Apesar de avanços e garantias constitucionais, o Brasil ainda é um país de grandes desigualdades, comprovadas por estatísticas oficiais e pesquisas diversas, que fazem abordagens gerais ou recortadas de aspectos da realidade e do quotidiano. Mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência, lutam para ter os mesmos direitos e garantir espaços de participação.
Este assunto foi discutido na última semana de junho no Congresso Nacional, onde a representação destes segmentos ainda é pequena, impedindo que importantes avanços sociais sejam consolidados. Poucas mulheres são parlamentares, assim como negros, índios ou pessoas portadoras de algum tipo de deficiência. Os representantes destes segmentos enfrentam toda sorte de dificuldades e barreiras para levar adiante propostas que derrubam preconceitos e tabus arraigados. Para os participantes, entre eles alguns parlamentares, o problema precisa ser enfrentado e os partidos políticos não podem fugir à sua responsabilidade.
Veja matéria da Agência Câmara sobre o que foi discutido no seminário:
30-6-2010 – Agência Câmara
Mulheres, negros e indígenas reclamam mais participação no Congresso
Maria Neves
Mulheres, negros e indígenas sustentaram hoje, no seminário ‘A sub-representação da sociedade no Parlamento brasileiro’, que sem representação política não há como superar as desigualdades. A representante da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Maria Cristina do Rosário Almeida Mendes, ressaltou que há um limite para a atuação dos movimentos sociais. "Nós nos articulamos, colocamos nossas pautas, mas no Congresso há sempre uma barreira".
Segundo Maria Cristina, como existem poucos negros e negras no poder, eles não conseguem agregar número suficiente de aliados. "Foi o que ocorreu com o Estatuto da Igualdade Racial agora no Senado, em que até uma vírgula é questionada", acrescentou.
O seminário foi organizado pela Comissão de Legislação Participativa (Criada em 2001, tornou-se um novo mecanismo para a apresentação de propostas de iniciativa popular. Recebe propostas de associações e órgãos de classe, sindicatos e demais entidades organizadas da sociedade civil, exceto partidos políticos. Todas as sugestões apresentadas à comissão são examinadas e, se aprovadas, são transformadas em projetos de lei, que são encaminhados à Mesa Diretora da Câmara e passam a tramitar normalmente.), a partir da Sugestão 196/10, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Cotas
Na opinião da relatora da sugestão, deputada Luiza Erundina (PSB-SP), o problema deve ser enfrentado nos partidos políticos. A parlamentar ressaltou que, durante a discussão da reforma eleitoral, as mulheres reivindicavam cota de 30% dos recursos do fundo partidário, mas conseguiram apenas 5%.
A bancada feminina também queria ter direito a utilizar 30% do horário político, mas foram concedidos somente 10%. "E ainda assim, se não fizermos um enfrentamento desde já, essas conquistas serão letra morta, como ocorre com as cotas há mais de 10 anos", frisou.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) lembrou, inclusive, que vários partidos estão adiando o registro de suas candidaturas porque não conseguiram cumprir a cota de candidaturas femininas, de 30%. Na opinião do deputado, isso pode ser consequência "da resistência de mulheres que não querem ser inscritas como laranjas apenas para cumprir a lei".
Para a representante da Articulação de Mulheres Brasileiras, Natalia Mori, no entanto, a origem do problema está na organização partidária. Em sua opinião, não é verdade que as mulheres não querem se candidatar. O que ocorre, disse, é que "não há reconhecimento por parte dos partidos da importância de ter mulheres, negros e indígenas no cotidiano partidário, e não é no momento de preencher a ficha de candidatura que o problema vai ser resolvido".
Déficit democrático
De acordo com Natalia Mori, pesquisa realizada pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) mostrou que parlamentares reconhecem a sub-representação no Congresso brasileiro, mas não querem mudar essa realidade. "Eles sabem que esse é um problema de déficit democrático, mas daí a querer mudar é outra coisa, porque significa a necessidade de redistribuir poder", sublinhou.
Natalia lembrou que a mesma pesquisa da ONG feminista constatou que 92% dos integrantes do Congresso são homens, e 60% brancos.
No que se refere aos índios, o representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Damião Braz (Irajá Pataxó), sustenta que há um "lobby" contrário à garantia dos seus direitos. Ele lembrou, como exemplo, que o Estatuto do Índio tramita há mais de 15 anos no Congresso "e não tem sido visto com bons olhos".
O representante indígena reclamou ainda que a Medida Provisória 483/10, que cria a Secretaria Especial de Saúde Indígena, não foi aprovada. "Precisamos mudar essa política. Há a necessidade de representantes indígenas no Congresso", reivindicou.
Conquistas
O consultor legislativo da Câmara Marco Nuno Rabat ressalvou ser necessário reconhecer que, apesar de a composição da esfera política do Brasil levar à sub-representação, houve avanços. "Conquistas como a ampliação do sufrágio são inovadoras, assim como a liberdade de organização política, social e partidária", lembrou.
Erundina também ressaltou a aprovação de proposta de sua autoria, de 1999, que obriga o governo federal a publicar relatório anual sobre o resultado de políticas públicas para mulheres. "Por que não propor projeto semelhante para negros e indígenas? Pode ser uma referência comum para estabelecer uma estratégia de luta pelos direitos desses setores sociais", sugeriu.
Íntegra da proposta: · SUG-196/2010