Trabalho escravo - Os flagrantes continuam


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
27/04/2010



Apesar das declarações da senadora Kátia Abreu (DEM/TO) em entrevista concedida à Revista Veja desta semana, a Fiscalização do Trabalho no Brasil, infelizmente, continua a constatar a presença de trabalho escravo. Os flagrantes persistem, seja em ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, seja nas inspeções realizadas pelos Grupos Rurais das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego – SRTEs.


A senadora, que é também presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, concedeu entrevista à Revista Veja (páginas amarelas)  criticando o “rigor” da Norma Regulamentadora – NR nº 31 (trabalho rural) e caricaturando as situações de trabalho escravo encontradas pelos Auditores Fiscais do Trabalho.


“O que se nos apresenta como evidente é o reiterado descumprimento da legislação trabalhista por fazendeiros, fato, aliás, constatado por recente pesquisa da própria CNA. As ações do Grupo Móvel e das equipes de Fiscalização Rural são criteriosas, tudo é fartamente documentado em filmagens, fotografias e testemunhadas pelos Procuradores do Ministério Público do Trabalho e Policiais Federais e em inúmeros processos que tramitaram e tramitam no Judiciário brasileiro", ressalta a presidente do SINAIT, Rosângela Rassy.


A pesquisa da CNA foi feita por cerca de 200 pessoas treinadas pela entidade que visitaram fazendas e constataram que apenas cerca de 1% dos mais de mil empresários cumprem a legislação trabalhista, segundo informações divulgadas pela coluna de Mônica Bérgamo no jornal Folha de São Paulo e reproduzida no site do SINAIT no dia 26 de março deste ano, há um mês atras, portanto  (leia abaixo).


Os dados recolhidos e documentados pelos AFTs nas ações fiscais constituem-se provas e são utilizados pela Justiça em ações que, cada vez mais, impõem penas a empresários pelo crime previsto no artigo 149 do Código Penal. “As situações encontradas pelos AFTs e caracterizadas como trabalho escravo são extremas, são indignas, são repugnantes e inaceitáveis. Sabemos que não são todos os fazendeiros que praticam a exploração, mas os que assim procedem têm que ser punidos e, infelizmente, eles existem, não são lenda. Quando as irregularidades não se caracterizam como neoescravidão, os AFTs orientam pelo reparo da situação, ou autuam, de acordo com a gravidade. É preciso que a sociedade saiba que o trabalho é sério e criterioso, impessoal. O que a senadora tenta fazer é desqualificar a fiscalização e até as normas legais, que não foram inventadas pelos Auditores Fiscais nem construídas de uma hora para outra por capricho de alguém. O que se busca preservar é a vida, os direitos, a dignidade do trabalhador. Quem cumpre esses objetivos não será punido”, conclui Rosângela.


 


Veja matérias abaixo e confira a íntegra do documento na área restrita do site. Para acessar digite o número do Siape para o campo Login e o seu CPF como senha.


 26-3-2010 – Folha de São Paulo


Coluna Mônica Bergamo - Na carne


Uma investigação feita "in loco" em 1.020 fazendas pela própria CNA, a Confederação Nacional da Agricultura, revela que menos de 1% - é isso mesmo, 1%! - dos estabelecimentos rurais visitados por profissionais da entidade cumprem as leis trabalhistas no campo. O relatório, assinado por professores da Universidade Federal de Minas Gerais e da FGV-SP, será divulgado na próxima semana.

DEGRADANTE
A CNA, que é presidida pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO), enviou técnicos e professores universitários para as fazendas como se fossem "fiscais" do governo. Entre as falhas encontradas, estão trabalhadores sem carteira assinada, alojamentos inadequados e empregados que costumam almoçar no campo, e não em refeitórios apropriados, o que é considerado "degradante" pelo Ministério do Trabalho.

CARTILHA
As visitas foram feitas em sete estados - Alagoas, Tocantins, Maranhão, Bahia, Mato Grosso do Sul, Goiás e Pará. Os técnicos da CNA orientaram os fazendeiros e retornaram aos estabelecimentos rurais depois de quase dois meses. Em 18% dos casos, os proprietários tomaram providências para melhorar a situação - o que, na opinião da entidade, mostra que, quando informados, os ruralistas procuram se adequar. Só no Maranhão as coisas continuaram praticamente iguais.


 


26-4-2010 – Repórter Brasil


Fazenda com 30 mil cabeças de gado mantinha 28 escravos


Operação do grupo móvel encontrou trabalhadores em construções precárias, submetidos a longas jornadas e pressionados por cobranças indevidas em fazenda da CSM Agropecuária, do reincidente Celso Silveira Mello Filho


Por Rodrigo Rocha


 


Não foi desta vez que a fiscalização radicalizou na cobrança excessiva de normas trabalhistas após se deparar com um cenário de despadronização de camas em alojamentos preparados e de refeições protegidas pela sombra fresca da vegetação, como quer alardear a pressão ruralista.



Operação do grupo móvel de fiscalização - que contou com membros do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal (PF) - encontrou 28 trabalhadores rurais vivendo em construções precárias (sem acesso a estruturas básicas de sanitários, acesso à água e fiação elétrica, dividindo espaço até com cavalos e mulas), submetidos a longas jornadas (das 5h da manhã às 18h, sem desca nsos regulares) e sufocados pelo endividamento (cobranças de "aluguel", de alimentação e até equipamentos de proteção e ferramentas de trabalho). 


 


As libertações de condição análoga à escravidão ocorreram na Fazenda Tarumã, em Santa Maria das Barreiras (PA), que pertence à CSM Agropecuária S/A. Com cerca de 30 mil cabeças de nelore, gado leiteiro, sede, diversas máquinas e outras construções, a propriedade dispõe até de pista de pouso, com hangar, para aviões de pequeno porte. 


 


De acordo com a fiscalização, a Tarumã atuava como fornecedora da JBS Friboi, que manteve relações em 2008 com donos de áreas embargadas por problemas ambientais (Conexões Sustentáveis São Paulo - Amazônia). Recentemente, o JBS Friboi se associou ao Bertin (parte indireta em dois casos de escravidão em 2009: nas obras de pedágio de uma rodovia em São Paulonuma fazenda de gado no Tocantins, bem como num episódio de ataque a indígenas próximo a usina no Mato Grosso do Sul) e à norte-americana Pilgrim´s Prider para formar uma das maiores empresas do segmento no mundo.



Quem responde pela direção da CSM é Celso Silveira Mello Filho, réu em processo criminal como responsável por casos passados de trabalho escravo. Nos flagrantes anteriores (1999 e 2000), Celso foi acusado por causa de infrações em áreas da Vale Bonito Agropecuária S/A, que já fez parte da "lista suja" do trabalho escravo entre 2003 e 2005.



Celso é irmão de Rubens Ometto Silveira Mello, conhecido "barão" da Cosan - gigante sucroalcooleiro que também chegou a ser inserida na "lista suja", mas acabou retirada por meio de liminar judicial.



Uma mulher e um jovem de 17 anos faziam parte do grupo de libertados no fim de janeiro. Segundo relatos col hidos pelos auditores fiscais do trabalho, as vítimas eram aliciadas pelo gerente da fazenda, Silvio da Silva, com a promessa de bons salários. De acordo com o procurador do MPT que acompanhou a operação, Roberto Ruy Netto, os empregados eram de regiões próximas à fazenda e não foram contratados de uma só vez. Alguns tinham 15 dias de trabalho e outros já estavam no local há mais de um ano.


 


Os empregados foram contratados para trabalhos rotineiros da fazenda como montagem de cercas e criação de gado (vaqueiros, capatazes e ajudantes). Por conta da distância para o núcleo urbano mais próximo, costumavam sair apenas uma vez por mês da propriedade, quando recebiam o pagamento.

Degradância e exaustão
Dos 11 "retiros" (conjunto de construções que serviam de alojamento) da Fazenda Tarumã, quatro estavam em condições aceitáveis (mínimo de condições de higiene e conservação, apesar das irregularidades). O quadro pintado pelos auditores acerca dos outros sete foi o seguinte: "degradação da área de vivência, em razão da má conservação predial, da ausência de higiene, da ausência de instalações sanitárias e até m esmo riscos iminentes a integridade física e a vida dos trabalhadores e de suas famílias".



A água consumida pelos empregados vinha de poços desprotegidos. O líquido coletado não passava por nenhum tipo de tratamento. O risco de contaminação era alto, principalmente em alguns alojamentos em que os poços estavam relativamente próximos às fossas. Grandes tambores de material plástico - usados originalmente como recipientes de óleo lubrificante - eram reaproveitados para retirar água dos poços. Na própria embalagem, existia um aviso proibindo a reutilização do recipiente para outros fins.



Num dos "retiros", um vaqueiro morava em um cômodo contíguo ao depósito de sal e à baia dos animais (cavalos e mulas), também, sem condições de higiene, sem chuveiro, ou qualquer tipo de instalação sanitária.



Parte dos outros alojamentos, aliás, não possuía banheiro: os trabalhadores e seus familiares tinham de se embrenhar em mata gais. Alguns tinham um "banheiro" que se resumia a um cercado totalmente desgastado, sem porta e com um buraco no meio do chão. Havia ainda lixo despejado próximo às moradias, o que favorecia a infestação de ratos.


 


As condições para o desempenho do trabalho foram consideradas degradantes. Alguns homens que construíam cercas tinham de andar diariamente 6 km até a frente de instalação dos mourões, carregados muitas vezes pelos próprios. A água levada para o local não durava até o fim do dia. A comida era de péssima qualidade, em baixa quantidade e de baixo valor nutritivo.



As despesas com moradia e alimentação eram descontadas dos salários dos funcionários. "Esse desconto estava sendo feito de forma indevida pela fazenda, já que a moradia fornecida estava inadequada, em situação precária", afirma o procurador do trabalho Roberto.



Além dos descontos, a CSM Agropecuária não fornecia gratuitamente os equipamentos de proteção individual (EPIs). Cada trabalhador pagava do próprio bolso por botas, chapéus e luvas. Segundo depoimentos recolhidos pelo grupo móvel, um par de botinas que durava cerca de dois meses custava em torno de R$ 30. Algumas ferramentas utilizadas no trabalho, como os esmeris, também tinham de se compradas pelos empregados.



O transporte existente era feito de forma completamente irregular. O próprio gerente da fazenda admitiu que o salário deles atrasava e era pago em cheque, o que dificultava sobremaneira a vida dos empregados. A situação de outras centenas de trabalhadores da Fazenda Tarumã alcançados pela fiscalização não era tão grave a ponto de suscitar libertações.



Ao final, foram lavrados 20 autos de infração, mais uma interdição. A CSM assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPT em que se compromete a fazer a regularização dos alojamentos em situação precária, construir um refeitório, constituir uma comissão interna de prevenção de acidentes, com multa diária de R$ 1 mil em caso de item descumprido.



O valor pago p elos empregadores foi de R$ 124,6 mil, sendo R$ 8,25 mil com relação à Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) rescisório, e R$ 116,35 de valor total das rescisões, somado às indenizações por dano moral individual. A empresa ainda se comprometeu em doar uma picape para o efetivo da PF como indenização por dano moral coletivo.


 


O pagamento dos libertados foi feito na mesma semana da fiscalização. Já as reformas necessárias nos alojamentos e outras adequações exigidas ganharam prazo de até 120 dias para regularização.

Empresas
Consultada por meio de ligação telefônica pela Repórter Brasil, representante da CSM Agropecuária no escritório de Piracicaba (SP), no interior do estado de São Paulo, sustentou que a empresa não tem nada a declarar sobre o flagrante no Pará e que o ocorrido já havia sido totalmente resolvido. A funcionária que atendeu à reportagem, que se identificou como Mariline, não intermediou o contato direto com a direção e classificou o episódio como "fofoquinha".
Em nota divulgada à imprensa, a JBS Friboi, que busca se capitalizar com nova oferta de ações, informou que "assinou em 2005 o Pacto Internacional de Erradicação do Trabalho Infantil e Escravo que afirma o compromisso de não adquirir gado de fazendas que realizam este tipo de conduta de trabalho".



A JBS declara utilizar "uma ferramenta interna, atualizada diariamente, que trava qualquer compra de fazendas que estejam na lista [suja]". Os empregadores responsáveis por manter trabalhadores em condição análoga à de escravo passam a fazer parte da "lista suja" após a conclusão do processo administrativo (iniciado a partir das operações) no Executivo federal.


 

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