Uma das primeiras propostas da presidente Dilma Roussef, que deverá ser encaminhada ao Congresso Nacional ainda neste início de ano, já promete provocar polêmica. O Governo pretende diminuir a alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento das empresas, uma das propostas da Reforma da Previdência.
O primeiro corte deverá ser de dois pontos percentuais sobre os 20% já cobrados. A intenção seria, a médio prazo, definir a cobrança em 14%. Segundo o governo, um dos objetivos da desoneração da folha é aumentar o número de empregos formais. Como a contribuição previdenciária é considerada alta pelos empresários, seria um incentivo para abertura de novas vagas com carteira assinada.
Porém, as centrais sindicais são contra a diminuição da alíquota. Temem pelo déficit previdenciário que pode chegar a R$ 9,2 bilhões no primeiro ano e questionam como o Governo vai compensar essas perdas.
De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (fonte: site Sindifisco Nacional), a desoneração da folha vai onerar ainda mais a sociedade, pois a composição inclui os 20% da contribuição patronal, FGTS, férias e 13º salário. Caso a parcela patronal seja reduzida para 14%, daqui a 20 anos, o trabalhador não terá nenhuma garantia de receber sua aposentadoria.
Para a Presidente do SINAIT, Rosângela Rassy, a desoneração da folha de pagamento por meio da redução gradual da contribuição previdenciária causa preocupação uma vez que não são apresentadas as alternativas para recompor a receita, fato que traz insegurança e aumenta a preocupação ainda mais porque o déficit da previdência continua sendo propalado. “A pergunta que não quer calar é: quem pagará essa diferença? Vai sobrar para os servidores públicos?”, conclui Rosângela.
21/01/2011
Folha de São Paulo
Por mais emprego formal, Dilma quer cortar tributos
Reforma a ser enviada ao Congresso reduz custos com folha de empresas
Proposta é diminuir de forma escalonada a contribuição patronal ao INSS; governo crê em mais contratações
VALDO CRUZ
DE BRASÍLIA
A presidente Dilma Rousseff proporá uma redução escalonada na tributação sobre a folha de pagamento, com um corte inicial de pelo menos dois pontos percentuais na alíquota de contribuição previdenciária das empresas, hoje de 20%.
Nos anos seguintes à aprovação dessas medidas, a ideia é fazer outros cortes, que também podem continuar sendo de dois pontos, até que a contribuição patronal ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) fique em 14%.
A medida beneficiaria imediatamente as empresas por meio da redução de custos com a folha de pagamento. Os trabalhadores devem ser beneficiados indiretamente a médio prazo, já que um dos efeitos esperados pelo governo é o aumento da contratação de trabalhadores com carteira assinada.
A expectativa mais otimista no governo é que, com a redução dos encargos trabalhistas, o mercado formal -hoje estimado em 52%- alcance o patamar de 60% apenas nos primeiros 12 meses de redução da alíquota.
PROPOSTA
Essa é a principal proposta em estudo pela equipe responsável por elaborar projetos pontuais de reforma tributária, que a presidente quer enviar ao Congresso ainda em fevereiro, logo depois da abertura dos trabalhos legislativos.
A medida já vinha sendo estudada pela equipe do ministro Guido Mantega (Fazenda), que pretende incluir ainda algum tipo de compensação à Previdência Social pela perda de arrecadação no primeiro momento com o corte na contribuição previdenciária das empresas.
O projeto ainda não está fechado. Há quem defenda, por exemplo, que a alíquota caia no médio prazo para 12% ou 10% ao longo de três ou seis anos, mas está praticamente definido que no primeiro ano ela seria reduzida em dois pontos percentuais.
A equipe da Previdência Social preferia uma redução menor, de um ponto percentual a cada ano na contribuição, temendo efeitos sobre o financiamento das aposentadorias do setor privado.
Assessores de Dilma argumentam, porém, que para atingir os efeitos desejados de redução dos custos das empresas e torná-las mais competitivas é preciso fazer, de saída, um corte de pelo menos dois pontos percentuais na alíquota.
COMPETIÇÃO
Preocupada com o aumento da competição de empresas estrangeiras por conta do dólar barato, a presidente espera que o projeto compense a valorização do real, que torna os produtos brasileiros mais caros no exterior, e os importados mais atraentes para consumo interno.
Além da redução na contribuição previdenciária das empresas, o governo estuda também acabar com o salário-educação, uma tributação de 2,5% sobre a folha de pagamento. A contribuição ao INSS dos trabalhadores do setor privado, que varia de 8% a 11% conforme a faixa salarial, não mudaria.
A desoneração da folha de pagamento é um dos quatro projetos de reforma tributária que Dilma vai enviar ao Congresso. Os demais devem tratar da redução de tributos sobre investimentos e unificação da legislação do ICMS.
RESISTÊNCIA
As centrais sindicais resistiam à proposta de desoneração da folha por não conter uma compensação direta pela perda de receita para o sistema previdenciário. Elas defendem a vinculação direta para a Previdência de um outro imposto, o que a equipe econômica não aceita.
Na avaliação dos sindicalistas, sem essa compensação, o resultado será um aumento do deficit da Previdência, que deve ter fechado o ano passado em R$ 45 bilhões -o número fechado ainda não foi divulgado. Segundo eles, isso pode reforçar a necessidade de uma reforma previdenciária.
Dilma, porém, já deu indicações de que não pretende fazer uma reforma da Previdência durante seu governo, apesar de assessores defenderem pelo menos uma proposta que atinja apenas as gerações futuras.
Assim, os trabalhadores hoje no mercado de trabalho não seriam atingidos. Com isso, seria dada uma sinalização de que o setor seria sustentável no futuro.
Folha de São Paulo
22/01/2011
Previdência perderia R$ 9,2 bilhões com desoneração da folha
Medida se justifica do ponto de vista econômico, mas governo precisará elevar outro tributo ou cortar gastos
A SEGURIDADE NO BRASIL OFERECE COBERTURA AMPLA, MAS ENCARECE A CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES COM CARTEIRA
GUSTAVO PATU
DE BRASÍLIA
A redução da carga tributária incidente sobre a folha de salários, nos moldes estudados por Dilma Rousseff, provocaria no primeiro ano uma perda de pelo menos R$ 9,2 bilhões para os cofres da Previdência, duas vezes as verbas da reforma agrária.
Em três anos, seriam, portanto, R$ 27,6 bilhões a menos, quase a metade dos recursos federais aplicados em educação. Ou, em qualquer prazo, o suficiente para fazer o deficit previdenciário do país se tornar ainda maior do que parece hoje.
A medida tem justificativa econômica, é simples do ponto de vista legislativo e desperta simpatia política. Seus poucos, mas influentes, adversários se concentram na própria administração petista e seu entorno sindical.
Por parâmetros internacionais, é excessivo o peso da tributação brasileira sobre a folha de salários. Arrecada-se o equivalente a mais de 8% da renda nacional dessa forma, a maior parte para financiar aposentadorias, pensões e auxílios.
Trata-se de um percentual mais próximo dos de países mais ricos e de população mais velha. No México, os tributos destinados à proteção social somam 2,7% do PIB; no Chile, 1,3%.
É explicável: a estrutura de seguridade construída no Brasil a partir da Constituição de 1988 -que inclui, além da Previdência, acesso universal à saúde pública, seguro-desemprego e benefícios assistenciais a pobres, idosos e deficientes- não tem paralelo no mundo emergente.
Mas paga-se o preço de encarecer a contratação com carteira assinada, em razão de tributos e encargos como a contribuição previdenciária, o salário-educação, o FGTS e as contribuições para entidades como Sesi, Senai, Sesc, Senac e semelhantes.
Não por acaso, o país ainda apresenta alta taxa de informalidade no mercado de trabalho, a despeito das melhoras proporcionadas nos últimos anos pelo crescimento da economia.
A desoneração da folha explicitaria ainda mais o desequilíbrio orçamentário da Previdência e, de forma mais ampla, da seguridade -mesmo com a tributação atual, ambas são deficitárias. Ganhariam força as propostas de reforma, rechaçadas por sindicatos e entidades abrigadas na área social.
Compensar as contas exigiria elevar outro tributo ou cortar despesas permanentes; a esperada formalização de empregos cobriria uma parcela minoritária e difícil de estimar das perdas. Por isso, a desoneração, que pode ser feita por medida provisória, tem sido adiada nos últimos oito anos.
Em 2003, no primeiro ano do governo Lula, chegou-se a aprovar uma lei fixando prazo de 120 dias para que o Executivo apresentasse um projeto de redução da contribuição previdenciária patronal. A ideia, depois abandonada, era reduzir a taxação de 20% para 10%.
O assunto voltou à pauta durante os estudos para o lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e para a proposta de reforma tributária do segundo mandato de Lula.
Na última ocasião, a desoneração foi condicionada a mudanças mais profundas no sistema tributário, como uma nova legislação para o ICMS -uma forma politicamente correta de deixar o problema para depois.
Reforma de Dilma divide patrões e empregados
Argumento é o risco de não pagar aposentados
DE SÃO PAULO
DE BRASÍLIA
A proposta da presidente Dilma Rousseff de desonerar a folha de pagamento das empresas reduzindo a contribuição previdenciária dividiu patrões e empregados.
A medida atende a pleito antigo dos empresários, mas desagrada às centrais sindicais, que prometem se posicionar "radicalmente contra" caso seja aprovada.
A Folha mostrou ontem que Dilma pretende mandar ao Congresso proposta de redução da tributação sobre a folha para estimular a contratação formal.
As duas maiores entidades sindicais do país, CUT (Central Única dos Trabalhadores) e Força Sindical, condenaram a iniciativa.
"Do modo como está proposto somos totalmente contra. Se fizer isso, a Dilma não terá dinheiro para pagar os aposentados", disse Paulo Pereira, presidente da Força.
Com a desoneração, a Previdência perderia, no primeiro ano da medida, pelo menos R$ 9,2 bilhões.
"Há três anos os patrões fizeram a mesma proposta. Pregamos que as perdas fossem repassadas para uma tributação sobre o faturamento. Aí recuaram" disse Artur Henrique da Silva, da CUT.
O vice-presidente da Fiesp, Roberto Della Manna, pediu negociação entre governo, patrões e empresas.
Para o professor de economia da PUC-Rio José Márcio Camargo, a desoneração deve ser prioridade, mas as perdas exigirão compensação. "A desoneração nunca foi feita por isso. Porque não se decide de onde vai sair o dinheiro para cobrir", disse.
23/01/2011
Folha de São Paulo (Editorial)
Cortes necessários
É louvável o plano de reduzir impostos sobre a folha de pagamento, mas o governo precisa informar como vai tratar o deficit da Previdência
Não há como negar o mérito da intenção do governo Dilma Rousseff de reformar um dos impostos que incidem sobre a folha de salários. Como revelou esta Folha, planeja-se reduzir em 30% a contribuição patronal para o INSS.
A extravagância do tributo começa naquilo que ele já tem de excessivo: 20% sobre o salário-base de contribuição. Continua no fato de que o modelo onera empresas de modo desigual: a despesa tributária será tanto maior quanto mais empregos forem criados por um empreendimento.
Por fim, mas não menos deletério, o imposto é um desincentivo à contratação legal de funcionários e um evidente empecilho ao crescimento e à formalização de pequenas empresas. Os negócios de menor porte não têm poder de mercado para repassar as despesas da contratação de funcionários e, além do mais, o custo relativo do trabalho costuma ser maior para o pequeno empresário.
A taxação sobre o emprego tornou-se um problema ainda mais aflitivo e de impacto geral num momento em que sobem relativamente as despesas com salários, dada a alta do valor da moeda brasileira -o "salário em dólares" no país tem subido muito. A valorização do real amplifica os defeitos da tributação excessiva. Ressalte-se o "excessiva". A carga tributária está na casa dos 35% do PIB, mas esse número é apenas uma média. Dado que parte da economia é informal, a carga sobre o setor formal é ainda maior, para não mencionar a desigualdade entre diversos setores econômicos.
Aumentar o nível de formalização do emprego e tornar mais competitivo o preço dos produtos parecem ser de fato os objetivos da presidente com essa microrreforma tributária, uma promessa de campanha, aliás.
É forçoso observar, porém, que abdicar sem mais de parte da receita previdenciária não é coerente com o suposto plano do governo de diminuir a dívida pública e, assim, contribuir para a redução da taxa básica de juros -objetivos tão importantes quanto a racionalidade e a justiça tributárias.
O corte da alíquota da contribuição previdenciária das empresas redundará em aumento do deficit da Previdência, levantará dúvidas sobre as metas fiscais do governo e, a seu modo, como toda redução de impostos, contribuirá para estimular uma economia que começa a ser freada com a elevação dos já altos juros brasileiros.
O governo certamente terá consciência de tal dilema. Caso as alternativas fossem excludentes, menos imposto ou menos dívida e juros, seria mais razoável em primeiro lugar reduzir a dívida, ainda mais se considerada apenas a situação deste ano, em que a compressão de despesas deverá ser muito difícil. No entanto o efeito da perda de arrecadação pode ser compensado no médio prazo. Parte da receita poderia ser recuperada elevando-se de modo modesto a alíquota de alguma outra contribuição para a seguridade social.
Melhor ainda, um plano de contenção do aumento de despesas correntes -salários, Previdência e manutenção- permitiria no futuro tanto a redução da dívida pública como a dos impostos. Seria uma reforma inaudita no país.