SP: Justiça condena empresa que agenciava trabalhadoras filipinas resgatadas pela Auditoria-Fiscal do Trabalho


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
25/05/2018



Por Dâmares Vaz, com informações do MPT e da Rádio Peão


Edição: Nilza Murari


A agência de emprego Work Global Brazil, conhecida como “Governantas Filipinas” e “Global Talent”, e os empresários Leonardo Oscelavio Ferrada e Aguilar Noel Muyco foram condenados em primeira instância ao pagamento de indenização por danos morais no valor total de R$ 9,8 milhões por comandarem esquema em que trabalhadoras filipinas eram contratadas por famílias brasileiras para servirem como domésticas em regime análogo à escravidão. A sentença foi proferida no dia 9 de maio pelo juiz Luis Fernando Feóla, da 5ª Vara do Trabalho de São Paulo.


O processo teve origem em uma ação fiscal ocorrida em julho de 2017, em que Auditores-Fiscais do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo – SRT/SP resgataram empregadas domésticas filipinas submetidas a condições análogas a de escravos em residências de famílias de alto poder aquisitivo em São Paulo. Elas fugiram das casas e buscaram apoio na SRT/SP.


O relato das trabalhadoras dá conta do horror que viveram. Foram submetidas a jornadas de trabalho exaustivas, não recebiam salário, sofriam maus tratos nos locais de trabalho e tinham que pagar "taxas de recrutamento" não previstas no ordenamento brasileiro. Elas declararam ainda ter contraído dívidas no país de origem.


Conforme a Auditora-Fiscal do Trabalho Lívia Ferreira, que esteve à frente do resgate, relata em minidocumentário produzido pelo Sinait – assista aqui –, as trabalhadoras passavam até fome, por causa das jornadas exaustivas e da comida insuficiente fornecida pelos empregadores. “Elas trabalhavam muitas horas por dia e sentiam necessidade de comer. Porém a comida comprada acabava por ser pouca e o empregador não fornecia mais. Tinha ainda a proibição de não poderem comer da mesma comida que era servida à família. Por estar com fome, uma dessas trabalhadoras contou que chegou a comer a carne que era comprada para o cachorro. Era um tratamento indigno.”


Em depoimento, uma das mulheres resgatadas afirmou não ter conseguido passar nem um mês na casa onde estava trabalhando. “Estou passando muito mal. É um grande trauma pra mim. Prefiro morrer do que confiar outra vez [nos meus antigos patrões]”, disse. A trabalhadora chegou a mandar uma mensagem para Leonardo Ferrada, no dia 17 de abril de 2017, com o mesmo teor.


O empresário, então, passou a atuar como mediador de um acordo entre as partes. Ele concordou com o pagamento de uma passagem de volta, mas negou o pagamento pelos 26 dias trabalhados e escreveu, também em mensagem: “concordo com a passagem de volta, mas com os 26 dias de trabalho, não”. Na sequência, completou: “do meu ponto de vista, você está sendo oportunista. Quero ajudar, mas está difícil.”


Investigação


Foi constatado ainda pela fiscalização do trabalho que alguns empregados filipinos foram agenciados para trabalhar num hotel em Amparo, no interior paulista. Esses trabalhadores foram encontrados em atividade de camareiro e foram intermediados pelas mesmas agências daquelas trabalhadoras trazidas para o serviço doméstico.


No curso da inspeção nas agências de recrutamento, os Auditores-Fiscais encontraram documentos que corroboraram os relatos dos trabalhadores entrevistados, no que se refere às taxas cobradas pelas agências intermediadoras, à falta de conhecimento das condições reais do contrato de trabalho, e a não correspondência entre as condições prometidas na origem e as reais condições com as quais os trabalhadores se depararam no destino. Os documentos encontrados também confirmaram a ausência de garantia de repatriamento, no caso de dissolução do contrato, contrariamente ao que diz a legislação nacional.


Os tratamentos recebidos no Brasil iam de encontro ao previsto nas cláusulas obrigatórias da Resolução Normativa do Conselho Nacional de Imigração – CNIg nº 104, de 16 de maio de 2013, além de desrespeitarem a Convenção nº 97 sobre trabalhadores migrantes, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada pelo Brasil desde 1965.


Ação judicial


Diante dos fatos, o Ministério Público do Trabalho – MPT ajuizou ação civil pública em face dos réus, abarcando 70 casos de imigrantes filipinas trazidas ao Brasil pelas empresas e que sofreram ameaças, tiveram seus documentos retidos, foram impedidas de sair das casas em que foram alocadas para trabalhar e ficaram meses sem descanso previsto em lei e no contrato de trabalho. 


Pela sentença, além da multa, os réus ficaram proibidos de agenciar, aliciar, alojar ou acolher qualquer pessoa de nacionalidade estrangeira com a finalidade de prestar serviços no Brasil sem o respectivo visto de trabalho. Além disso, devem fazer constar nos contratos firmados com os empregadores a obrigação de respeitar a legislação trabalhista e previdenciária brasileira, inclusive quanto aos direitos do trabalhador doméstico, entre outras obrigações determinadas pelo juízo.


Na mira desde 2014


A Global Talent, na época chamada Domésticas Internacionais CMIS Brasil, estava na mira do MPT desde 2014, depois de uma denúncia anônima encaminhada naquele ano pela Secretaria da Justiça de São Paulo, via Disque 100. Segundo a denunciante anônima, quando chegou ao Brasil vinda das Filipinas teve seus documentos retidos, recebeu valor bem abaixo da remuneração prometida e foi constantemente ameaçada de deportação caso tentasse denunciar.


Naquele mesmo ano, a Global Talent firmou um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC com o MPT comprometendo-se a formalizar ou auxiliar a formalização do contrato de trabalho de estrangeiros cuja mão de obra tivesse intermediado. Além disso, deveria regularizar documentos de trabalhadores contratados antes da entrada no território nacional, com obtenção de autorização de trabalho fornecida pelo Conselho Nacional de Imigração e também de visto temporário ou permanente fornecido pelo Ministério das Relações Exteriores. O acordo foi encaminhado ao Conselho Nacional de Imigração, Ministério do Trabalho e à Polícia Federal.


Em 2017, a fiscalização da Auditoria-Fiscal do Trabalho constatou que a Global Talent continuava intermediando mão de obra sem as devidas formalizações, o que reabriu as investigações.


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