A Justiça Federal de Pernambuco condenou Marco Antônio Moura Arruda Falcão a 16 anos e três meses de prisão por trabalho escravo e várias irregularidades trabalhistas. O condenado terá que cumprir a pena em regime fechado.
A condenação foi subsidiada pelos relatórios de fiscalização elaborados em março de 2012 pelos Auditores-Fiscais Ana Cristina dos Santos Auad Alves, Arthur Emílio de Araujo, Maria Cristina Cunha Lima, Péricles Romero S. de Albuquerque e Regina Myrian Melo Soares, da Gerência Regional do Trabalho e Emprego de – GRTE Ipojuca, Pernambuco. Os problemas constatados, naquela ocasião, levaram os Auditores-Fiscais a interditarem várias frentes de trabalho no Engenho Corriente e resgatar 21 empregados, sendo dois menores de idade.
Marco Antônio Moura era o responsável por várias frentes de trabalho de cultivo de cana-de-açúcar no engenho, na região de Ipojuca, onde os Auditores-Fiscais constataram condições degradantes de trabalho que implicavam em riscos graves e iminentes à segurança e à saúde dos trabalhadores, além de servidão por dívida, restringindo a liberdade do trabalhador, e diversas irregularidades trabalhistas.
O condenado era o responsável pelo planejamento do plantio, corte, transporte e distribuição da cana. Ele dava as ordens ao "cabo" Adalberto Manoel Domingos da Silva, encarregado pelas medições e controle manual do ponto dos trabalhadores. O cabo anotava em uma caderneta os horários da jornada e a produção diária de cada trabalhador, que por sua vez, contava com o auxílio do encarregado José Valdeci, responsável pelo pagamento dos salários aos trabalhadores.
De acordo com a sentença “...o réu reduziu seus empregados a condição análoga à de escravo, submetendo-os a jornada exaustiva e lhes sujeitando a trabalho degradante, bem como omitiu nas CTPS dos seus trabalhadores os contratos de trabalho e todos os seus aspectos, incorrendo nas condutas previstas no art. 149, caput e §2º, e art. 297, §4º, todos do CP, respectivamente”.
Os ajudantes José Valdeci e Adalberto Manoel Domingos da Silva ainda serão julgados. As acusações contra eles estão em outro processo que tramita na 26ª Vara Federal.
Trabalho degradante
Os Auditores-Fiscais do Trabalho constataram que os empregados viviam em situação degradante. Não tinham EPI - Equipamento de Proteção Individual, água potável para beber, instalação sanitária (faziam suas necessidades fisiológicas no mato), além do fato de que as moradias concedidas pelo empregador Marco Antônio se encontravam em situação muito precária. Eles também não tinham registro em Carteira de Trabalho – quatro deles sequer possuíam o documento - ou seja, a situação era de total irregularidade. Até as ferramentas eram vendidas aos trabalhadores, quando deveriam ser fornecidas pelo empregador.
Como não dispunham de água potável para o consumo, eles improvisavam garrafas do tipo PET (e até mesmo de água sanitária) ou levavam suas próprias garrafas térmicas para acondicionar água. Além disso, geralmente a água era insuficiente para toda a jornada, além de esquentar bastante ao longo da manhã, sob forte sol.
A alimentação não era fornecida aos trabalhadores, que levavam suas marmitas e deixavam em locais impróprios para o acondicionamento. As refeições eram feitas no chão, quando o alimento não azedava sob o sol quente.
As instalações sanitárias eram inadequadas para a realização das necessidades fisiológicas, e os trabalhadores eram forçados a utilizarem o relento da plantação, expondo-se a doenças, ataques de animais peçonhentos, além da completa falta de privacidade.
Já alguns salários eram pagos com mercadorias, bebidas alcoólicas, e outras drogas. O empregador não concedia férias anuais aos empregados, além de não efetuar o pagamento do 13º salário.
Todos os problemas constatados pela fiscalização resultaram na lavratura de 26 autos de infração. Os relatos da fiscalização foram comprovados para a Justiça por meio das fotografias, em que aparecem trabalhadores descalços e fezes humanas bem próximas a uma das residências.
Servidão por dívida
O que mais chamou a atenção dos Auditores-Fiscais foi o fato de existir servidão por dívida. A maioria dos trabalhadores não recebia seu salário em dinheiro, e sim em mercadorias.
De acordo com o Relatório de Fiscalização "geralmente o pagamento dos salários era realizado de forma semanal, normalmente aos sábados e, para a maioria dos empregados. Este pagamento era realizado metade em mercadorias e metade em dinheiro. Estas mercadorias somente podiam ser adquiridas em um mercado denominado Mercadinho & Frigorífico Campestrense, localizado na cidade vizinha, Campestre, no Estado de Alagoas, distante aproximadamente 12 quilômetros do engenho. Este pagamento, por vezes, era realizado para as esposas ou companheiras dos empregados. Além disso, o transporte dos empregados e/ou suas esposas ou companheiras, até o mercado e seu respectivo retorno, era feito na caçamba de um caminhão, sem qualquer cuidado com a segurança dos empregados."
De acordo com o relatório, um carro do dono do "mercadinho" vinha buscar os trabalhadores no Engenho Corriente para fazer compras e cobrava R$ 5,00 pela passagem. Dessa forma, os trabalhadores ficavam reféns do empregador.
Pena
A pena para quem submete alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, é de dois a oito anos de prisão, e multa, além da pena correspondente à violência. A pena é aumentada se o crime é cometido contra criança ou adolescente. Neste caso foi aumentada por causa de várias irregularidades cometidas contra os trabalhadores e a União, a exemplo de lesar a Previdência pela falta de registro em Carteira de Trabalho e, consequentemente, de recolhimento das contribuições previdenciárias e trabalhistas.
O réu, Marco Antônio Moura Arruda Falcão, pode recorrer da sentença em liberdade.