Gulnara Shahinian, relatora especial das Nações Unidas - ONU sobre formas contemporâneas de escravidão, que esteve no Brasil em maio deste ano, está divulgando seu relatório sobre a situação que encontrou no Brasil. A íntegra do relatório ainda não está disponível, mas em julho a relatora enviou uma prévia de seu relatório à Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – Conatrae, da qual o SINAIT é integrante.
Os pontos destacados pelo noticiário nacional de hoje trazem aspectos positivos e negativos do combate ao trabalho escravo no país. Os elogios vão para a postura do governo em reconhecer o problema e enfrentá-lo, e também para a atuação do Grupo Móvel de Fiscalização, composto por Auditores Fiscais do Trabalho e parceiros. As críticas são para a impunidade e a demora em aprovar leis para inibir a prática, como a Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº 438/2001.
Para o SINAIT estas conclusões do relatório de Gulnara Shahinian não são novidade. Em maio a presidente Rosângela Rassy participou de audiência com a representante da ONU e entregou documento em que denunciou o pequeno número de AFTs para fazer o combate ao trabalho escravo e cumprir todas as demais atribuições da carreira. A presidente falou ainda sobre a falta de estrutura de trabalho para os AFTs e das interferências políticas que atrapalham determinadas operações (CLIQUE AQUI para ler a carta do SINAIT).
“Nós sabemos muito bem que há interesses que impedem a aprovação da PEC 438 e a punição dos escravagistas. E que as políticas públicas não estão dando conta de segurar o trabalhador resgatado em suas cidades de origem. Se não houver trabalho, se não houver renda, ele vai ser novamente cooptado pelo ‘gato’ e voltar à situação de trabalho escravo. Os AFTs do Grupo Móvel já viram isso acontecer muitas vezes”, diz Rosângela.
Além de fazer o diagnóstico, Gulnara Shahinian também faz recomendações ao governo brasileiro e entre elas está a aprovação da PEC 438, que expropria terras de quem explora trabalhadores sob regime de escravidão contemporânea. A PEC foi aprovada na Câmara em primeiro turno e aguarda a votação do segundo turno. Há uma grande resistência da bancada ruralista e a falta de consenso tem sido um impedimento para que a PEC seja colocada na pauta de votações.
Veja três matérias sobre o relatório de Gulnara Shahinian:
14-9-2010 – Agência Brasil
Relatório da ONU aponta impunidade de quem explora trabalho escravo no Brasil
Gilberto Costa - Repórter da Agência Brasil
Brasília - Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece a atuação do governo brasileiro no combate ao trabalho escravo, especialmente empreendido pelos grupos de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego.O documento, no entanto, aponta a necessidade de melhorar a atuação dos três níveis de governo, principalmente dos municípios, e recomenda a alteração da legislação para aumentar a pena de quem explora e faz a intermediação do trabalho escravo.
Essas ações exemplares [de combate ao trabalho escravo] tendem a ficar ofuscadas sem ação urgente no sentido de acabar com a impunidade de que desfrutam os fazendeiros, empresas locais e internacionais e alguns intermediários, conhecidos como gatos, que usam trabalho escravo. Pois enquanto tem sido possível obter êxito com penalidades cíveis [multas], ainda falta aplicar penalidades criminais [prisão], descreve o texto.
Segundo o relatório, o questionamento sobre a competência jurídica para julgar esses crimes e a demora do sistema judicial frequentemente resultam na prescrição dos crimes e os perpetradores ficam impunes. O documento ainda aponta que quando o crime é cometido por um réu primário tem sido comum a punição com sentenças suaves, como prisão domiciliar ou serviços comunitários.
O texto ainda assinala que apesar de já haver decisão, há quatro anos, do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a competência para julgar crimes de trabalho escravo é da Justiça Federal, nem sempre a determinação é seguida. Pede que sejam cumpridas integralmente as recomendações da Comissão de Direitos Humanos no sentido de levar todas as violações sérias de direitos humanos para tribunais federais.
O relatório será apresentado hoje no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça), e é assinado pela relatora especial sobre Formas Contemporâneas de Escravidão, Gulnara Shahinian.
No relatório, Shahinian propõe cerca de 30 recomendações ao Estado brasileiro, entre elas a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 438/2001, que prevê o confisco de terras onde houver trabalho escravo. Em maio, quando a relatora esteve no Brasil, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), recebeu um abaixo-assinado pedindo a aprovação da proposta que tramita há nove anos.
As principais vítimas da exploração de trabalho escravo no Brasil são homens jovens e adultos, com 15 anos ou mais, que trabalham para a agroindústria e a pecuária, na zona rural, e para a indústria de confecção, na área urbana.
Gulnara Shahinian esteve em Brasília, São Paulo, Cuiabá, Imperatriz e Açailândia (MA). No ano passado, a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 3.769 trabalhadores.
*Colaborou Allen Bennett//Edição: Graça Adjuto
14-9-2010 – Folha de São Paulo
ONU critica trabalho escravo no Brasil
Documento destaca, porém, conhecimento do governo sobre o tema e elogia políticas públicas implantadas. Relatório afirma que punições previstas não intimidam e também lança suspeitas de conivência de políticos
DE BRASÍLIA
Falta de punições, número insuficiente de policiais e assassinatos de defensores dos direitos humanos são alguns dos obstáculos para a erradicação do trabalho análogo ao escravo no Brasil.
A informação é da relatora especial da ONU sobre formas contemporâneas de escravidão, Gulnara Shahinian, que veio ao país em maio. As críticas estão em relatório que será divulgado hoje no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra.
"O uso continuado do trabalho escravo, evidenciado pelo número dos libertados, sugere que as multas (pagas diretamente ao Estado) e as sanções criminais não são meios de intimidação suficientes", diz o documento.
Uma das recomendações do relatório é a aprovação da proposta de emenda constitucional que prevê a expropriação de terras onde for encontrado trabalho forçado.
O documento também sugere que há participação de políticos nessa prática, o que explicaria, segundo o relatório, o fato de a emenda ainda não ter sido aprovada.
O relatório também elogia o governo brasileiro por reconhecer o trabalho análogo à escravidão como um problema e pelas políticas públicas aplicadas, como os grupos móveis de fiscalização.
Procurado, o Ministério do Trabalho afirmou que só se manifestará após a divulgação oficial do relatório.
O governo avalia o relatório como positivo pelo destaque dado a programas de combate à prática. Parte das críticas recebidas, como o longo tempo de tramitação de processos, deverá ser encaminhada ao conhecimento do Judiciário.
Ações contra trabalho irregular resultam em multa de R$ 448 mil
Três ações contra trabalho escravo resultaram no pagamento de R$ 448 mil em verbas rescisórias para 167 pessoas achadas em condições análogas à escravidão em plantações de morango, em MG, e em canaviais, no RJ.
Em Campos (norte do RJ), a ação do Ministério Trabalho achou 33 trabalhadores em situação irregular. Em MG, 51 trabalhadores de Cambuí (447 km de BH) foram encontrados em situação irregular em 12 de agosto -39 em condições análogas à escravidão.
O responsável não fornecia condições adequadas de trabalho, como água potável. Os nomes das empresas envolvidas não foram divulgados. (JEAN-PHILIP STRUCK)
14-9-2010 – O Estado de São Paulo
Relatório destaca situação dos bolivianos em SP
A ONU denuncia o uso de bolivianos como escravos no setor têxtil em São Paulo e diz que o governo não tem conseguido dar uma resposta ao fenômeno. Em seu relatório sobre o trabalho escravo no Brasil, a ONU dedica boa parte para descrever a situação dos bolivianos. Cerca de 100 mil deles estariam em São Paulo, metade de forma irregular.
O documento ainda denuncia a Polícia Federal, dizendo que seriam responsáveis por cobrar propinas dos bolivianos para não os deportarem e ainda os visitariam em seus locais de trabalho para os ameaçar. A constatação da investigação é de que empresas em São Paulo contratam intermediários na Bolívia para convencer os imigrantes a viajar ao Brasil. No País, as dívidas que acumulam os impedem de parar de trabalhar. Seus passaportes são confiscados e eles vivem sob ameaça constante. Muitos trabalham até 18 horas por dia.
Por serem imigrantes ilegais, eles temem denunciar a situação à polícia e acabar deportados. Empresas do setor prefeririam os estrangeiros para poder controlar melhor a mão de obra. Trancados em porões, muitos trabalham e dormem no local. Segundo a ONU, a grande maioria não sabe de seus direitos e, mesmo com a política do governo de regularizar a situação dos bolivianos, nem sequer conhece essa possibilidade.