabalhavam no Brasil em 2010.
Tabulações feitas pela Folha no Censo do IBGE mostram que o problema é mais grave no Norte, onde praticamente uma em cada dez crianças exerce atividade econômica remunerada ou não.
Especialistas afirmam que, para cumprir a meta assumida internacionalmente de erradicar o trabalho infantil do país até 2020, será necessário um esforço adicional.
Isso porque as formas de trabalho infantil que mais persistem no país são mais difíceis de serem fiscalizadas. É o caso de atividades domésticas ou em propriedades agrícolas e familiares.
Por serem preliminares, os dados do Censo de 2010 ainda não permitem investigar mais detalhes sobre as características das crianças ocupadas ou fazer comparações precisas com 2000.
Isso pode ser feito pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), também do IBGE, que mostra que a proporção de crianças trabalhando caiu de 11,6% para 7,2% de 2001 a 2009.
Considerando-se o Censo, o trabalho infantil na década caiu de 6,6% para 6,2%.
No entanto, técnicos do IBGE explicam que o dado de 2000 está provavelmente subestimado, pois em 2010 o levantamento de informações a respeito de domicílios sem rendimento foi mais preciso.
AGRICULTURA
A pesquisa revela também que as ocupações mais comuns de crianças estão na agricultura e na pecuária.
Luiz Henrique Lopes, chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho, diz que as ações do governo têm diminuído o número de crianças ocupadas na área rural.
Mas ele admite que a verificação é mais difícil, e há o agravante de o uso da mão de obra infantil ser culturalmente mais aceito no campo.
"A fiscalização é mais remota nessas áreas não só por seu custo - que demanda viaturas, motoristas, diárias, passagens-, mas também pelo tempo de deslocamento, o que faz com que haja um número menor de ações."
Outra área que apresenta difícil fiscalização é a dos serviços domésticos.
"Enfrentamos o problema do trabalho infantil invisível, onde é difícil chegar por questões de distância [nas áreas rurais] ou legais, de entrar na casa [no trabalho doméstico]", diz Marcos Calixto, da Superintendência Regional do Trabalho do Tocantins.
O coordenador do programa para eliminação do trabalho infantil da OIT (Organização Internacional do Trabalho), Renato Mendes, afirma que é preciso fortalecer e cobrar dos municípios um papel mais ativo no combate à ocupação de crianças.
"Os documentos e as diretrizes do governo federal para atacar o problema são claros e contundentes. No nível municipal, essa política nem sempre é implementada com qualidade", diz Mendes.
Cenário - 95% dos que trabalham estudam
Não basta matricular crianças na escola para evitar que elas trabalhem. Para especialistas, é preciso aperfeiçoar o Bolsa Família, que fez os pais se preocuparem com a matrícula em vez da erradicação do trabalho.
No Amazonas, garoto trabalha 11 horas por dia
KÁTIA BRASIL - DE MANAUS
No comércio popular da periferia de Manaus, muitas crianças e adolescentes trabalham longe da fiscalização.
Quando os pais ou empregadores são abordados, dizem que é melhor a criança trabalhar que ficar nas ruas.
No bairro do Zumbi, na zona leste da cidade, L., 11, trabalha lavando peixes em um box na feira. São dois turnos: das 7h às 12h e das 14h às 20h.
O garoto recebe R$ 20 por dia. Ele afirma que estuda. Cursa o 5º ano do ensino fundamental. "Com o dinheiro, eu compro roupas e dou para minha mãe", diz L.
O empregador do garoto, um peixeiro que se identificou como Elson, 29, afirma que emprega L,. mas não é trabalho infantil. "Melhor do que “tá” na rua perambulando, pedindo dinheiro", disse.
No açougue Esperança, os meninos N., 8, e A., 10, trabalham com desenvoltura cortando nacos de carne e dando troco aos clientes.
Por um minuto, N. esquece o trabalho e liga a pequena TV. Mas a mãe, Mariluce Lopes, 29, dona do açougue, manda desligar.
O garoto volta para o balcão. Sem falar em pagamentos, ela disse que traz as crianças para trabalhar porque não tem quem cuide delas em casa. "Eles ficariam sozinhos, é perigoso", disse.
Em Rondônia, Estado que apresenta maiores taxas de trabalho infantil no país, a maioria das crianças estão nas formas mais "invisíveis" de trabalho: agricultura familiar e funções domésticas.
Em outubro, o Conselho Tutelar de Porto Velho descobriu que uma garota de oito anos fazia trabalho doméstico em sua casa obrigada pelo pai e pela madrasta.
Estava com o rosto parcialmente queimado por óleo por causa de acidentes. Hoje, ela mora com uma tia e voltou a frequentar a escola.
Colaborou MATHEUS MAGENTA, enviado especial a Rondônia
Análise trabalho infantil - Problema está ligado a questão cultural, e não à baixa renda familiar
Trabalho infantil rende pouco e, por isso, não é estratégia de sobrevivência; cultura só será mudada por meio da educação
Não surpreende que avaliações mostrem que transferência de renda não reduz o trabalho infantil: o problema não está na pobreza, está na educação
MARCELO MEDEIROS - ESPECIAL PARA A FOLHA
O Brasil ainda tem 6% de suas crianças de 10 a 14 anos trabalhando, segundo os dados do Censo 2010. Isso corresponde a um milhão de crianças. É quase como se todas as crianças da cidade de São Paulo estivessem trabalhando.
Mais grave ainda é a persistência desse problema, pois a proporção de crianças trabalhando no país não teve redução expressiva desde meados da década de 90.
O crescimento da economia brasileira, a queda da desigualdade social e a diminuição da pobreza não foram capazes de mudar expressivamente esse cenário.
Hoje sabe-se muito mais sobre trabalho infantil do que no passado. Pais que trabalharam quando crianças tendem a fazer com que seus filhos também trabalhem.
A maior parte desse trabalho é na agricultura, não remunerado e em tempo parcial. Meninos trabalham com mais frequência que meninas, e as atividades das crianças geralmente consistem em ajudar seus pais.
É mais comum nas áreas menos desenvolvidas do país e reflete muito de nossas desigualdades regionais.
Mas o trabalho infantil não se resume a isso, há um repertório longo de exploração e trabalho degradante até mesmo nas grandes metrópoles do Brasil.
RISCOS
Estudos mostram que não há nada de bom no trabalho infantil. Trabalhar traz riscos à saúde das crianças, piora seu desempenho escolar e, em alguns casos, chega a retirá-las das escolas.
Não ajuda no rendimento das famílias porque rende pouco e nem sequer prepara as crianças para um futuro profissional, pois adultos que trabalharam quando crianças terminam em profissões piores do que aqueles que nunca trabalharam.
Crianças, para se desenvolverem bem, devem brincar, estudar e não trabalhar.
O trabalho infantil é mais comum entre as famílias pobres mas, ao contrário do que se costuma pensar, não é uma estratégia de sobrevivência.
É reflexo de uma cultura que valoriza pouco a infância e a educação, um sintoma de problemas de longo prazo nos sistemas educacionais.
Também indica uma falha da educação no passado, que não foi capaz de preparar uma geração de pais que dessem prioridade à educação de seus filhos, e uma falha no presente, de um sistema que não consegue prover escolas em tempo integral capazes de suplementar aquilo que as famílias pouco educadas de hoje não são capazes de fazer.
Não é de surpreender, portanto, que avaliações recentes mostrem que programas de transferência de renda não reduzem o trabalho infantil: o problema maior não está na pobreza, está na educação.
MARCELO MEDEIROS é professor de sociologia da Universidade de Brasília, especialista em desigualdade social, e pesquisador do Ipea.