Renato Bignami disse que a prática ameaça o sistema de proteção social, fragiliza os direitos dos trabalhadores e exige uma resposta firme do Estado, das instituições e da sociedade civil
O diretor do SINAIT, Renato Bignami, alertou para os riscos da pejotização irrestrita, durante a audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS), nesta quinta-feira, 29 de maio, que debateu o impacto da transformação de trabalhadores em pessoas jurídicas, nas relações de trabalho no Brasil. Ele disse que a pejotização ameaça o sistema de proteção social, fragiliza os direitos dos trabalhadores e exige uma resposta firme do Estado, das instituições e da sociedade civil. O presidente do SINAIT, Bob Machado, a diretora Olga Machado, a delegada sindical do SINAIT na Paraíba, Tânia Maria Tavares, e a diretora da Delegacia Sindical de Sergipe, Arilda Guedes, acompanharam a audiência.
Presidida pelo senador Paulo Paim (PT/DF), a audiência reuniu representantes do Ministério do Trabalho e Emprego, do Poder Judiciário, do Ministério Público do Trabalho, da CUT entre outros especialistas no tema. A pejotização está em debate no Supremo Tribunal Federal, que analisa se as contratações por meio de pessoas jurídicas podem prevalecer sobre a proteção garantida pela legislação trabalhista.
De acordo com o representante do SINAIT, apesar de a pejotização não ser novidade, a prática antiga ganha novas formas e intensidade no atual contexto, impulsionada pela reforma trabalhista de 2017, e em geral pelas transformações globais na economia e na produção. A precarização das condições de trabalho - em que trabalhadores pejotizados frequentemente não têm acesso a direitos básicos, como férias, 13º salário, previdência e proteção contra acidente entre outros direitos e os riscos à saúde e segurança, além do adoecimento mental, com a crescente epidemia de transtornos psicológicos e emocionais entre esses trabalhadores, foram apontadas por Bignami como consequências dessa prática.
O representante do SINAIT citou estudos do IPEA e da FGV que apontam uma perda de mais de R$ 150 bilhões em arrecadação previdenciária desde 2018, fruto da pejotização e da sonegação de encargos trabalhistas.
Reforma trabalhista
O impacto da reforma trabalhista de 2017, que trouxe consequências negativas para as condições de trabalho, para a organização sindical e para as negociações coletivas, e que favoreceu novas formas de contratação, como a do “autônomo exclusivo”, prevista no artigo 442-B da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), também foi apontado pelo representante do SINAIT como outro fator prejudicial nas relações de trabalho. No entanto, Bignami ressalta que a reforma não eliminou a obrigação de combater fraudes, sendo dever do Estado verificar se essas contratações realmente são legítimas ou se escondem vínculos empregatícios disfarçados. Para Bignami, “o princípio da ‘realidade dos fatos’ deve prevalecer, ou seja, o que importa não é a formalização contratual, mas a análise das condições reais em que o trabalho é prestado”, avaliou, destacando que esse é um padrão internacional consagrado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
De acordo com Bignami, cabem ao Estado e à Justiça do Trabalho garantir que a pejotização não seja utilizada para burlar direitos. Ele defendeu a aplicação do chamado “método do feixe de indícios”, amplamente usado na França, que permite à Justiça identificar indícios de fraude nas relações de trabalho e reconhecer vínculos empregatícios quando for o caso.
Ainda destacou a importância da jurisprudência e das súmulas dos tribunais superiores para garantir segurança jurídica e proteção social, mas advertiu que não se deve confiar apenas nelas: “a súmula não resolve todos os problemas”, afirmou.
Bignami ainda reforçou a necessidade de se interpretar as normas sempre à luz da Constituição Federal, que estabelece a função social dos contratos e impõe limites à liberdade contratual, especialmente para proteger os trabalhadores.
Recomendações internacionais
O representante do SINAIT concluiu sua participação destacando a Recomendação nº 198 da OIT, que orienta os países a determinar a existência de vínculo de emprego com base nos fatos concretos da prestação de serviços, e não apenas na forma contratual.
Ele também indicou um estudo que desenvolveu na OIT sobre os modelos de Inspeção do Trabalho em diversos países, e que pode ser consultado como referência para o aperfeiçoamento das políticas públicas brasileiras.
Agradecimentos
No início da audiência, Bignami agradeceu ao senador Paim pelo apoio dado ao fortalecimento da Inspeção do Trabalho, especialmente na luta pela realização do concurso para 900 Auditores Fiscais do Trabalho. Ele também lembrou a perda dos três colegas auditores e do motorista do Ministério do Trabalho, mortos em serviço, para reforçar a importância da proteção e valorização da categoria.
Durante a audiência, a representante da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, Alessandra Camarano, citou a presença da Auditora Fiscal do Trabalho e delegada sindical do SINAIT na Paraíba, Tânia Maria Tavares, na audiência, para fazer referência ao comprometimento e a importância da atuação da Auditora Fiscal e da categoria na proteção e defesa dos direitos dos trabalhadores.
Estudo do MTE
A coordenadora-geral de Fiscalização e Promoção do Trabalho Decente e representante do MTE na audiência, a Auditora Fiscal do Trabalho Dercylete Lisboa, apresentou um estudo inédito realizado por Auditores Fiscais do Trabalho. O levantamento analisou dados de 2022 a 2024, identificando que 56,2% das pessoas que perderam o vínculo formal de emprego passaram a atuar como pessoas jurídicas (PJs) com rendimentos de até R$ 2 mil mensais. “Uma clara demonstração de que a chamada ‘livre iniciativa ‘ muitas vezes encobre situações de precarização e vulnerabilidade”, informou Dercylete.
As ocupações mais afetadas incluem vendedores, assistentes administrativos, faxineiros, serventes de obras, pedreiros, porteiros, empregados domésticos e garçons, que, após a formalização como PJs, abriram registros em áreas como publicidade e comércio, mas, na prática, continuam exercendo as mesmas funções sob condições mais frágeis e com menos proteção social.