Apesar de abolida oficialmente no Brasil em 13 de maio de 1888, a escravidão no País continua sendo praticada de variadas formas. A figura do negro acorrentado foi substituída por trabalhadores que enfrentam condições degradantes de trabalho, chegando a não ter salário, não ter condições de higiene, alimentação e outras que caracterizam a situação como trabalho degradante como a jornada excessiva.
De acordo com o Código Penal o que caracteriza o trabalho escravo são as condições degradantes de trabalho, independente do cerceamento da liberdade. Mas, na maioria dos casos de escravidão moderna os Auditores Fiscais do Trabalho - AFTs se deparam com trabalhadores que têm sua liberdade cerceada, seja por endividamento forjado pelo empregador, pela apreensão de seus documentos, pela vigilância armada 24 horas, ou por ameaças permanentes de aliciadores, os chamados “gatos”.
A Organização Internacional do Trabalho - OIT também considera como sendo trabalho escravo toda forma de trabalho degradante, independente de cerceamento ou não de liberdade do trabalhador.
Mesmo diante das dificuldades, como número reduzido de AFTs, e outras, a Auditoria Fiscal do Trabalho tem empenhado esforços no combate a este tipo de crime. Nos últimos 15 anos os AFTs resgataram aproximadamente 39 mil trabalhadores escravizados.
Um estudo feito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e divulgado nesta quinta-feira pela Folha Online aponta que de cada quatro trabalhadores resgatados três são negros, ou seja, as estatísticas não só evidenciam a escravidão como mostram que os negros ainda são maioria entre os trabalhadores escravizados. O levantamento foi feito a partir do cadastro de trabalhadores inscritos no Bolsa Família após serem libertados de condições análogas à escravidão pela Auditoria Fiscal do Trabalho.
Nesta quinta-feira 13 de maio quando completa 122 anos da abolição da escravatura no Brasil o SINAIT disponibiliza os artigos “ 13 de Maio: da Leia Áurea à essência escravocrata da direita” e “ Para onde foram os negros? “ para leitura e reflexão sobre o tema. Além da matéria da Folha Online sobre estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Leia também no site do SINAIT matéria sobre a intensificação da campanha para a coleta de assinaturas pela PEC 438/01 que expropria terras onde forem encontradas trabalho escravo e assine o abaixo-assinado pedindo a aprovação da PEC.
13/05/2010 - 09h00
Negros ainda são vítimas de escravidão, aponta estudo
ANTÔNIO GOIS
da Sucursal do Rio
Passados 122 anos desde a Lei Áurea, 3 em cada 4 trabalhadores libertados de situações análogas à escravidão hoje são pretos ou pardos.
É o que mostra um estudo do economista Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, feito a partir do cadastro de beneficiados pelo Bolsa Família incluídos no programa após ações de fiscalização que flagraram trabalhadores em situações que, para a ONU, são consideradas formas contemporâneas de escravidão.
São pessoas trabalhando em situações degradantes, com jornada exaustiva, dívidas com o empregador --que o impedem de largar o posto-- e correndo riscos de serem mortas.
Paixão, que publica anualmente um Relatório de Desigualdades Raciais (ed. Garamond), diz que foi a primeira vez em que conseguiu investigar a cor ou raça desses trabalhadores, graças à inclusão do grupo no Bolsa Família.
Os autodeclarados pretos e pardos --que Paixão soma em seu estudo, classificando como negros-- representavam 73% desse grupo, apesar de serem 51% da população total do Brasil. Tal como nas pesquisas do IBGE, é o próprio entrevistado que, a partir de cinco opções (branco, preto, pardo, amarelo ou indígena) define sua cor.
Para o economista, "a cor do escravo de ontem se reproduz nos dias de hoje. Os negros e índios, escravos do passado, continuam sendo alvo de situações em que são obrigados a trabalhar sem direito ao próprio salário. É como se a escravidão se mantivesse como memória".
Pretos e pardos são maioria entre a população mais pobre. Segundo o IBGE, entre os brasileiros que se encontravam entre os 10% mais pobres, 74% se diziam pretos ou pardos.
Para Paixão, ainda que hoje a cor não seja o único fator a determinar que um trabalhador esteja numa condição análoga à escravidão, o dado sugere que ser preto ou pardo eleva consideravelmente a probabilidade.
Arte/Folha |
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Fonte: Folha Online
10-5-2010 – Diap / Carta Maior
ARTIGO - 13 de Maio: da Leia Áurea à essência escravocrata da direita
Por Gilson Caroni Filho - Professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
No ano de 1983, uma foto estampada na primeira página do Jornal do Brasil renderia ao seu autor, o repórter-fotográfico Luiz Morier, o Prêmio Esso de fotojornalismo. Nela, um grupo de negros atados pelo pescoço por uma corda é levado pela polícia, após uma das frequentes batidas em favelas do Rio de Janeiro.
Assemelhando-se àquelas pinturas do século 19, em que aparecia o capataz com seu chicote ao lado de escravos amarrados, a fotografia de Luiz Morier era encimada por um sugestivo título: "Todos negros" A pergunta remete a duas questões que permanecem dolorosamente atuais: por que a data referência da libertação dos negros continua sendo o 13 de maio e qual é seu exato significado?
Talvez o questionamento mereça mais desdobramentos. Por que a crença de que vivemos numa democracia racial permanece tão enraizada no pensamento da maioria da população brasileira quando, ao nos determos no cotidiano social deste país, percebemos as profundas desigualdades que ainda envolve distintas etnias?
A constatação de que os negros e não-brancos em geral são aqueles que possuem empregos menos significativos socialmente não seria evidência suficiente para demolir de vez um imaginário construído ao longo de dois séculos?
Apesar do contrapondo estabelecido pela criação do dia da Consciência Negra, permanece o costume frequente de nos curvamos diante do ritual do 13 de maio. A mesma elite que não aceita políticas de cotas, que protela a sanção do Estatuto da Igualdade Racial, enaltece a libertação dos escravos como início de uma nova era de liberdade.
Sequer se dá conta de que notórios abolicionistas como Nabuco, Patrocínio, Rebouças e Antônio Bento, entre outros, afirmaram que a abolição só se cumpriria de fato com a reforma agrária e a entrada dos trabalhadores num sistema de oportunidade plena e concorrência.
Mesmo os setores mais progressistas, ao denunciar as condições sócio-econômicas dos negros depois de 122 anos de abolição, justificam a situação atual como resquício do passado escravo. Isso explicaria a permanência de mecanismos não institucionais de imobilização que atingem o segmento negro da população, produzindo distâncias sociais enormes, jamais compensadas? Ou é cortina de fumaça para preservar a aura de "bondade" da princesa branca?
Estudos feitos sobre a época da chamada Abolição mostram que 70% da população dos escravos já estavam livres antes de 1888, ou por crise econômica de algumas frações da classe dominante ou por pressões dos próprios negros, através de lutas, fugas e rebeliões.
A Lei Áurea foi, na verdade, uma investida bem sucedida das elites pelo controle político de uma situação que lhes fugia das próprias mãos. Sua eficácia ideológica pode ser atestada até hoje com os festejos do 13 de maio.O que é um indicador preciso da recorrente capacidade de antecipação política da classe dominante continua sendo percebido como " gesto magnânimo", exemplo da cordialidade vigente em nossa história política.
A teoria dos resquícios (que de fato existem) tenta ocultar um fato relevante: os mais de um século de modo de produção capitalista e seus mecanismos de exclusão da população negra não permitem jogar todo débito na conta do passado.
Como observa Fátima do Carmo Silva Santos, secretária da União Negra Ituana (Unei), a Lei Áurea foi na verdade um passo importante, mas como veio desacompanhada de reformas estruturais, resultou em "uma demissão em massa do povo negro, já que eles não tinham emprego, educação ou qualquer condição de conseguir um trabalho que não fosse com os seus senhores em troca de um teto".
Embora o processo de desestruturação do mito da "democracia racial" tenha avançado muito nos últimos anos, no terreno da luta social e política perdura um grande atraso a ser superado. Cabe à República completar a Abolição com políticas públicas eficazes.
Enquanto tivermos um Demóstenes Torres (DEM/GO) responsabilizando os ex-escravos por sua própria escravidão - e publishers escravocratas pagando a capatazes magnolis para descer o açoite em jornalistas que noticiaram o fato -, é fundamental que usemos a data para destacar a dimensão cultural, a construção social e ideológica de "raça" como elementos reprodutores de desigualdades sociais perpetuadas.
É a única comemoração possível em Paços Imperiais que, desde 1888, alforriam as más consciências de uma elite incapaz de elaborar projetos republicanos. As mesmas que criminalizam o MST para manter inalterada a estrutura fundiária que vem da Lei de Terras, aprovada em 1850.
As mesmas que acham possível falar em libertação sem nenhuma política de inserção aplicada. O condimento neoliberal não esconde a essência escravocrata da direita brasileira. É bom pensar nisso em outubro.
17-4-2010 – Congresso em Foco
Artigo - Para onde foram os negros?
“A imagem do negro perguntando ‘para onde vou?’ povoa a minha mente até os dias de hoje. Afinal, cada um daqueles negros libertados, como todos os outros no Brasil e em outros países, se perguntaram o mesmo”
Geraldo Serathiuk, advogado, especializado em direito tributário pelo IBEJ/Pr e com MBA em Marketing pela UFPR. gserathiuk@yahoo.com.br
Nos anos de 1980, fui assistir com minha esposa ao filme cubano “A última ceia”, dirigido por Tomas Gutierrez Alea. Trata-se de uma obra que pode ser vista como um libelo contra a servidão dos negros naquele país e em todos os outros, simbolizando o bem inestimável que é a liberdade como expoente da dignidade humana. O filme mostra Cuba, nos finais do século XVIII. Uma plantação de açúcar e o respectivo engenho de refinação são explorados por um conde, tendo por mão-de-obra escravos negros. Na Quinta-Feira Santa, o conde convida doze dos seus escravos para cear consigo. Ao final, tinha como costume libertar alguns escravos. Quando então um escravo libertado vai saindo, volta-se e olha, perguntando ao conde, seu senhor: “Para onde vou ? No dia seguinte, tendo reencontrado o sentido da dignidade humana, os escravos revoltam-se.
Aquela imagem com aquele negro perguntando “para onde vou?” povoa a minha mente até os dias de hoje. Afinal, cada um daqueles negros libertados, como todos os outros no Brasil e em outros países após a abolição da escravatura, se perguntaram: para onde vou?
A transformação da economia baseada nas plantações com trabalho escravo em uma economia industrial-urbana atrelada às políticas migratórias marcou o destino dessas populações no mundo. Os migrantes europeus inseriram-se na nova estrutura de classes, e a população negra liberta foi deslocada. As trajetórias de vida variaram ao longo dos séculos; muitos deles ganharam a liberdade, alguns como alforriados, outros por meio da resistência, como a fuga e a reorganização em quilombos.
Libertados e longe de sua terra natal foram submetidos a uma diáspora, que por enfrentar todo tipo de discriminação racial e religiosa, traduziu-se em desigualdades sociais.