Trabalho escravo - Resgate na Bahia e Congresso no Mato Grosso


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
23/04/2010



As ações de apuração de denúncias e resgate de trabalhadores encontrados em situação de escravidão moderna continuam acontecendo, realizadas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel e também por equipes das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego – SRTEs. A mais recente operação foi registrada na Bahia, onde quase cem trabalhadores foram encontrados, dos quais 45 tiveram seus contratos de trabalho regularizados, alguns receberam a Carteira de Trabalho e outros encerraram o vínculo com o empregador e receberão Seguro-Desemprego especial. O empregador terá que acertar todas as pendências com os trabalhadores, cujos cálculos superam 700 mil reais (veja matéria do site do Ministério do Trabalho e Emprego, abaixo).



Outra notícia sobre trabalho escravo é a realização do Congresso "De 1970 a 2010: 40 anos de luta pela erradicação do trabalho escravo. Como a sociedade pode combater essa chaga social?”, na Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), onde vive Dom Pedro Casaldáliga, o primeiro a denunciar a presença de trabalho escravo no Brasil, na década de 1970. As denúncias lhe valeram inúmeras ameaças, mas ele continua firme em defesa dos trabalhadores explorados. Participaram do evento membros da Comissão Pastoral da Terra, Auditores Fiscais do Trabalho, Procuradores do Trabalho, ativistas e militantes da c ausa da erradicação do trabalho escravo. A ONG Repórter Brasil fez a cobertura e publicou reportagem em seu site, que reproduzimos a seguir.



“A Fiscalização do Trabalho combate qualquer forma de exploração do trabalhador. O trabalho escravo é uma situação extrema, que vai além da violação dos direitos trabalhistas, configurando-se violação dos Direitos Humanos, um atentado à dignidade da pessoa humana. Apesar de tantas forças contrárias à exploração, ele continua a existir, o que revela uma certa tolerância de determinados setores. É isso que precisa acabar, não se pode admitir nenhuma brecha. Os poderes Legislativo e Judiciário precisam ser mais efetivos nessa rede para acabar de vez com o trabalho escravo”, diz Rosângela Rassy, presidente do SINAIT, que representa os Auditores Fiscais do Trabalho – agentes que fazem o combate direto ao trabalho escravo, e participa de diversos fóruns pela erradicação da prática.



 



Leia as matérias relacionadas:



 



22-4-2010 – Ministério do Trabalho e Emprego



Fiscais do MTE resgatam 44 trabalhadores em condições degradantes



Auditores fiscais aplicam 34 autos de infração por situação irregular encontrada em fazenda na Bahia



 



Brasília, 20/04/2010 - Quarenta e quatro trabalhadores em situação irregular foram resgatados em fazenda no município de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, durante operação do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.



Os Auditores Fiscais do Trabalho alcançaram 98 trabalhadores, dos quais 45 tiveram contratos de trabalho formalizados durante a ação fiscal. Foram lavrados 34 autos de infração, 43 pessoas foram cadastradas no Seguro-Desemprego para trabalhadores resgatados e quatro tiveram suas Carteiras de Trabalho emitidas.



O empregador firmou Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) estipulado no valor de R$ 500 mil, por Indenização pelo Dano Moral Coletivo. O empregador se comprometeu a pagar os salários atrasados, férias em dobro, 13º salário e horas extras para os trabalhadores fixos, que totalizaram um valor de R$ 709.296,07. O proprietário da fazenda também será obrigado a efetuar pagamento de indenizações que somam R$ 70.131,33.



 



Fiscalização - A Secretaria de Inspeção do Trabalho verifica o cumprimento da legislação trabalhista pelas empresas com o objetivo de combater a informalidade e garantir a observância dos direitos dos trabalhadores.



Este ano foram realizadas 13 operações do Grupo Móvel em todo o Brasil, com a inspeção de 20 estabelecimentos. Ao todo, 290 autos de infração foram lavrados e 207 trabalhadores em situação análoga a escravo foram resgatados.



 



 



21-4-2010 – Repórter Brasil

Evento reaviva 40 anos de luta contra o trabalho escravo



Passadas quase quatro décadas da primeira denúncia de trabalho escravo firmada por Dom Pedro Casaldáliga, congresso em São Félix do Araguaia (MT) revê história e reafirma desafios para a erradicação definitiva do crime



Por Maurício Hashizume - O jornalista viajou a convite da organização e representou a ONG Repórter Brasil como palestrante no Congresso em São Félix do Araguaia (MT)



 



São Félix do Araguaia (MT) - Na noite em que concluiu "Escravidão e Feudalismo no Norte do Mato Grosso", documento que reúne casos de trabalhadores rurais, a maioria migrantes, enganados e brutalmente explorados nas "derrubadas de mata e formação de pastos em fazendas infinitas", ao sabor do "desamparo de toda lei, sem direito nenhum, sem humana saída", Pedro Casaldáliga saiu de casa para ver a lua grande e respirar ar mais frio.

Era 2 de setembro de 1970. Naquele momento, conta o religioso no livro "Creio na Justiça e na Esperança" (1978), ele se ofereceu ao Senhor. "Sentia então que, com o documento, poderia ter assinado também a minha própria pena de morte; em todo caso, acabava de firmar um desafio".



Passados quase 40 anos da primeira manifestação de revolta contra o trabalho escravo em fazendas (algumas ligadas a poderosos grupos empresariais e apoiadas por recursos públicos) em fronteiras agrícolas do Norte do país, Dom Pedro Casaldáliga segue ativo na região do Baixo Araguaia, aos 82 anos de idade, apesar da série de ameaças que se repetem insistentemente desde então. E o desafio de acabar com o trabalho escravo que ele assumiu com a inédita denúncia passou a ser dividido com outros setores da sociedade, nas esferas do poder público e da sociedade civil.

Os desdobramentos do ato de coragem de Dom Pedro - que se tornou mais completo com a Carta Pastoral "Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social", divulgada depois do mesmo ter assumido oficialmente o posto de Bispo da Prelazia - foram abordados no congresso "De 1970 a 2010: 40 anos de luta pela erradicação do trabalho escravo. Como a sociedade pode combater essa chaga social?”, que reuniu cerca de 400 participantes de comunidades da região, durante a semana passada, no Centro Comunitário da Prelazia de São Félix do Araguaia.



Promovido pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Mato Grosso, o evento contou com a participação de integrantes do próprio MPT, do Ministério Público Federal (MPF), da Justiça do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do governo estadual do Mato Grosso, além de representantes de movimentos sociais, entidades sindicais e organizações civis envolvidas no enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo.

O congresso abriu espaço tanto para o histórico da mobilização e para as conquistas em torno do tema, como para problemas estruturais que persistem ao longo do tempo e para outros aspectos que propiciam a continuidade do círculo vicioso da prática criminosa.

Longo e tortuoso foi o caminho trilhado, como observou Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), para que o trabalho escravo, tratado como "mentira" no início dos anos de 1970, sob a ditadura militar, fosse reconhecido pelo Estado brasileiro. A colaboração de procuradores, servidores, advogados, parlamentares, entidades e militantes comprometidos com a defesa dos direitos humanos foi fundamental para essa mudança.



Advogada da Prelazia de São Félix do Araguaia, Maria José Souza Moraes deu mais detalhes dos primórdios, sublinhando as articulações que fortaleceram o enfrentamento à escravidão. "O grupo móvel [de fiscalização, responsável pela maior parte das mais de 38 mil libertações de 1995 até hoje] não foi uma dádiva do Estado. Foi uma conquista da sociedade".

Coordenador da Campanha Nacional contra o Trabalho Escravo da CPT, Xavier relembrou ainda a pressão ocasionada pelo "Caso Zé Pereira", quando o Estado brasileiro foi denunciado junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) por conta do episódio em que um trabalhador que fugia da escravidão em 1989 e acabou ferido no olho pelo tiro de um capanga.

Qua se por um milagre, Zé Pereira sobreviveu e foi acolhido pelo padre Ricardo Rezende, outro personagem que desempenhou papel importante para a disseminação da causa. Sob o risco de maiores constrangimentos, o governo aceitou acordo no qual reconheceu oficialmente a existência e assumiu compromissos para erradicar o trabalho escravo, além de arcar com indenizações à vítima. Depois disso, foi definido o primeiro Plano Nacional de Comabte ao Trabalho Escravo, de 2003, e instaurada a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).



"O Estado foi chamado e respondeu. Mas trata-se de um processo que está em curso e ainda há muito a andar", completou a procuradora Keley Kristiano Vago Cristo, que faz parte da Coordenação Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do MPT. Ela apresentou alguns dos marcos da atuação institucional contra a chaga social - das primeiras ações em 1992 e 1993 até os padrões atuais de conceituação com eixo de proteção ampliada: do cerceamento da liberdade para a violação da dignidade humana.

Para além dos inquéritos, ações civis públicas (ACPs) e termos de ajustamento de conduta (TACs) e da participação ativa no grupo móvel, o MPT tem entrado com pedidos de dano moral coletivo com o propósito "pedagógico" de inibir a exploração do trabalho escravo. Kelly ressaltou que, ainda na década de 1930, a Consolida ão das Leis Trabalhistas (CLT) fixou normas para o trabalho urbano e que os padrões para o trabalho rural - considerado de "segunda classe" - só foram estabelecidos 40 anos mais tarde. Destacou também a importância de medidas como a reforma agrária e políticas sociais (na área de educação e de geração de emprego, por exemplo), que podem efetivamente causar mudanças na condição de vulnerabilidade do trabalhador rural.



O aumento representativo de operações e de libertações registrados nos últimos anos fez parte da apresentação do auditor fiscal do trabalho Leandro de Andrade Carvalho, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE/MT). Com experiência na coordenação de operações do grupo móvel, Leandro reconheceu as limitações existentes, mas frisou a reiterada disposição do órgão no combate ao crime.

Da parte da sociedade civil, contudo, representantes sindicais dos pequenos agricultores aproveitaram a ocasião para protestar contra a desativação d a unidade do MPT em São Félix do Araguaia (MT) e pediram a instalação de uma agência do MTE para atender as demandas da região. Maria da Glória Borges da Silva, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Mato Grosso (Fetagri-MT) reclamou das denúncias de trabalho escravo encaminhadas às autoridades competentes que não são fiscalizadas.

Manoel Ferreira dos Santos, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de São Félix do Araguaia (MT), reforçou a posição da colega ao exigir a colaboração mais ostensiva de todos os Poderes da República no combate ao trabalho escravo, com maior respaldo e estrutura. O líder sindical chegou a comparar a escravidão a um câncer que, se não for completamente eliminado, pode voltar a se espalhar. "Temos receio que, depois deste evento, todos digam adeus e nós continuaremos com o problema", resumiu.





Mato Grosso e Piauí

Desenvolto na condição de secretário-adjunto estadual da Justiça e da Segurança Pública e presidente da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo do Mato Grosso (Coetrae-MT), Alexandre Bustamante se dedicou a apresentar medidas recentes geradas pelo colegiado. Entre elas estão o Fundo Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (Fete) para financiar iniciativas de prevenção, repressão e reinserção, o Curso de Operação e Repressão ao Trabalho Escravo (Corte) a um grupo seleto de 30 agentes da Polícia Civil com vistas a garantir a segurança das operações fiscais e as iniciativas de capacitação profissional de egressos da escravidão.

O abrigo de 17 desses trabalhadores que foram libertados e agora frequentam cursos oferecidos pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) fica por conta do Serviço Pastoral do Migrante (SPM) na capital Cuiabá (MT). Integrante ativa da Coetrae-MT, Eliana Aparecido Vitalino lembra que a casa, fundada em 1980, já abrigou mais de 206 mil pessoas desde 1980, quando foi criada.



Servidora da SRTE/MT, Eliete Costa ofereceu pormenores do programa de capacitação de egressos à platéia do Congresso. Foram definidas parcerias com Centros de Referência e Assistência Social (Cras) para estudos dos perfis socioprofissionais das vítimas do trabalho escravo. Dados do Seguro Desemprego do Trabalhador Resgatado foram utilizados para concentrar a ação em lugares específicos como o Distrito de Chumbo, em Poconé (MT).

Em 2007, Mato Grosso recebeu 90 novos auditores fiscais do trabalho, mas cerca de 40 já foram removidos para outras unidades do MTE, que passa por uma etapa de descentralização de gestão e de recursos. Atualmente, trabalham entre 50 e 60 para atender o Estado inteiro - metade deles inspeciona a área urbana e metade fica na área rural. Alvo de c obranças dos participantes, Leandro Carvalho realçou que as cobranças também devem ser direcionadas ao Legislativo - que ainda não aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras de escravagistas e resplandece estacionada no Plenário da Câmara dos Deputados desde 2004 - e ao Judiciário - pela ausência de condenações de crime de trabalho escravo (Art. 149 do Código Penal) em última instância.

De sua parte, Gustavo Nogami, membro do MPF e também integrante ativo da Coetrae-MT, tratou justamente dos aspectos criminais do combate ao trabalho escravo. Enquanto que o magistrado João Humberto Cesário, ex-titular da Justiça do Trabalho de São Félix do Trabalho (MT) e atualmente na Vara de Juína (MT), enumerou sentenças e iniciativas contra o trabalho escravo voltadas ao desenvolvimento das comunidades locais.



O combate à pobreza como parte da quebra da lógica escravagista foi a tônica da mensagem da educadora popular Maria das Graças Ferreira, do SPM de Piauí. Notório pólo "exportador" de mão de obra escrava, o Estado nordestino tem visto o agronegócio crescer e o número de fazendas fiscalizadas crescer em suas terras. Oito dos municípios com pior índice de desenvolvimento humano (IDH) do país estão no Piauí, onde mais de 70% dos habitantes sobrevivem com até um salário mínimo por mês.

Desde 2002, entidades relacionadas ao combate à escravidão - como CPT, SPM, SRTE/PI e a Federação de Trabalhadores na Agricultura do Piauí (Fetag/PI) - se aproximaram e vem atuando em conjunto. Em 2003, foi instalado um fórum estadual relacionado ao tema; em 2004, veio o primeiro plano estadual temático e; em 2007, tornou-se oficial o Comitê Gestor Estadual de Erradicação do Aliciamento e de Prevenção ao Trabalho Escravo e foi aprovada uma lei estadual que impede que empregadores envolvidos em casos de trabalho escravo sejam contratadas ou recebam incentivos públicos.

O comitê do Piauí recebe denúncias de aliciamento e até conseguiu inclusive impedir a saída de ônibus com trabalhadores sem a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada.



Mundo e sistema

Como fator de comparação, Xavier Plassat pinçou os dados sobre trabalho escravo em apenas um dos estados da Índia. Uttar Pradesh tem a extensão do Piauí e abriga cerca cerca de cinco a oito milhões de pessoas escravizadas entre os 185 milhões de habitantes, mesma população de todo o Brasil. Segundo a organização norte-americana Free The Slaves, existem cerca de 27 milhões de seres humanos submetidos à es cravidão no mundo.



No Brasil, continuou o frade da CPT, o quadro não é tão desalentador. "Temos a faca e o queijo na mão e não conseguimos erradicar o trabalho escravo", lamentou. Isso se deve, de acordo com ele, à ´queda de braço´ na sociedade entre os que dão suporte e aqueles que são contra a escravidão. "O Estado combate e, ao mesmo tempo, promove o trabalho escravo, principalmente por meio do agronegócio e do modelo que o acompanha", acrescentou Cláudia Alves de Araújo, da CPT de Porto Alegre do Norte (MT).

Compilação de dados mostram que já houve libertações em pelo menos um em cada 10 municípios brasileiros. Na Região Centro-Oeste, o índice é de um em cada quatro; na Amazônia, um em cada três e; no Mato Grosso e no Pará, um em cada dois municípios. "Temos de manter o dever de vigilância. Nem a metade das denúncias colhid as na Região Norte chega a ser fiscalizada", completa Xavier, que fica em Araguaína (TO). "Não vamos nos satisfazer com medidas cosméticas. Temos que erradicar".

No início do evento, a delegada da ESMPU e procuradora do trabalho em Cuiabá (MT) Virgínia Leite Henrique prestou homenagem aos trabalhadores escravizados com a  Missa dos Quilombos, obra da parceria entre Pedro Casaldáliga, Pedro Tierra (Hamilton Pereira) e Milton Nascimento.



Ao final, a procuradora do trabalho Danielle Masseran leu a Carta de São Félix do Araguaia, com a qual é reafirmada "a luta histórica de cada entidade presente na erradicação do trabalho escravo, não aceitando qualquer retrocesso no caminho já trilhado à custa de sangue e suor de tantos que deram suas vidas por essa causa". Presente no encerramento, Dom Pedro Casaldálga recebeu das mãos de Carlos Henrique Pereira Leite, também do MPT, uma placa com trecho da música "Sonho Impossível", de Chico Buarque.

Sem abdicar do poder transformador dos sonhos, Dom Pedro Casaldáliga "profetizou" mais uma vez à Repórter Brasil acerca dos sustentác ulos da repetição de casos de trabalho escravo contemporâneo. "Enquanto o luxo e o lucro forem as coordenadas e as normas supremas, a humanidade não poderá viver em paz. E continuaremos sendo escravos do sistema".



 



 



 



 



 



23-4-2010 – DIAP



Descaso com saúde do trabalhador é “homicídio culposo”, diz médica



Agência Sindical (Jornal Brasil Atual, no Portal da CUT)





A pressão excessiva no ambiente de trabalho e metas abusivas levam a um número cada vez maior de casos de doenças mentais. Margarida destaca, em entrevista à Rede Brasil Atual, que casos de depressão que levam a ideação suicida merecem mais atenção da sociedade.



A médica foi uma das precursoras no estudo do assédio moral. Foi uma das formuladoras do conceito sobre assédio moral durante sua trajetória acadêmica em Psicologia Social.



Tanto em seu mestrado, de 2000, quanto no doutorado, em 2005, ela pesquisou sobre humilhações no ambiente de trabalho e seus efeitos na saúde do trabalhador.



Nesta entrevista, concedida em sua casa, em São Paulo (SP), a médica explica o conceito de assédio moral e o que considera ser o papel do movimento sindical. "No campo dos direitos, o trabalhador passa a ser humilhado", avalia.



"A gente precisa voltar a ter sindicatos combativos. Combativo no discurso e na prática. Se não houver essa reflexão é balela", sentencia.



Leia os principais trechos da entrevista:



 



O que é assédio moral e qual é sua relação com o trabalho?

Margarida - Eu fui percebendo, ao longo dos meus estudos, que a questão do assédio estava relacionado à organização do trabalho.



O assédio moral não é uma doença e sim um risco psicossocial. É um processo que vai ao longo do tempo desmontando totalmente a resistência do outro.



O assédio é caracterizado pela temporalidade, pode durar meses. A intensionalidade: "eu sei porque estou te humilhando e o que eu quero ao te humilhar".



A direcionalidade é: "eu não humilho qualquer um, os outros assistem, e eu humilho especialmente você". E isso ocorre muitas vezes porque se trata de um trabalhador que tem caracteristicas que o diferenciam dos outros.



 



Como a organização do trabalho contribui para o assédio?

As pessoas até dez ou 15 anos atrás trabalhavam em um grupo, em um coletivo em que tinham vários companheiros de jornada e a meta era decente.



A medida que os anos vão passando, com a reestruturação, o que temos é a diminuição do número de pessoas no ambiente de trabalho e sobrecarga de quem fica.



E quem continua, fica com a cabeça baixa, agradecendo por estar ali. A pressão para produzir é acentuada e a meta não é fixa.



De cinco anos pra cá, os trabalhos são avaliados individualmente. Antes, as empresas usavam a avaliação de 360º, cada um analisava o outro. Hoje, é individual, em um primeiro momento parece melhor porque eu não estou mais exposto ao conjunto.



A perversão está exatamente nisso, quando se avalia individualmente uma pessoa que nos anos anteriores foi considerado um excelente trabalhadores de "uma hora pra outra", ele é avaliado terrivelmente negativo.



Mais uma vez a responsabilidade passa a ser desse trabalhador.



 



Qual é o comportamento do assediador?

É a estratégia do próprio assédio: isolar, sobrecarregar de trabalho, mostrar que o trabalhador não é competente, exigir tarefas "para ontem".



E quando o trabalhador dá o máximo de si para realizar a tarefa, ela sequer é analisada.



Isso é comum com projetos, o trabalhador se esforça, usa a criatividade com a esperança do reconhecimento e apesar de ter extrapolado até sua hora de dormir, em casa, ou do contato com a família, o projeto vai parar em uma lata de lixo.



 



Quais são as consequências do assédio moral?

O indivíduo se curva e obedece. Se o indivíduo resiste, ele termina depois de um tempo entrando em um desequilíbrio emocional acentuado, e muitas vezes desiste do emprego.



O aspecto da educação pedagógica é muito grande, já que quem assiste não fica em silêncio porque se tornou mal caráter.



Fica em silêncio porque está com medo aterrador, medo de ser identificado com aquela pessoa que está sendo humilhada, medo de ser o próximo humilhado.



E ali está em jogo algo fundamental, é o trabalho dele que virou emprego nessa caracterização de precarização, é o trabalho que dá subsistência, que o realizava e o qual ele se identificava.



Ainda temos que considerar o aspecto familiar, é comum famílias onde só um membro trabalha. Quando esse perde o emprego desestrutura essa família. E ai vem as ideações suicidas.



Cada vez mais o trabalhador sobrecarregado entra em um estado de estresse e tensão no ambiente de trabalho, acaba adoecendo e sendo afastado e quando tem alta da previdência, a empresa não quer essa pessoa doente.



 



A ideia de suicídio é algo frequente entre vítimas de assédio moral?

É hoje um componente muito forte, que não podemos desprezar. Suicídios ocorrem. Que responsabilidade tem esse mundo corporativo por esses suicídios?



Normalmente, os casos parecem relacionados a questões de família, a grandes perdas e mesmo à depressão. Mas qual é a causa dessa depressão no ambiente de trabalho?



Quando olhamos as estatísticas da Previdência Social, o número de doenças com o mesmo status do acidente de trabalho (definidos pelo nexo técnico epistemiológico) e compara com o número de mortes, fica claro que a situação é grave. É um homicídio culposo corporativo.



São 3 mil mortes por ano em consequência das condições de trabalho, dos riscos das atividades. São 500 mil acidentes. E esses números podem ser subnotificados, como em situações de morte por infecção hospitalar de alguém internado por acidente de trabalho.



 



Qual o papel dos sindicatos no combate do assédio moral?

Esse é um novo desafio para os sindicatos, quando você olha o assédio moral de uma forma individualizada, a tendência é você mandar para o médico para cuidar dos transtornos afetivos ou para o jurídico para ele entrar com a ação.



Muitas vezes a ação do jurídico, eu acompanhei pelo Brasil, termina sendo mais uma humilhação. Porque quando esse trabalhador vai para a Justiça, mas ele não quer dinheiro, quer dignidade, ser respeitado como pessoa, como ser humano.



Nesses processos jurídicos, a pessoa termina fazendo acordos de R$ 3 mil, ou até R$ 1 mil. Nessas situações, mais uma vez, não é reconhecida a responsabilidade do empregador. No campo dos direitos, o trabalhador passa a ser humilhado.



Nisso o papel do sindicato é fundamental. A gente precisa voltar a ter sindicatos combativos. Combativo no discurso e na prática. Se não houver essa reflexão é balela.



 



Como a senhora vê esse ambiente de trabalho que propicia o assédio? O que precisaria ser modificado?

Falta um pouco de amor, de respeito e de fraternidade. Além de todos esses aspectos faltarem até dentro dos espaços sindicais, das ONGs, dentro dos diferentes espaços de trabalho.



Falta também o indivíduo ver o outro como um igual em direitos.



Esse movimento de compreensão seria um primeiro passo para se começar a refletir mais. E quem sabe se perceber que não é esse tipo de sociedade que produz saúde e dignidade.



E então buscar e construir uma sociedade justa, não por meio de um modelo feito e sim de um conjunto de ações coletivas.

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