A atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho no Espírito Santo e em Tocantins levou o Ministério Público Federal nos dois estados a ajuizar ações criminais contra os acusados de aliciar trabalhadores e de submetê-los à condição de escravos em propriedades rurais.
As matérias relacionadas, abaixo, dão conta de flagrantes em três fazendas onde os trabalhadores aliciados em regiões distantes viviam em condições degradantes: sem salários e impedidos de voltarem para os locais de origem. Os AFTs constataram a existência de alojamentos sem condições mínimas de segurança e saúde, jornadas de trabalho exaustivas, não fornecimento dos equipamentos de proteção individual, fornecimento de água imprópria ao consumo humano, falta de instalações sanitárias, armazenamento de agrotóxicos dentro do alojamento, violência física e psicológica, e uso de armas de fogo para intimidar os trabalhadores.
Durante a ação, os Auditores Fiscais do Trabalho registraram, ainda, em uma das propriedades rurais do município de Jaguaré, no Norte do Espírito Santo, a ocorrência de acidente de trabalho com um dos empregados, que havia sofrido queimaduras no ombro direito e não teve a assistência médica necessária.
Todos os dias os AFTs resgatam trabalhadores vítimas do trabalho escravo. Somente este ano, até a primeira quinzena de agosto, já foram feitos 1.318 resgates, que resultaram no pagamento de mais de R$ 3,3 milhões em direitos trabalhistas às vítimas, e foram lavrados 1.692 autos de infração contra os empregadores.
Mais informações sobre a atuação do Grupo Rural de Fiscalização no Espírito Santo e do Grupo Móvel de Fiscalização em Tocantins nas matérias abaixo.
19/08/2010 Terra
Clipping: MPF-ES processa 4 por trabalho escravo na lavoura de café
O Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF-ES) informou, nesta quinta-feira, que ajuizou duas ações criminais contra quatro acusados de aliciar trabalhadores e de submetê-los à condição de escravos em propriedades rurais no município de Jaguaré, no Norte do Espírito Santo, durante a colheita de café de 2010.
Uma das ações, contra o produtor rural Nelsinho José Armani, trata da ocorrência de 38 trabalhadores mantidos em condições análogas às de escravos na Fazenda Vargem Grande. A outra denúncia contra os administradores Osmar Brioschi, Luiz Carlos Brioschi e Selso Brioschi diz respeito a outros 39 trabalhadores mantidos nas mesmas condições na propriedade rural Fazenda Barra Seca.
As irregularidades foram constatadas por fiscais da Delegacia Regional do Trabalho no Espírito Santo, em verificações feitas entre os meses de maio e junho de 2010. Eles encontraram trabalhadores aliciados em regiões distantes, vivendo em condições inadequadas, sem possibilidade de deixar os cargos e sem receber pagamentos.
De acordo com o procurador da República Carlos Vinicius Soares Cabeleira, os denunciados reduziram trabalhadores rurais à condição de escravos, sujeitando-os a condições desumanas e degradantes de trabalho. Além disso, também restringiram a locomoção desses trabalhadores com a retenção de suas carteiras de trabalho e previdência social.
Na ação, o procurador diz que "os fatos narrados demonstram a grave agressão aos mais elementares direitos humanos do trabalhador, o que só poderia ser encontrado num País que mistura pobreza extrema de grande parte da população, falta de acesso à educação, altas taxas de desemprego e ainda a torpeza de pessoas que se aproveitam da miséria alheia para aumentar seus lucros".
Pelo crime de manter os trabalhadores em condições análogas à escravidão, os denunciados podem ser condenados a até oito anos de prisão. Já pelo crime de aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional, a pena é um a três anos de prisão. Para quem praticar qualquer um desses crimes está previsto ainda o pagamento de multa.
Os casos
Na Fazenda Vargem Grande, foi constatada a presença de 38 trabalhadores trazidos dos municípios de Teolândia, Presidente Wenceslau, Tancredo Neves, Gandú e Santa Luzia, todos localizados no Estado da Bahia. Nas frentes de trabalho da colheita de café, os trabalhadores não contavam com instalações sanitárias nem abrigo para a tomada das refeições. Além disso, também não dispunham de equipamentos de proteção individual, e até as botas e recipientes térmicos para armazenamento de água eram cobrados dos trabalhadores.
O alojamento era constituído de uma casa precária com menos de 25m², onde os trabalhadores se abrigavam em um espaço extremamente reduzido. O único sanitário em uso encontrava-se sujo e sem tampa e as poucas pias existentes eram usadas, ao mesmo tempo, como lavatório e lavanderia de roupas. Além disso, as instalações elétricas eram compostas por várias "gambiarras", expondo os trabalhadores ao risco de incêndio.
Os auditores fiscais do trabalho também verificaram uma situação extremamente grave ocorrida no alojamento: um empregado acidentou-se na chaminé do alojamento, fato que resultou em queimadura de grau 2 no ombo direito. Mesmo ciente do ocorrido, o empregador não providenciou nenhuma assistência médica. Pelo contrário, fez chacota do ocorrido e passou a chamar o empregado de "chaminé". Outro ponto constatado pela fiscalização foi a distância que os trabalhadores tinham que percorrer do alojamento até as frentes de trabalho: cerca de 3 km.
Na fazenda Barra Seca, em Jaguaré, a situação era semelhante: foram encontrados 39 trabalhadores vindos dos municípios de Teolândia e Itabuna, na Bahia, vivendo em condições precárias de higiene e segurança. No alojamento não havia camas, somente colchonetes jogados no chão. Como não havia mesas e cadeiras, os empregados alimentavam-se sentados no chão. Além disso, por causa da ausência de armários, os objetos pessoais e gêneros alimentícios ficavam jogados pelo chão em contato com roupas sujas, panelas usadas e lixo.
A situação era tão precária que os próprios trabalhadores manifestaram o interesse em deixar o emprego, mas alegaram que só não o fizeram devido ao fato de que seus documentos estavam retidos pelo empregador. Durante a fiscalização da DRT-ES, foi determinada a retirada dos trabalhadores do local e o imediato retorno deles às suas cidades de origem.
18/08/2010 Portal Stylo
Clipping: MPF/TO propõe denúncia por redução de trabalhadores a condição análoga à de escravo
O Ministério Público Federal no Tocantins apresentou à Justiça Federal denúncia contra Carlos Alberto Kerbes e Roberto Carlos Kerbes por redução de trabalhadores a condição análoga à de escravo na Fazenda Neen Agropecuária e Florestadora Ltda, localizada na zona rural de Araguacema, onde é cultivada a espécie florestal nin. Segundo a denúncia, Carlos Alberto é o proprietário da fazenda e seu irmão Roberto Carlos é o administrador. Também conhecido como Beto, foi ele o responsável pelo aliciamento de oito trabalhadores que foram submetidos a condições degradantes de trabalho e moradia nos anos de 2009 e 2010. Entre eles havia dois menores de 18 anos.
Os trabalhadores exerciam atividades de plantio, adubação, irrigação e pulverização de veneno. Em março de 2010, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho visitou a fazenda, onde constatou as situações degradantes de trabalho. Irregularidades como alojamentos sem condições mínimas de segurança e saúde, jornadas de trabalho exaustivas, não fornecimento dos equipamentos de proteção individual, fornecimento de água imprópria ao consumo humano, falta de instalações sanitárias, armazenamento de agrotóxicos dentro do alojamento, violência física e psicológica e utilização de armas de fogo seriam parte do cotidiano na fazenda.
Os trabalhadores não tinham filtro e bebiam água coletada diretamente de uma cisterna que não possuía tampo que vedasse a entrada de insetos e animais de pequeno porte. Em decorrência desses problemas, muitas vezes eram obrigados a consumir água de um açude próximo ao alojamento, formado de um pequeno córrego que corta diversas propriedades rurais vizinhas, servindo de bebedouro aos bovinos. Os agrotóxicos utilizados nas plantações eram armazenados em um quarto do alojamento dos trabalhadores, juntamente com adubo e os sacos de arroz que eram utilizados na alimentação.
De acordo com o relatório de fiscalização, o gerente mantinha na fazenda diversas armas de fogo, as quais utilizava para disparos intimidatórios em direção aos trabalhadores. Além da coação moral, o administrador agrediu fisicamente um trabalhador, ameaçando-o para que não contasse a ninguém o fato ocorrido. Conforme autos de apreensão da Polícia Federal, além de munição compatível foram apreendidas uma espingarda calibre 32, com numeração raspada, uma mira óptica para acoplagem em armas, uma espingarda calibre 22, uma carabina calibre 38 e um rifle calibre 22 semi automático com numeração raspada. Perícia policial comprovou que as armas e munições estavam em condições de efetuar disparos.
Carlos Alberto é o beneficiário da exploração a que foram submetidos os oito trabalhadores, e responsável pela direção das atividades. Roberto Carlos atuou como aliciador e contratante da mão-de-obra, fez as combinações, a fiscalização do trabalho e efetivou os pagamentos. Ambos estão estão incursos por oito vezes no artigo 149 do Código Penal. Roberto, por possuir armas de fogo, duas com numeração raspada, uma mira óptica para e várias munições, todos em desacordo com as disposições legais e regulamentares, também encontra-se incurso nos tipos penais previstos no artigo 12 e artigo 16, parágrafo único IV, da Lei nº 10.826/2003.
Escravidão contemporânea
A configuração do trabalho escravo não exige especificamente que um ser humano seja submetido à propriedade de outro, como nos tempos de escravidão. O trabalho escravo contemporâneo tem conceito complexo e para sua configuração, suficiente que existam na relação de trabalho alguns elementos que afrontem a dignidade dos cidadãos. Atualmente, o trabalho escravo está escondido por trás de trabalhos urbanos e rurais que aprisionam muitos trabalhadores nas correntes da violência física e moral, nas situações de trabalho exaustivo, nas instala ções em alojamentos degradantes, rebaixando os trabalhadores para uma condição semelhante à daqueles que viviam em regime de escravidão. (Da Ascom/MPF)